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Rafael Amaya mostrando uma das suas obras em totumo

DA ORDEM MORAL PARA A ORDEM ECONÔMICA

Foto 6: Rafael Amaya mostrando uma das suas obras em totumo

Foto Camilo Bustos Ávila, 25 de fevereiro de 2010.

Para Amaya, uma evidência da crise do trabalho no município é que voltam a sentirem-se problemas de violência que podem ser mais sérios dos que existiam antes, porque já não é violência política, mas violência decorrente da escassez e a falta de emprego. Como uma

141 O “totumo”, “calabaço”, “Cuia” ou “Cuietê” (Crescentia Cujete) é uma planta da família das Bignoniáceas,

proveniente da América central e muito comum nas áreas quentes e secas da Colômbia. Seu fruto seco, que tem forma esférica e está provido de uma casca lisa dura e resistente é usado fartamente, nas áreas rurais da Colômbia, como recipiente para afazeres cotidianos como pegar água ou guardar o sal. No Brasil é utilizado como caixa de ressonância do berimbau. Algumas informações estão disponíveis na internet em

http://www.esalq.usp.br/trilhas/medicina/am04.htm. Acesso em seis de março de 2012 por Camilo Bustos Ávila.

142 Entrevista a Rafael Amaya, realizada em 25 de fevereiro de 2010 por Camilo Bustos Ávila e Rosalba

mostra disto, o marido de Deisy Méndez, outra das entrevistadas, tinha sido assassinado um ano antes da entrevista por motivos desconhecidos143. Uma das soluções para este problema, segundo ele, seria que as escolas utilizaram professores-técnicos que formassem os estudantes para criarem suas próprias empresas, exatamente na mesma linha expressa por José Rafael Márquez e Oscar Almanza 144.

O caso de Fernando Pascuas é oposto ao de Amaya porque este é uma importante liderança entre os agricultores do município, toda a sua vida, portanto, está determinada pela sua relação com o campo. Ele representa essa integração entre a lógica camponesa e a produção capitalista. No momento em que o achamos ele estava junto à prefeitura com 36 sacas de semente de arroz que ainda não podia semear pela seca que assolava a região, as tinha comprado fazia três meses e estavam ficando cheias de traça. O fato de que tivesse as sacas de arroz na frente da própria sede da prefeitura mostra um relacionamento mais direto entre os produtores agrícolas e o governo municipal que aquele que existiria numa cidade maior; quando ele fala em buscar soluções por parte do governo municipal é um trato direto e pessoal com a prefeita ou com o encarregado das questões agropecuárias da administração, longe da burocratização que vem junto com a modernização da sociabilidade.

Ele fala que teve muito proveito na agricultura entre 1981 e 1995, mas que, depois, aconteceram muitos problemas climáticos. Por exemplo, em 2008 perdeu a colheita porque choveu muito, ficou com uma dívida de 35 milhões de pesos, dos quais, 14 milhões ainda está devendo ao Banco Agrario (em crédito para a compra de sementes, adubo, inseticidas e no pagamento da mão de obra). Porém, de acordo com a sua ordem moral camponesa, ele não enxerga os bancos, nem as processadoras de arroz, nem os políticos, como aqueles que o exploram, porque, da sua ótica, eles são os que lhe fazem o favor de permitir sua reprodução social na atividade agrícola mediante o fornecimento de crédito 145.

Nesse caso, o culpado pelos constantes problemas para a reprodução da sua vida é o DATACRÉDITO (Base de dados das pessoas que tem dívidas com instituições financeiras na Colômbia, equivalente à SERASA). Diz que “é a coisa mais mortal que o camponês tem” 146 porque se tiver uma dívida, os bancos não voltam a lhe emprestar dinheiro. Esta entidade é

143 Entrevista a Deisy Méndez, realizada em 24 de fevereiro de 2010 por Camilo Bustos Ávila e Rosalba

Peñafiel, em Los Hoyos, Vereda Palmira, Villavieja.

144 Idem.

145 Entrevista com Fernando Pascuas Calderón, realizada por Camilo Bustos Ávila e Rosalba Peñafiel em 25 de

fevereiro de 2010, em Villavieja.

culpada por ele por ser “de fora” de seu universo camponês moderno, enquadrado dentro da escala regional-local ao qual pertencem as outras instituições.

