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Parece-nos legítimo iniciar esta abordagem a partir da noção de “corpo ausente”. Do lugar que este corpo é capaz de definir a partir da sua ausência e invisibilidade. Isto porque, como é do senso-comum, em todas as fugas existiu, anteriormente, uma presença ou permanência da qual resultou essa transformação. Quando o corpo do autor converge com a obra – e aqui referimo-nos, evidentemente, a domínios físicos e materiais – o objecto é capaz de aprisionar o artista e revelar esse contacto prévio com o mesmo na reminiscência da sua existência temporal. Deste modo, os artistas portugueses a partir dos quais pretendemos explorar este conceito serviram-se dos vestígios da sua presença física por meio de moldes, de impressões, de fotografias ou de uma memória conceptual; e a ausência desses corpos evoca a mortalidade humana, a transcendência do corpo, através da utilização das mais permanentes formas artísticas – a manifestação física em contraste com o espiritual e o inconsciente.

A passagem subsequente, que se deu logo em meados dos anos sessenta, das estratégias da pintura para a escultura esteve, sobretudo, relacionada com a expansão das possibilidades que se ofereciam ao corpo num contexto de tridimensionalidade, isto é, ao nível do real. O percurso progressivo foi o de abandono da autoria, ou seja, o corpo foi sendo integrado na criação até à eleição do acto em detrimento do objeto final, assim com se vai despojando também da autoria em função do outro (dos outros), os supostos espectadores, com o intuito de estes vivenciarem a obra e descobrirem a sua própria criatividade, os seus limites ou mesmo as suas transgressões. Se conseguirmos entender a sociedade, nas suas mais diversas dimensões, como um corpo em constante transformação que faz mover o artista, facilmente compreendemos a necessidade de desenvolver estratégias e códigos de subversão que permitam o artista reagir consoante os condicionamentos do seu tempo e tornar o espectador – através do seu envolvimento – mais consciente acerca do acto criativo e dos mecanismos de construção da realidade. Desta forma, o artista procura descobrir a sua forma de se afirmar no espaço activo do sistema comunicacional.

“I have taken prisoners. The point is to allow people to enter and to prevent them from leaving. Here the work comes into being and these people are the actors. There

is no possibility of escape, in fact the spectators have no choice; they are obliged, violently, to participate. Their positive or negative reaction is always a form of participation. The end of the work, as unpredictable for the viewer as it is for me, is nevertheless intentioned: will the spectator tolerate the situation passively? Will an unexpected event – help from the outside – rescue him from being locked in? Or will he proceed violently and break the glass?”160

É a partir destas questões que podemos abordar a ideia de corpo ausente no trabalho de alguns artistas portugueses. Com efeito, a constatação plena de que a expressão artística pode ter uma dimensão de intervenção social passou, em grande medida, pelo debate em torno da eficácia da arte pública e Rigo, embora residente em São Francisco161, foi um dos intervenientes portugueses mais eficazes nesse contexto, trabalhando sobretudo no âmbito da designada street art, com pinturas e intervenções murais no espaço urbano. Ricardo Gouveira, ou Rigo – como é conhecido –, nasce na Madeira mas é particularmente reconhecido no continente americano, sobretudo pelas suas propostas de intervenção pelos direitos humanos e pelo direito à diferença no seio de comunidades minoritárias. Utilizando uma linguagem plástica eclética, segundo o legado da cultura pop, a obra do artista apresenta-se sobre múltiplos suportes162.

Em 1994, na Galeria Porta 33 (Funchal, Madeira), Rigo parte da problematização do próprio espaço da exposição, com uma obra intitulada Largo do

Canto do Muro. O chão é coberto por um revestimento de calçada portuguesa, cujo

padrão é evocativo do movimento do mar e as paredes são pintadas segundo um padrão abstracto colorido que evoca, igualmente, a superfície marítima (sendo que uma das paredes é deslocada de forma a conferir à galeria um aspecto mais reservado). Sobre o chão são inscritos dezenas de nomes de localidades e ruas da Ilha da Madeira, nomes que são dispostos segundo uma ordenação prévia que sugere uma dinâmica poética e que imprime uma espécie de padrão verbal e comunicativo. Esta obra é, neste sentido, particularmente característica da identidade de Rigo e, tal como sugere Alexandre Melo, pode ser entendida, neste contexto, “como um «regresso a casa» propicio a

160

BISHOP, Claire (ed.), “Graciela Carnevale: «Project for the Expermental Art Series, Rosario», 1968” in Participation, col. Whitechapel: Documents of Contemporary Art, London: Whitechapel Art Gallery/Cambridge: The MIT Press, 2006, p. 117.

