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Vinte anos depois da mostra colectiva agenciada por Ernesto de Sousa, realiza- se um projecto expositivo que propõe a sua revisitação, comissariado por João Fernandes e promovido pela Fundação de Serralves – com o apoio da Câmara Municipal da Porto, da Fundação Calouste Gulbenkian e de um vasto número de artistas, críticos e investigadores –, designado como Perspectiva: Alternativa Zero.

“Voltaremos mais tarde para dizer do que foi que ainda não era isto o que havíamos desejado. E assim saberemos que alguma coisa de nós começa a ser neste exacto aqui.131

João Fernandes, no ensaio que concretiza para o catálogo da exposição de 1997 – Perspectiva: Alternativa Zero – Vinte anos depois... – começa por apontar as raras vezes em que o contexto artístico português é resgatado do passado para, através do estudo da sua memória, se esclarecerem premissas do presente, segundo a análise dos desafios que o passado é capaz de colocar à contemporaneidade, os seus pontos negativos e positivos, as suas limitações e o seu alcance em prol de uma valiosa aprendizagem. De facto, Fernandes dá conta de que, em contexto internacional, uma série de exposições vinham a ser realizadas de modo a sistematizar a memória e a experimentação que se desenvolveu ao longo dos tempos, de entre as quais exposições monográficas e retrospectivas de artistas tal como Joseph Beuys, Hans Haacke, Gordon Matta-Clarke, Bruce Nauman, Jasper Johns, Robert Smithson ou Andy Warhol, até exposições de reapresentação e reflexão contextual132.

Nos dias de hoje, os caminhos da experimentação em arte são continuamente informados da historia dos momentos e percursos de ruptura que os precederam. Novos projectos apropriam-se de projectos anteriores, revisitando-os criticamente, fora do contexto e da pretensão de vanguarda que os caracterizavam. O exercício da referência ou da citação deixou de ser incompatível com a experiência do novo, o conhecimento aprofundado de projectos artísticos das ultimas três décadas representa

131

Eduardo Prado Coelho, 1977.

132 Em 1993, em Londres, “Gravity and Grace: the changing condition of sculpture, 1964-1975”, na

Hayward Gallery e “The Sixties: art scene in London”, no Barbican Center; “Reconsidering the Object of Art”, MOCA, Los Angeles, 1995; a Bienal de Veneza com o tema “Futuro, Presente, Passado: anos 60-90, entre outros.

uma contextualização necessária para a reformulação dos caminhos possíveis do presente.”133

Em Portugal, e segundo o mesmo autor, não apenas se verificaria um escasso conhecimento e informação a respeito do contexto da história artística internacional, como, pior ainda, se assistia a um quase total desconhecimento no que diz respeito à própria história recente nacional, que não tinha ainda sido suficientemente estudada por historiadores e investigadores académicos ou sob a prática curatorial, assim como não ocasionava, pelo menos aparentemente, curiosidade artística e crítica (isto porque não era suscitada a sua estimulação). Ainda assim, na década de 1990 deu-se uma relativa melhoria no que respeita ao campo da divulgação, por via da publicação de algumas edições e pela produção de exposições de investigação. De entre as quais, salienta-se então a realização de uma importante exposição acerca dos anos setenta em Portugal, intitulada Anos de Ruptura: uma perspectiva da arte portuguesa nos

anos setenta, exibida no Palácio das Galveias, em Lisboa, no ano de 1994, assim

como a publicação de duas obras de história da arte que incidiam sobre o estudo historiográfico da arte portuguesa do século em questão, e ainda algumas exposições monográficas a respeito de artistas portugueses como Alberto Carneiro, Ângelo de Sousa, Álvaro Lapa, Helena Almeida e António Palolo (exposições fundamentalmente patrocinadas pelos dois maiores polos institucionais do circuito artístico português, a Fundação de Serralves, no Porto, e a Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa). Assim, a exposição retrospectiva da Alternativa Zero no museu portuense teve como ímpeto decisivo a divulgação – ou antes, reapresentação – de cariz pedagógico, consequência do contexto em que se inseria a arte em Portugal, urgência sentida também por Ernesto de Sousa aquando da organização do evento de 1977. Importava, por isso, situar esta exposição em relação aos contextos nacional e internacional. Nesta nova “perspectiva” estava desde logo implicada a “consideração

de um contexto fundador das raízes da contemporaneidade artística portuguesa”,

através de um exercício de reflexão em torno da natureza teórica, crítica e curatorial que o modelo ideológico de Ernesto de Sousa expressa ao materializar esta