Embora, num primeiro momento ele diz que não quer que seus filhos trabalhem na agricultura, mas que sejam profissionais, porque “não quer esse sofrimento para eles” 147, logo na sequência ratifica sua ideia de que a reprodução social baseada na agricultura é ideal. Primeiro se queixa de que haja em Villavieja rapazes de vinte e até trinta anos que não saibam como se planta um pé de mandioca ou de banana da terra, como se coloca um poste de uma cerca ou que não saibam como grampear para, em seguida, falar que ele não concorda com que todo mundo se torne profissional, porque ele tem mais dinheiro que muitos profissionais e tem uma vida muito sossegada. De qualquer maneira gostaria que todo mundo soubesse alguma arte, para ele a terra produz para todo tipo de trabalho: agrônomo, zootécnico, veterinário, advogado, administrador, contador etc. Enfim, ele diz que sente muito orgulho de ser camponês e que a pessoa que mora na cidade “se dá muito bem” (em espanhol: echa bueno) porque tudo o que precisa se produz no campo148. Neste caso, seu orgulho advém do fato de sentir-se o fornecedor da sociedade, do qual ela precisa para manter a ordem das coisas.

O caso de Pascuas é interessante porque mostra que nem sempre são os parceleros e pequenos sitiantes que se destacam pela presença da campesinidade. Em vez de ser uma questão relativa à participação no movimento camponês, parece ter a ver com a idade do entrevistado e sua identificação dentro de uma geração mais ou menos imbuída da forma de consciência modernizada. Este aspecto parece confirmar-se com a entrevista com Jairo Moreno, trabalhador da agricultura que conseguiu capital e o utilizou para adquirir bens que lhe deram status, como uma casa no parque principal (que antes, pertencia a um dos membros da mencionada família Rubiano) e que é muito crítico dos parceleros porque os considera parasitas do governo, que querem a terra de graça e sem trabalhar. Politicamente, pois, ele é o oposto ao camponês parcelero e, entretanto, sua fala mostra a presença da campesinidade.

Ele nos conta que trabalha num “sítio” da vereda Balsillas149 que é, na verdade, uma fazenda de criação de gado.Ele nasceu no Município de Tello, mas mora em Villavieja há 65

147 Idem. 148 Idem.

149 A Vereda Balsillas foi uma antiga divisão territorial do Município de Villavieja, ficava a norte do centro

urbano de Villavieja, em proximidades da foz do riacho “Las Lajas” no Rio Magdalena. Seu território foi compreendido dentro das veredas San Nicolás/Gaviota e Km. 121. Apesar de não existir mais oficialmente, muitos dos habitantes desconhecem o fato e o lugar ainda tem uma existência legitimada pelos membros da comunidade.

anos. Da época de sua infância ele lembra que tinha mais água e mais comida, porque tudo dava fruto (milho, mandioca, banana da terra e topoche150). Seu pai foi administrador das fazendas: “San Diego” (durante 24 anos) e “El Porvenir” (durante seis anos), ambas pertencentes ao grande latifundiário, Ignacio Vicente Solano. Eles eram vaqueiros nestas grandes fazendas, as quais tinham mais de 2.000 bovinos. Ele se lamenta porque estas grandes fazendas foram parceladas e acabaram. Naquelas fazendas trabalhavam entre quatro e seis vaqueiros que chegavam para trabalhar nas segundas feiras, mas não moravam na fazenda senão nas veredas próximas 151.

Ele conta apenas parcialmente, que a Fazenda “El Porvenir” foi invadida (nas palavras dele), pelas pessoas de Villavieja e, depois, foi vendida ao INCORA. Segundo ele, esta mudança foi positiva porque deu emprego para muitas pessoas que não tinham, mas também foi negativa porque acabou com a pecuária. Ele fala que, dos parceleros, apenas uns poucos aproveitaram a oportunidade “que Deus lhes deu” (nas palavras dele) e que gostam muito de beber (a queixa dele confirma o estigma dos parceleros como bêbados e preguiçosos) 152.

Tanto Pascuas, quanto Moreno, reafirmam a importância do trabalho como categoria básica da existência camponesa. Pascuas relata que seu pai era serrador de toras de Iguá153 para servirem de base para a estrada de ferro, segundo ele “Não tem existido ainda a primeira pessoa que trabalhasse mais do que ele, trabalhava das quatro da manhã às nove da noite e ainda falava para os filhos que eram uns frouxos” 154. Enquanto a Moreno, ele fala sobre a própria vida, ele fala que, desde que era criança tinha que trabalhar, tratando os bezerros ou ordenhando 155.

150 Espécie de banana da terra caracterizada pela sua forma curta e muito ancha, o adjetivo popocho se refere

aquela coisa ou pessoa que tem esta morfologia (normalmente uma pessoa gorda e baixa) ou às coisas quando estão muito cheias. É uma banana da terra de menor qualidade nutricional que a banana da terra comum.

151 Entrevista com Jairo Moreno, realizada em 25 de fevereiro de 2010 por Camilo Bustos Ávila e Rosalba

Peñafiel, em Villavieja.