161 Desde 1985, data em que deixou o Funchal.

162 Para um aprofundamento da questão, consulte-se um breve artigo referente ao trabalho

desenvolvido pelo artista, no contexto da arte pública – RIBEIRO, Ana Luísa, “Rigo”, in Arte Ibérica, n.º 11, Fevereiro 1998, pp. 31-33.

múltiplas reflexões e problematizações.”163 Novamente, compreendemos a ideia de “presença” de um corpo ausente perante elementos simbólicos que representam o sujeito e a perpetuação da memória identitária, sob uma espécie de auto-retrato sem rosto. É-nos proposta, assim, uma reflexão íntima acerca do lugar de origem do artista “como espaço poético configurado, à distância de um oceano, pela ressonância de

nomes e sítios que lhe sobrevivem na memoria da infância e da juventude embalados sempre pelo mar omnipresente.”164

Se, com esta composição, o artista retrata o espaço poético do seu local de origem integrando as designações que sobrevivem na sua memória – logo, retratando-se a si mesmo –, está também a envolver e a partilhar com o público aquilo que respeita aos espaços que, poeticamente, distribui na calçada, sobre a qual a comunidade vai caminhar. Do mesmo modo, podemos entender ser essa a sua exacta finalidade, na medida em que a própria obra se constitui como um objecto quotidiano e de uso popular que, particularmente por se tratar de um pavimento, impõe a presença de um corpo para que a sua funcionalidade seja alcançada. Ao mesmo tempo, a concretização desse contacto físico, através da participação do espectador – como discutido no capítulo imediatamente anterior, concede ao objecto o efectivo valor de obra de arte.

A mesma noção de auto-retrato numa identidade/intimidade partilhada com o espectador, que caracteriza a criação de Rigo, Largo do Canto do Muro, está também subjacente à produção de Ana Leonor Madeira Rodrigues, que determina uma estratégia de apresentação do seu trabalho lateral à actividade expositiva da época. Tendo como ponto de partida o seu espaço de criação artística, Ana Leonor Rodrigues165 estabeleceu uma cartografia pessoal com base na marcação do terreno à

163 Alexandre Melo foi quem se debruçou sobre a produção do artista na Galeria Porta 33, aquando da

exposição de Ricardo Gouveia ou, à data, Rigo 94 – numeração que identifica o artista consoante o ano a que reportam as respectivas obras (e que, naturalmente, é constantemente alterada). A exposição esteve patente entre 31 de Janeiro e 9 de Março do mesmo ano. A primeira e única mostra individual anteriormente realizada pelo artista em Portugal tinha tido lugar em 1986, no Espaço Poligrupo – Renascença (Lisboa), e intitulava-se Primeira Impressão. Já nesta exposição, o autor tinha submetido o complexo espaço expositivo a uma transformação quase integral, de modo a conseguir adaptar a galeria ao seu trabalho. Cf. MELO, Alexandre (ed.), Rigo 94: Largo do Canto do Muro [catálogo], Funchal: Galeria Porta 33, 1994.

164 Ibidem, p. 10.

165 Actualmente a desempenhar o cargo de professora associada com agregação da FAUL, Ana Leonor

Madeira Rodrigues foi bolseira da Fundação Calouste Gulbenkian para estudar na Akademie der Bildenden Kunst, em Munique. A artista publicou ainda vários livros e artigos sobre desenho, representação e pensamento visual, dos quais podemos destacar, a título de exemplo, Ensaios nas Margens do Futuro: sentidos e significações, Lisboa, Estampa, 2007; Queimado por Azul, Lisboa,