Alternativa Zero, reunindo uma geração de artistas de ruptura que vinham afirmando

a sua obra desde os finais da década de sessenta e “ampliando-a no contexto possível

133 FERNANDES, João, RAMOS, Maria (coord.), Perspectiva: Alternativa Zero [catálogo], Porto:

que o pós-25 de Abril poderá ter permitido.134 Tratava-se, “simplesmente”, de possibilitar a investigação e o acesso à mesma, por meio da análise crítica das limitações e do alcance que a mostra de Belém combinou, das suas expectativas, das continuidades que possibilitou e das críticas que provocou, em busca de conhecimento.

A exposição de 1977, que decorreu entre os meses de Fevereiro e Março, perspectivava-se como um começo, o momento zero “na senda da última mensagem

pública de Almada, o mural ‘Começar’ da Fundação Gulbenkian, ou um recomeço.”

Todavia, a questão que brevemente se colocaria, tal como nos dá conta José Luís Porfírio, seria se a “a Alternativa Zero foi um começo ou um fim?”135 Segundo o mesmo autor, e como desde logo referimos acerca das dinâmicas dos anos que lhe seguiram, os últimos anos de setenta apresentaram-se – num contexto global – como a exaustão da linguagem. Mas, se acerca da década de oitenta poderíamos reflectir sobre uma arte “depois do fim”, os noventa poderiam ser, para José Luís Porfírio, o “depois de tudo”. Existe, no momento da exposição retrospectiva em Serralves, o reconhecer de problemáticas novas, de uma nova consciência social e cultural em concordância com a realidade. Nos vinte anos que passaram entre as propostas dos artistas de Ernesto de Sousa e a intervenção da geração de noventa, verifica-se o ampliar de propostas de carácter quase “anti-artístico” sendo que poderíamos estar perante novo Zero – não meramente renovado, mas sim dotado de uma originalidade cujo alcance de influência remonta aos anos de “alternativa”. Alternativa – Zero – que foi um marco no tempo, uma baliza, um momento de tomada de consciência que nos obrigou a reflectir, desde os primeiros momentos; que obrigou os intervenientes da década de noventa e, em particular, esta nova geração de artistas, a repensar o seu tempo e a questionar o paradigma das suas propostas artísticas:

“Porém por maiores que sejam as semelhanças formais – que até podem ir ao ponto de se tornar académicas – esta geração [de noventa] já passou para o outro lado do tempo. (...) Depois é agora! Um tempo que não tem ainda nome certo, uma actualidade como todas as outras, feitas de vestígios, feita da presença simultânea de várias gerações, certamente o tempo dos ‘homens futuros’ de que falava Mondrian

134

Ibidem, p. 16.

em 1920? Ou um tempo de repetições? Tempo de transformações, ou seja, como Almada enunciou e José Ernesto, criadoramente, repetiu, tempo de... começar.”136

Passemos agora à articulação destas e de outras questões com algumas das obras que ditaram, durante os anos noventa, um percurso de experimentação em torno de premissas de subversão do espectador e desse corpo no espaço partilhado.

II. O CORPO ENQUANTO TEMA, PROCESSO E OBJECTO

“Eu não sou um intelectual, escrevo com o corpo. E o que escrevo é uma névoa húmida. As palavras são sons transfundidos de sombras que se entrecruzam desiguais, estalactites, renda, música transfigurada de órgão.”137

O termo “corpo” sugere-nos uma relação com uma entidade autónoma, universal até, mas ao mesmo tempo singular, atemporal e, consequentemente, não marcada pela história. Enquanto um dos temas centrais da nossa contemporaneidade, o corpo é o depositário de todos os sentidos e a expressão das mais diferentes pluralidades. Nas sociedades clássicas, num quadro em que o homem se integrava no cosmos, as imagens do corpo alimentavam-se das matérias que compunham a própria natureza. O corpo assumia-se como um lugar privilegiado de saber e poder, dado que desde sempre constituiu o essencial de todas as práticas e representações do homem.

