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Um cortejo fúnebre saindo da casa do defunto e indo para a igreja principal

DA ORDEM MORAL PARA A ORDEM ECONÔMICA

Foto 4: Um cortejo fúnebre saindo da casa do defunto e indo para a igreja principal

Observa-se como as pessoas, bem vestidas, acompanham a pé, protegendo-se do sol com grandes guarda-chuvas. A maior parte das ruas do centro urbano de Villavieja não é pavimentada. Muitas casas ainda são construídas em taipa e com telhado de zinco, outras, mais recentes, são feitas de tijolos. A transformação produtiva na agricultura não se refletiu num nível de riqueza que aparecesse de forma significativa na paisagem urbana. Foto Camilo Bustos Ávila, 9 de fevereiro de 2010.

Outro dos detalhes interessantes mencionados por ele diz respeito à forma urbana de La Victoria e de San Alfonso, a qual é muito diferente. San Alfonso tem uma estrutura de tabuleiro de xadrez muito bem definida, com a igreja no centro da praça principal em forma de quadrado e as casas ao redor, inclusive o canal do distrito de irrigação faz contorno ao povoado, para respeitar a estrutura urbana original. Efraín Vanegas diz que isto é assim porque San Alfonso é a cabeceira religiosa da região e os padres impõem ordem na comunidade, o que acaba se refletindo na própria forma urbana. La Victoria, pelo contrário, tem uma morfologia urbana completamente caótica, porque não foi originado pela imposição

de um poder central, mas pela vontade de cada um dos moradores, cada qual deles fazia as casas onde bem achava e ninguém impedia 132.

Da mesma forma que José Rafael Márquez, Efraín Vanegas também critica fortemente as políticas assistencialistas características dos últimos governos nacionais, que entregam um subsídio às famílias de $80.000 (aproximadamente 80 reais) por cada filho em idade escolar. Para ele, estas políticas “quebraram a capacidade de luta e organização dos moradores”. Para ele, em grande parte, esses subsídios que as pessoas recebem são gastos nos botecos, no consumo de cerveja e é por isso que ele critica tão fortemente o consumo de álcool. Como um exemplo destas políticas, ele menciona que um dos filhos do Senhor Pedro Olaya tem cinco filhos e recebe subsídio por todos eles (“todos lhe pagam”). Como a principal forma de obter estes subsídios e pertencer à rede de deslocados pela violência, ele relata que, no Município de Villavieja, 70% dos que solicitam auxílio do governo municipal não são realmente deslocados, mas pessoas que se fazem passar por tais para receber benefícios; nas palavras dele: “isso ai se tornou um negócio”. Como faz parte do governo municipal sabe que boa parte do orçamento vá para isso 133.

O apelo às políticas assistencialistas aparece como fenômeno importante no momento de crise da sociedade do trabalho, já que a reprodução social baseada na agricultura está seriamente comprometida. Outro fenômeno importante, a lavagem de dinheiro produto de atividades ilegais, como o narcotráfico ou a extorsão por parte dos grupos armados, é visível no relato de Vanegas. Ele menciona que em Villavieja há histórias de pessoas que obtiveram dinheiro “fácil”, mas muitos de eles estão, hoje, falidos. Em San Alfonso há duas ou três famílias que tem acumulado muito dinheiro “que não se sabe de onde vem” 134.

As decorrências da crise também estão manifestas no incremento do roubo de gado o que, segundo Vanegas, é preocupante porque “o preço do gado é muito baixo e o da carne é cada vez maior”. Ele critica que a população não parece reagir com relação aos crimes existentes porque, segundo ele, há muita tranquilidade (imobilismo) e falta de solidariedade. A crise também faz com que exista um alto índice de população itinerante no município, já que, segundo ele, Villavieja tem uns 7.500 habitantes, mas a população flutuante é de umas 1.000 pessoas, aproximadamente 135. 132 Idem. 133 Idem. 134 Idem. 135 Idem.

O testemunho de Efraín Vanegas é muito rico e os dados que aporta estão bem fundamentados. Ele mostra a lenta decomposição da moral camponesa em meio às decorrências da crise, mas são testemunhos como o dele que denotam a existência das diferenças no meio de um processo que parece menos complexo se enxergado desde o nível global. A modernização, mesmo que a acumulação primitiva não tenha mais esse caráter no momento de crise do capital, revela-se um fenômeno prenhe de contradições.

A crise da reprodução social baseada na agricultura oferece outras manifestações em Villavieja. A entrevista com Diógenes Angarita, da qual já foram extraídos vários trechos fornece, ainda, informações sobre os rumos que está tomando a atividade agropecuária em Villavieja no presente, já que a partir de finais da década de 2000 ele está lutando por produzir em Doche plantas para a produção de biodiesel, especificamente mamona e Jatropha (pinhão manso). Ele conseguiu 900 milhões de pesos por um projeto de produção que apresentou à CAM (Corporação Autônoma Regional do Alto Magdalena). O projeto envolve a produção de maneira muito dispersa (alguns terrenos em Doche, outros em Polonia, no Resguardo Indígena, em La Victoria e em San Alfonso) 136. O fato de que Angarita esteja pensando a sua própria reprodução social num cultivo incentivado pelo capital diz respeito à incorporação da lógica camponesa dentro da reprodução do capital.

Ele nos conta que participou do 1º. Congresso Internacional sobre cultivo e processamento de mamona e pinhão manso, que foi patrocinado, dentre outras instituições, pela EMBRAPA137, mostrando como as transformações espaciais projetadas no campo de Villavieja para o futuro também estão determinadas pela ordem distante e relata que os mais interessados neste projeto de produção de oleaginosas são os mais velhos e não os jovens. Ai se percebe que a razão pela qual as pessoas de sua geração aceitaram entrar na lógica moderna para a produção agropecuária é para se sustentar na agricultura como forma de reprodução da vida, o que não corresponde com as decisões da geração mais nova, a qual, na sua maioria desistiu da reprodução social baseada na agricultura. A Foto 5 mostra o diploma de Angarita, do qual ele se diz muito orgulhoso.

136 Entrevista com Diógenes Angarita, realizada em 24 de fevereiro de 2010 por Camilo Bustos Ávila e Rosalba

Peñafiel, em Villavieja.

137 O nome do evento foi “1er Congresso internacional del cultivo, procesamiento y aplicaciones de la higuerilla” Organizado pela Universidade EAFIT, Corpoica, o Ministerio da Agricultura e o desenvolvimento

Rural, grupo empresarial GREENOIL, Alteagro e a Colombiana de Biocombustíveis S. A. em 20 de abril de 2007 em Medellín.

Foto 5: Diógenes Angarita exibe o diploma por sua participação no 1º. Congresso