sua volta.166 A exposição que desencadeou este mesmo processo foi O Anjo Azul, de 1994, que ocorreu num andar vazio, em Lisboa, num apartamento imediatamente acima do seu atelier, onde eram exibidos desenhos e esculturas em cimento que compunham a concepção de um corpo idealizado. No entanto, não foi pelas obras plásticas apresentadas que esta exposição mereceu a nossa reflexão. Foi, antes, porque o próprio edifício acabaria por funcionar como uma espécie de espaço dependente – como uma espécie de continente ou de uma membrana –, parte integrante do corpo projectado pela artista. Nesta medida, o andar vazio constituía-se como um dos elementos fundamentais da obra e era a unidade que estabeleceria o diálogo entre os objectos e o deambular do visitante que, por sua vez (talvez sem se aperceber), seria fluxo desse mesmo continente. Tal como em Not To..., exposição colectiva na qual a artista participou e que, novamente, se realizou num apartamento desocupado de Lisboa, em 1999. Prosseguindo sob a mesma pesquisa, em curso desde os primeiros anos da década de noventa, este novo espaço compreendia novamente a complexa dualidade de entidade e sujeito; não se constituindo apenas enquanto o lugar da exposição mas vivendo, sobretudo, como parte da mesma.

Uma outra artista que nos parece evidenciar premissas de ausência de um corpo na obra de arte é Graça Pereira Coutinho, artista que na década de setenta, após terminar a sua formação em escultura, se mudou para Londres, cidade onde reside actualmente. É significativo o facto de Graça Coutinho concentrar o seu trabalho no recurso a materiais em bruto e aglomerando objectos que pertenciam ao mero domínio quotidiano. De facto, a artista faz uso de materiais que pertencem ao âmbito do real para reflectir, exactamente, sobre a nossa permanência nessa mesma esfera167. Por essa via, a sua instalação War Zone II, produzida em 1994 e exibida na exposição Anatomias

Contemporâneas: o corpo na arte portuguesa dos anos 90168, remete de imediato o

Assírio & Alvim, 2006; ou ”Biografia e Identidade”, in Revista Arte Teoria, Lisboa: Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, 2003, p.18-26.

166 Conforme referência incluída em PÉREZ, Miguel von Hafe (ed.), Anamnese: o livro, vol. 1, Porto:

Fundação Ilídio Pinho, 2006, p. 88.

167 Neste contexto, sugerimos a consulta de CARLOS, Isabel, PIRES, Paula, Á Flor da Pele: arte

portuguesa contemporânea [catálogo], Lisboa: Comissão Instaladora do Instituto de Arte Contemporânea, 1997 – obra publicada por ocasião da exposição patente no Paço dos Duques de Bragança, entre Fevereiro e Março de 1997, que contou com a participação de Graça Pereira Coutinho, a par com Gerardo Burmester, Alberto Carneiro, Pedro Casqueiro, Rui Chafes, Carlos Figueiredo, João Jacinto, Rui Sanches e Pedro Sousa Vieira; unicamente sobre a artista que enquadramos, a publicação de ROSENGARTEN, Ruth, GODFREY, Tony, Graça Pereira Coutinho, Lisboa: Estar, 2000.

168 Realizada em 1997 na abandonada fábrica da desactivada Fundição de Oeiras e comissariada por

espectador para o conceito de ausência, ou antes para a memória de um corpo que já não o é. War Zone II é constituída por objectos, em tudo semelhantes a macas de transportes de feridos, distribuídas pelo chão parecendo desenhar sepulturas abertas num cemitério de guerra. Como se a presença contemporânea fosse, na verdade, o seu lugar manchado de sangue pela violência da sua inexistência. A ausência da imagem constitui, por outro lado, uma narrativa sem sujeito aparente, o que estimula o observador à criação da sua própria percepção – distinta das demais – na procura por uma estruturação de um código de linguagem válido. Sob estas circunstâncias, os objectos adquirem, naturalmente, a necessária amplitude enquanto potenciadores de pensamento crítico e o carácter de “obra aberta”, no sentido em que convocam, como referimos, uma interpretação livre por parte do espectador que, deste modo, concretiza o projecto artístico e assim é capaz de se constituir como co-autor.

Ainda assim, acreditamos que o grande drama de qualquer corpo é, de facto, o regresso à terra; o medo da morte, que se prende na fusão com o elemento mais primitivo da natureza, assume-se como a derradeira ausência169. No mesmo quadro, e rompendo com a sequência cronológica que temos vindo a estabelecer, convocamos a proposta de Manuel Rosa, que, em 1997, nos anuncia um discurso semelhante ao de Graça Pereira Coutinho: a obra Sem Título que exibe na Fundição de Oeiras. Recorrendo à utilização de areia de fundição, o artista compõe uma escultura que revela dois corpos que penetram o solo. Desta forma, é retratada uma espécie de ausência que se materializa na eminente extinção desses corpos que antes estariam plenamente presentes – vivos.