O corpo – o seu alcance e os seus limites (se tais existirem) – é, como foi desde logo proposto no inaugurar desta reflexão, uma das principais marcas artísticas do século XX. De forma crescente, o corpo foi ampliando – ou antes, esbatendo – as suas fronteiras e tornou-se um dos motores centrais das propostas do artista contemporâneo, que o adoptou enquanto temática, objecto e processo; “Bound or beaten, naked or

painted, still or spasmodic: the body is presented in all possible guises.”138

Expandindo e renovando as tradicionais convenções do retrato e do auto-retrato, o corpo constituiu-se performativo e irrompeu pelo lugar da galeria até ao exterior, ao encontro de um espaço inesperado e flexível e rompendo com as barreiras que podiam ainda existir entre arte e vida, exercício visual e experiência sensorial. De facto, ao longo de toda a história, os artistas sempre desenharam, pintaram e esculpiram as formas do corpo humano. No entanto, a recente história da arte revela uma mudança significativa na percepção que o artista tem acerca do corpo, que deixa de ser apenas o motivo representado, e passa a equivaler enquanto tela, pincel, moldura e plataforma. Ao longo do último século, os artistas questionaram as concepções do retrato e da representação; a ideia de uma forma estável e finita para a interpretação – física e

137

LISPECTOR, Clarice, A hora da estrela, Rio de Janeiro: Ed. Francisco Alves, 1977, p. 30.

psicológica – de si mesmos, foi gradualmente sendo posta de parte graças ao eco dos desenvolvimentos significativos do século XX nos domínios da psicanálise, da filosofia, da antropologia, da medicina e da ciência. As novas propostas artísticas procuraram explorar questões como a temporalidade, a contingência e a própria instabilidade, segundo a noção de que o self é revelado de dentro para fora num movimento que não distingue fronteiras culturais. Ao corpo são, por isso, destinadas questões como o risco, o medo, a morte, o perigo ou a sexualidade – as suas mais claras ameaças físicas –, com vista ao atingir de uma expressão individual que é invisível, sem forma ou limites.

“The new artistic medium is a much more direct one: the human body.”139

A história dos artistas que fazem uso do corpo – o seu e o dos outros – como matéria de trabalho, revela de imediato uma florescente intersecção de ideias e ideologias provenientes das mais diversas culturas e disciplinas. No encetar do século XX, as teorias de Sigmund Freud acerca do inconsciente, cedo influenciaram a forma com a mente e o corpo eram compreendidos; e, apesar de algumas dessas teorias terem sido posteriormente reformuladas, a ideia de que a mente inconsciente do sujeito afecta o seu comportamento de forma silenciosa, transformou, sobretudo, a percepção que a sociedade tinha acerca da dinâmica relacional entre a razão e o corpo físico. Desde logo, nas primeiras décadas do século, artistas do movimento Dada como Tristian Tzara ou Kurt Schwitters recorreram a tácticas multi-disciplinares irreverentes e de carácter performativo, “escaping from the conventional museum with its wall-and-plinth-based-

art.”140 De facto, os dadaístas apresentaram, logo nos anos dez, o traçado daquilo que era a concepção de uma obra de arte total de vanguarda, em contacto com uma audiência no espaço do real.141 Tal como os Surrealistas que, partindo do Dada e introduzindo na sua produção algumas das mais fundamentais premissas freudianas, desenvolveram um corpo de obra provocativo e de exigência participativa, cujo

139

SCLEMMER, Tut (ed.), The letters and diaries of Oskar Schlemmer, Connecticut: Wesleyan University Press, 1992, p. 50.