152 Idem.

153 O Iguá (Albizia guachapele ou Pseudosamanea guachapele) é uma árvore madeirável própria de áreas

quentes (altitude inferior a 800 m. a. n. m.) que cresce entre o sul do México e o norte da Bolívia. É a árvore nacional da Costa Rica, onde é conhecida como Guanacaste (do nahuátl huanacaxtl). No Alto Magdalena, é sinônimo de madeira boa e sombra. Devido a sua procura para construção, é uma árvore escassa. Informação disponível na internet em http://redbio.una.edu.ni/arboretum/fichas.php?cod=136 e

http://www.worldagroforestry.org/sea/products/afdbases/af/asp/SpeciesInfo.asp?SpID=18046, acesso em 31 de maio de 2012 por Camilo Bustos Ávila.

154 Entrevista com Fernando Pascuas Calderón, realizada por Camilo Bustos Ávila e Rosalba Peñafiel em 25 de

fevereiro de 2010, em Villavieja.

155 Entrevista com Jairo Moreno, realizada em 25 de fevereiro de 2010 por Camilo Bustos Ávila e Rosalba

Dos tempos antigos, Moreno pensa que se ganhava menos dinheiro, mas tinha mais comida. Um trabalhador ganhava, em média, dois pesos por semana. Alguns dos trabalhadores podiam cultivar comida, outros, não. Seu pai era um desses trabalhadores que não podiam cultivar. Quando morreu o Sr. Solano e a Fazenda “San Diego” passou para outras mãos, ele foi mandado embora sem nenhuma indenização monetária, depois trabalhou algum tempo em “El Porvenir”, mas se aborreceu logo (1956) 156.

Este é um dos aspectos em que mais se percebe a integração existente entre a forma de consciência camponesa e a forma de consciência tipicamente moderna, o camponês se integra dentro do esquema da modernização a partir da dominação pessoal. O senhor Moreno relata que o pai dele não teve problema em ser mandado embora sem nenhuma indenização, assim que o patrão original da fazenda morreu. O mesmo processo aconteceu com o esposo de Flor Lara, que fora tratorista na fazenda “Cartagena”, de José Eustasio Rubiano, que, quando vendeu a fazenda e liquidou seus trabalhadores, não deu nenhum tipo de aposentadoria a Dona Flor e seu esposo, apesar de terem sido seus trabalhadores durante quarenta anos. Eles aceitaram isto porque estavam muito agradecidos porque lhes pagava anualmente as prestações correspondentes e lhes deixou as vacas e as ovelhas, além do que sempre lhes deu carona (“nos arrastraba en el carro”) 157.

A mesma situação aconteceu com Benjamín Vanegas, avô de Efraín Vanegas e que fora trabalhador da Sra. Gabriela Leiva de Borrero, que o demitiu sem pagar-lhe indenização. Embora seus filhos protestassem, ele falou que não tinha senão agradecimentos para ela por ter dado de comer para ele e sua família por tantos anos 158. De novo impera a lógica baseada na interação direta e no favor (de dar trabalho), sobre a dura impessoalidade do dinheiro e, de certo, o patrão sabe disto e se apropria da renda em trabalho do seu trabalhador. Mas por trás disso há um conjunto de valores que extravasam a lógica plenamente moderna, e nos quais, a dominação pessoal ainda se coloca como centro de organização da vida social.

Neste aspecto, portanto, a campesinidade pode ser considerada outra face da lógica moderna. O fenômeno oposto: o camponês imbuído de uma forma de consciência plenamente moderna, pautada pela necessidade da acumulação, em momentos em que ainda impera a

156 Idem. 157

Disse a senhora Lara: “Não aceitamos que pagasse alguma aposentadoria para nós porque estávamos muito agradecidos”. Entrevista com Flor Lara, realizada em 9 de fevereiro de 2010 por Camilo Bustos Ávila e Rosalba Peñafiel, em Villavieja.

158 Entrevista a Efraín Vanegas, realizada em 9 de fevereiro de 2010 por Camilo Bustos Ávila e Rosalba

sociabilidade direta e a dominação pessoal também acontece. Como exemplo deste ponto está a forma como o pai do Senhor Moreno conseguiu o dinheiro para comprar uma das casas principais do povoado. Parece ser que isto aconteceu porque ele já tinha uma consciência da acumulação que não existia na maior parte das pessoas dos tempos anteriores ao surto modernizador das décadas de 1960 e 1970 e da qual a conversa com Rosalba Peñafiel e Orfanda Soto, relatada acima é um excelente resumo. Embora não tenhamos evidência deste processo nas entrevistas, tanto a mãe de Orfanda Soto, como o pai de Jairo Moreno, entre outros personagens que não podem ser considerados das elites da região, conseguiu acumular dinheiro o suficiente para comprar terras e casas. Contrasta esta situação com a lógica de um parcelero como Jose Enoc Culma, quem ainda mora numa residência humilde, com apenas um quarto do lado da rua, como mostra a foto 7.