A valorização da memória simbólica subjacente a estas abordagens pode ser compreendida à luz da noção de Index, de Charles Pierce.170 No final do século XIX, o

trabalhos produzidos na década de noventa sobre a temática do corpo e, a partir destas, pensar o estado do corpo através do estado da arte, como atesta o texto introdutório do catálogo. Veja-se CUNHA E SILVA, Paulo, MENDES, Paulo, SEABRA, Paulo (coord.), Anatomias Contemporâneas: o corpo na arte portuguesa dos anos 90 [catálogo], Oeiras: Câmara Municipal, 1997.

169 Neste contexto, sugerimos a consulta do trabalho de António Fernando Monteiro Pereira da Silva,

que convoca um conjunto obras capazes de ampliar a presente discussão, produzidas por artistas como João Cutileiro, João Vieira, Clara Menéres, Zulmiro de Carvalho, Rui Chafes, Pedro Tudela, Luís Palma, Graça Pereira Coutinho ou Manuel Rosa, entre outros – SILVA, António Fernando Monteiro Pereira da, A Metáfora da Morte na Escultura Contemporânea em Portugal (2.ª metade do século XX), Dissertação de Mestrado em História da Arte em Portugal, orientação de António Cardoso, Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2001 [não publicado].

170 Cf. PIERCE, Charles, Collected Papers of Charles Sanders Pierce (8 vols), vols. 1-6, ed. Charles

Hartshorne, Paul Weiss, vols. 7-8, ed. Arthur W. Burks, Cambridge: Harvard University Press, 1958- 1966.

autor desenvolve uma análise tendo por base as diferentes formas de interpretação de um signo – sendo que a teoria de Pierce não se foca apenas em signos materiais ou concretos. Assim, propõe que os signos possam ser classificados de acordo com as qualidades, factos e convenções associadas aos objectos com que se relacionam, acabando por identificar três conceitos distintos: ícone, índex e símbolo. Os signos atribuídos por índex são os mais comummente utilizados e constituem-se como o modelo de formulação do “corpo ausente” por nós discutido. Segundo a noção de índex, o significante pode não se assemelhar ao seu objecto-significado; pelo contrário, está directamente relacionado com o mesmo. No entanto, a relação entre o signo e aquilo que este representa – o seu referente não-arbitrário – precisa de ser dominada previamente (por exemplo, nuvens escuras são o índex de chuva iminente). É por isso indício de um acontecimento, circunstância, reminiscência ou presença simbólica, de algo que ainda – ou já – está ausente.

Na convocação desta ausência, importa também recordar a obra O Prazer é

Todo Meu, de Patrícia Garrido, de 1994. Este trabalho, uma série, inclui seis esculturas

em espuma coberta por fibra de vidro e poliéster. A sua forma escultórica, orgânica e homogénea, compõe uma mais que evidente dimensão antropomórfica ao evocar posições de um corpo em movimento, envolvendo jogos de intenção sexual. Da mesma forma, e porque estamos perante um molde, poderíamos ainda dizer que nesta composição escultórica são evocados os efeitos dos movimentos físicos sobre um volume que lhe serve de suporte ou, numa outra perspectiva, sobre o próprio espaço. Com efeito, apesar de serem notórias a suas particularidades, podemos desde logo identificar a relação evidente que existe entre esta exposição e aquela que lhe antecedeu, Jogos de Cama, patente no mesmo ano na Galeria Quadrum, onde foi apresentada uma instalação realizada a partir da montagem de várias camas de rede. “Já

aí se tornava evidente uma intenção de fixação da passagem e dos movimentos do corpo reportadas, na circunstância, a um suporte material explicitamente identificável”, verifica Alexandre Melo.171 Deste modo, ao contrário de estarmos perante um corpo na sua representação, estamos perante o processo de tensão e movimentação que esse mesmo corpo experienciou antes da sua ausência, por meio da