140 WARR, Tracey, op. cit., p. 11.

141 Falamos de performances realizadas em cafés e na rua mas, sobretudo, pretendemos fazer menção

ao Cabaret Voltaire (Fevereiro-Julho 1916). O Cabaret Voltaire situava-se numa das zonas menos nobres da cidade de Zurique e na sua programação estavam incluídas performances nocturnas, recitação simultânea de poemas em três línguas distintas, declamações, dança, teatro e concertos, seguindo a corrente de contestação que caracterizava o movimento de Hugo Ball e restantes companheiros.

exemplo maior será a I.ª Exposição do Surrealismo, organizada em Paris em 1938.142 Colagem, fotomontagem, performance, environment e assemblage são conceitos que surgem em simultâneo com o começo do século e que sincronizam, enfim, a arte com a vida quotidiana.

Em 1918, o artista Oskar Schlemmer, directamente do campo de batalha, falava sobre o impacto físico e psicológico da I.ª Guerra Mundial.143 As escalas de mortes e destruição colocaram em perspectiva a existência humana e enfraqueceram crenças e valores do passado, alterando o entendimento no que respeita a raças, géneros e classes. Por altura da II.ª Grande Guerra, que irrompeu num mundo que ainda não tinha tido tempo de sarar as feridas psicológicas e emocionais que resultaram da Primeira Guerra, a consciência acerca do corpo era ainda mais saliente. Artistas como John Cage, Marcel Duchamp, Allan Kaprow, Yves Klein, Kazuo Shiraga ou os Gutai, entre muitos outros, desenvolveram dinâmicas de exposição fora do espaço da galeria e ideologias alternativas para a criação de propostas multi-disciplinares que reconheciam a performance e a acção como motor de expressão.

O corpo é, de facto, o tema-problema da nossa discussão em torno do século XX, através do qual apresentamos a produção artística portuguesa mais significativa do fim do milénio, com obras e autores pertencentes a várias fases geracionais. Isto é, entendendo-se por década, não o lugar de uma geração, mas antes o lugar de encontro de gerações, onde se cruzam formações e percursos variados, diversos meios de expressão e onde coexistem, igualmente, propostas que reflectem um maior rigor conceptual e formal, entre outras mais elípticas ou transparentes. Neste contexto, o corpo do espectador é, da mesma forma, chamado a confrontar-se com diferentes anatomias, revendo a sua relação com a obra de arte e o espaço que a mesma ocupa.

Happenings, performances, instalações e intervenções. Definições de pintura e

escultura viva, de arte viva através da acção corporal, de indistinta natureza e cujas fronteiras entre género se misturam e confundem na pluralidade de propostas. Em comum, a exploração do corpo – que se pode movimentar em qualquer lugar –, a efemeridade, a fuga à narratividade ou a narrativa dessa fuga, o paralelismo entre corpo

142 Numa das mais requintadas e respeitáveis galerias de Paris, os surrealistas montaram uma exposição

que girava em redor de noções como a sinestesia e a cinestesia. À entrada era entregue um pequeno foco de luz a cada uma das pessoas do público, visto que o espaço estava às escuras. No desconforto do desconhecido, o espectador deveria percorrer a galeria apoiando-se nos demais sentidos. Só assim a obra seria possível de concretizar; por via de uma experiência verdadeiramente física.

da obra e o corpo do seu autor, levando ainda mais longe o gesto “duchampiano”: a assinatura do suporte é substituída pela integração total do corpo do autor que concebe a obra. Deste modo, são várias as tipologias que podemos encontrar num conceito tão universal como este de “corpo do artista”, antes de “corpo do espectador”.

“The body is perhaps the foremost of all metaphors for a society’s perception of itself.”144

O entendimento da arte enquanto forma de adquirir conhecimento parece-nos possibilitar assim aos artistas o desenvolvimento de uma série de novas tácticas que lhes permitam subverter o seu impacto sobre a comunidade: a desmistificação do objecto artístico é uma delas. Na procura por uma noção de desmaterialização do objecto artístico e em prol da relação que esse mesmo objecto deve estabelecer com a audiência que o encara, a contemporaneidade – desde a produção artística do início do século XX – tende a retirar o objecto do seu pedestal heroicizado e mitificado. A obra assume-se como parte da vida e não só está ao alcance directo do espectador (ambos pisam o espaço da galeria sem uma hierarquia nivelada) como é exigido que seja manuseada, atravessada e habitada pelo mesmo; o que anuncia, desde logo, a noção de imaterialidade que referimos, dado que a obra apenas se concretiza através de uma acção vivida e não simplesmente a partir da produção material de uma ideia estética. Na obra Six Years: the dematerialization of the art object145, publicada em 1973, Lucy Lippard discute o interesse dos artistas por trabalhos que enfatizem o processo de reflexão conceptual e assinala a consequente perda de interesse pelo objecto artístico

per se, defendendo que as duas fontes de manifestações artísticas associadas à

desmaterialização do objecto são a arte como ideia e a arte como acção.

Desta forma, é imperativo propor o questionamento da noção de obra de arte. Porque, acreditamos, as obras que pertencem ao universo da participação – enquanto exigência de um corpo físico –, quando meramente expostas num ambiente museológico desligadas do seu contexto e do seu condutor activo (a audiência que com as mesmas interage – domínios participativos que discutiremos mais adiante) se tornam apenas num resíduo longínquo do trabalho que já foi feito, isto é, da obra concretizada no passado por meio do trânsito dinamizado pelo espectador e que, neste

144 Jonathan Benthall, The Body as a Medium of Expression: A manifesto (1972). Excerto da obra em

WARR, Tracey, op. cit., 2000.

145 LIPPARD, Lucy, Seis Años: la desmaterializacion del objeto artístico (de 1966 a 1972), Madrid:

momento, não existe senão pela sua concepção e constante renovação crítica por parte da acção de um juízo estético libertador. Juízo reclamado por uma comunidade capaz de não apenas confrontar o objecto, mas também de incorporar o conhecimento prévio do que foi a sua performance enquanto matéria activa e, assim, desenvolver a reflexão e o pensamento humano – o objecto deixa de ser a única fonte necessária para a permanência e constante renovação que constitui a universalidade da ideia estética, isto é, da obra de arte. Tal como se manifesta na produção de Cildo Meireles, que convocaremos para breve exemplo do contexto internacional dos mesmos anos.

A obra Nós, Formigas (1990-2013)146, materializada pela primeira vez no Museu de Arte Contemporânea da Fundação de Serralves, em Novembro de 2013, por ocasião de uma exposição retrospectiva da obra do artista, consiste na colocação de um imenso bloco de granito suspenso sobre uma vala escavada no parque do museu, ambos os elementos de tamanhos semelhantes. A audiência-participante deve descer as escadas de acesso ao núcleo escavado. Posicionado sob o bloco de granito, o espectador pode verificar que centenas de formigas se movimentam na parte inferior da pedra, encurraladas por uma placa de acrílico na parte exterior. Nós, Formigas convoca a década de 1970 na sua génese. A obra, que tem por base o impulso capitalista das grandes potenciais mundiais, corporaliza a crítica ao investimento industrial e ao seu crescimento incessante e imparável no confronto com a finitude da própria humanidade, que apenas tem a chance de sobreviver se for capaz de se diminuir. Uma imensa metáfora que nos remete para a sociedade pós-industrial e para a insatisfação humana, num mundo caracterizado pelo progresso, pelo crescimento e por uma imenso desenvolvimento. De facto, o entendimento da arte como forma de conhecimento possibilitou aos artistas não apenas explorarem problemas e questões relacionadas com condicionantes concretamente socio-políticas, mas também de desenvolverem uma série de novas tácticas que lhes permitam subverter o seu impacto sobre a audiência.

Recuando um pouco na nossa análise, importa pensar a obra de arte como um paradigma instável e potenciador de crise no seio de uma comunidade que se depara com um objecto não-concluído, inconclusivo e eminentemente indecifrável que, ao mesmo tempo, se assume como um motor de arranque do pensamento crítico, isto é,

146 A obra Nós, Formigas começa a ser idealizada por volta do ano de 1970, mas apenas duas décadas

que convoca a capacidade humana de produzir juízos e a partir deles reflectir. Na mesma ordem de ideias, segundo Marie-José Mondzain, o dito fracasso assim instaurado perante a obra, na sua capacidade de produzir conceitos universais, obriga o

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