171

Cf. MELO, Alexandre, Patrícia Garrido, 1994: O Prazer é Todo Meu, Jogos de Cama [catálogo], Funchal: Associação Quebra Costas/Galeria Porta 33, 1994, p. 9 – a respeito das duas exposições que Patrícia Garrido realizou em 1994, nas quais já era reconhecível uma problemática centrada no corpo e onde questões ligadas ao espaço visceral, bem como as pulsões ligadas à sexualidade, eram aprofundadas.

acção: uma reflexão sobre a experiência física do próprio artista, na procura pela aproximação às derradeiras formas da obra que apresenta. Outro apontamento decisivo na concepção da obra de Patrícia Garrido foi a escolha das cores destas suas esculturas, que acabaram por ser pintadas em diferentes tons, bastante femininos, entre os vermelhos e os rosados de uma paleta de batons – dupla invocação do corpo, desta vez pela carne, o sangue, os lábios e a pele. Deste modo, e porque no presente trabalho discutirmos a noção de corpo sob as suas mais diversas significações, devemos considerar os domínios do corpo da mulher como premissas relevantes no trabalho da artista, que assume um percurso de introspecção no feminino para a configuração do seu trabalho autoral. A noção de corpo ausente, impresso na obra, o carácter autobiográfico e a fundação de uma identidade específica – como um statement –, baseada na experiência feminina, afirmam-se como questões centrais do trabalho de Patrícia Garrido172.

Devemos compreender esta “produção de ausência” à luz de questões como a imaterialidade e o processo criativo na sua ligação com o próprio corpo do artista (assim como as percepções culturais, ideológicas e de raiz histórico-artística dos seus autores). Por outro lado, não podemos esquecer também a transposição de traços de uma individualidade deliberadamente exposta de modo à estruturação de interrogações pertinentes acerca do estatuto da mulher na sociedade, como é comprovado por artistas como Patrícia Garrido, Júlia Ventura, Rita Castro Neves ou Acácia Maria Thiele.173

172 Aludimos para a obra de Janine Antoni que, apoiando a sua produção no legado de artistas como

Mona Hatoum, Martha Rosler, Miriam Schapiro ou Barbara Kruger, assume um percurso de introspecção no feminino para a configuração da sua produção autoral, tal como Patrícia Garrido. A sua obra Wean (1989-90), a título de exemplo, consiste no recolher de moldes de gesso do seu peito, impressões que são posteriormente colocadas junto a mamilos de látex. Deste modo, procura usar como ferramenta o seu próprio corpo – focando a sua exploração artística no mesmo medium –, com vista à criação de uma obra que metamorfoseie as mais comuns actividades do dia-a-dia (como o acto de comer, tomar banho ou mesmo dormir). Para aprofundar um pouco mais as questões inerentes à produção de Janine Antoni, veja-se COTTINGHAM, Laura, “Janine Antoni – Biting sums up my relationship to art history”, in Flash Art, v. XXVI, n.º 171, Milan: Giancarlo Politi Editore, Verão 1993, pp. 104-5.

173 Ainda como referência, reforçamos a importância do movimento feminista da década de 1970,

assim como as dinâmicas artísticas que impõem pensar o estatuto da mulher na sociedade, temáticas que não serão por nós profundamente abordadas. Sugerimos, por isso, a leitura de um conjunto de referências teóricas, tais como POLLOCK, Griselda, Vision and Difference: feminity, feminism and the histories of art, London/New York: Routledge, 1988; AA.VV., The Power of Feminist Art – The American Movement of the 1970’s: history and impact, New York: Marry N. abrams, Inc., 1994; ou JONES, Amelia, The Feminism and Visual Culture Reader, London/New York: Routledge: 2002, entre outros.

Foi em Kiel, Alemanha, na Universidade de Belas-Artes local, que Inês Pais realizou a sua primeira exposição individual. Em Oxygen, de 1997, a artista transformou o foyer numa sala de estar na qual os visitantes podiam aceder confortavelmente a toda a informação que Inês Pais tinha reunido durante a sua estadia de três meses na cidade. De entre os objectos, podiam encontrar-se livros, vídeos, cassetes, CDs, dossiês com fotocópias, entre inúmeros outros elementos – numa produção que envolveu a Kunsthalle local, a biblioteca de Kiel e amigos da artista (a quem esta pediu o empréstimo de sofás, de televisões e de leitores de CDs). Não tardou

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