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4. MÉTODO

5.1 COTIDIANO DOS FAMILIARES ACOMPANHANTES NA INTERNAÇÃO

Este subcapítulo aborda três categorias e nove subcategorias de análise. Dessa forma, a partir da fala dos familiares entrevistados abordar-se-ão as mudanças que ocorreram no cotidiano dos acompanhantes durante a internação, bem como, os motivos de eles serem os acompanhantes.

Em relação à primeira categoria, intitulada motivos por acompanhar, ela se subdivide em cinco subcategorias, são elas: disponibilidade de tempo, por ausência de outras pessoas, por solidariedade, licença do trabalho e intimidade. Percebe-se que os motivos por acompanhar variam, não sendo apresentado um que seja significativo em relação aos outros, visto que duas pessoas afirmaram ter disponibilidade de tempo, uma por ausência de outras pessoas para acompanhar, três por solidariedade, duas por licença do trabalho e uma por intimidade.

Em relação à disponibilidade de tempo, as duas pessoas entrevistadas não possuem trabalho formal e estão em um momento da vida em que se dedicam mais à família. Relatam que as outras pessoas da família possuem responsabilidades formais com o trabalho e faculdade, não tendo as entrevistadas compromissos desse caráter. Dessa forma, concluíram que são as mais dispostas da família para estarem acompanhando o paciente na internação.

Percebe-se, contudo, que há um cuidado da pessoa que se coloca à disposição para o acompanhamento em relação às demais pessoas da família. Sobre isso, P4 diz:

Pra ajudar a família, porque na família dela... ela só tem duas filhas e essas duas filhas... elas estudam trabalham, têm filhos né. Então é uma dificuldade pras filhas largarem tudo lá e virem pra cá. E eu como não tenho grandes compromissos, sou eu e meu marido em casa, daí eu venho (sic).

Portanto, esse sistema familiar se organiza no sentido de continuar a homeostase, em que as filhas continuam a trabalhar exercendo suas atividades cotidianas. O sistema familiar elencou a pessoa que melhor possibilita a continuação desse sistema para ser acompanhante no hospital.

Além da disponibilidade de tempo, outro motivo de ser acompanhante é por solidariedade, tanto ao paciente quanto a outro acompanhante. Em relação à solidariedade ao paciente, a acompanhante refere gostar de ajudar as pessoas e, por isso, fica no hospital. Como exemplo:

E, além disso, eu ainda gosto de ajudar, na família eu sempre participo, não sou uma pessoa nova, mas o que eu puder fazer eu faço (sic). P4

Essa forma de pensar pode estar relacionada às crenças da pessoa ou padrão de funcionamento, forma repetitiva para agir nas situações da vida, sendo, na maioria das vezes, automática e inconsciente,apresentando-se na forma de ações, pensamentos, comunicação, entre outros (ROSSET, 2008). A solidariedade a outro acompanhante pode ocorrer devido ao vínculo e afeto que se tem com este, como na situação de P5 que diz:

A minha mãe não ia agüentar sozinha [acompanhar], então, ai tive que fazer isso [pedir licença do trabalho para acompanhar]” (sic).

Assim, percebe-se que, por vezes, o familiar pode estar acompanhando, não pela pessoa que está hospitalizada, mas por afeto a outro acompanhante e, por conseguinte, a um sistema familiar inteiro. Essa forma de lidar com a internação dessa família é a que causa menos prejuízo na sua reorganização e tendência a permanecer na homeostase. Nota-se uma preocupação também da família com aquela pessoa que é acompanhante, quando para protegê-la e cuidá-la estes fazem revezamento. Portanto, a família, nesse caso, cuida não só da pessoa internada, mas de todos os seus membros.

O’connor (1983 apud ROMANO, 1999, p. 72) afirma que a família busca manter o equilíbrio, sua homeostase, e para isso, depende da capacidade de adaptação que é dinâmica e

interativa. Assim, frente a um evento que provoca crise, as alterações para a adaptação “dependerão de como o evento iniciou, dos recursos que essa família dispõe para lidar com essa crise e com a importância, a valorização que fazem desse acontecimento”.

A intimidade entre paciente e acompanhante também é um motivo pelo familiar fazer- se presente no hospital, como fala P1

Sou eu quem mais fico com ela porque ela pede. Eu e a outra filha. Tem neto, tem mais gente, mas ela prefere a gente, mas intimidade (sic).

O paciente, durante a internação, pode vir a ter um acompanhante não próximo a ele e dividir um quarto de hospital com essa pessoa durante horas. Isto pode fazer com que ele tenha diversos sentimentos como insegurança, medo, vergonha, e não se sentir a vontade, pois vai estar se expondo ao outro. A pessoa internada pode preferir ficar sozinha a ter que sentir tais sentimentos. Portanto, não basta apenas ter alguém que acompanhe, mas sim que tenha intimidade para que possa acolher a pessoa hospitalizada. Pois, o ambiente hospitalar passa a ser um espaço de constante troca entre essas duas pessoas pelas próprias condições que a internação impõe.

No entanto, pode ocorrer do paciente possuir poucos familiares. Assim, o motivo do acompanhamento é devido à ausência de outras pessoas. Estes acompanhantes, como não podem contar com a ajuda de outros familiares, precisam se ajustar à quebra de rotina e se reorganizar rapidamente, visto que, o paciente pode estar dependente deles. Dessa forma, o familiar pode, por vezes, ter sentimentos de perda de controle e de isolamento (ROMANO, 1999).

Sobre a ausência de outras pessoas para acompanhar o paciente, P5 diz

Porque ela só tem eu e a minha mãe. Não tem mais ninguém que possa cuidar dela (sic). P5

Para ilustrar, P5 em sua história acompanha sua avó de 86 anos, e segundo o Estatuto do Idoso, esta tem o direito de ter um acompanhante e, portanto, é obrigação da família estar presente ou utilizar outros recursos como a contratação de um cuidador para estar com o idoso (BRASIL, 2003). Assim, P5 precisou se reorganizar rapidamente.

As pessoas também devem articular os compromissos para poderem permanecer no hospital, para isso, por vezes, é preciso que tenham licença do trabalho para acompanhar o paciente. Em relação a isso P1 fala

Eu consegui folga no meu trabalho, pedi uma licença lá e ai eu consegui acompanhar ele (sic).

Para isso as pessoas precisam contar com as Leis, são elas o Estatuto da Criança e Adolescente, e o Estatuto do Idoso que dá o direito do acompanhamento em internação hospitalar. No caso do Estado de Santa Catarina há ainda a Lei n. 13.324 que dispõe sobre o direito dos pacientes em terem acompanhamento. No entanto, por vezes, as pessoas desconhecem seus direitos e dependem da compreensão de pessoas. Dessa forma, destaca-se a importância das pessoas conhecerem e se apropriarem de seus direitos, pois poderão fazê-los se cumprir e não ficarem submetidas ao sistema do local que está inserida, neste caso, o hospital.

Ampliando a compreensão sobre as mudanças de cotidiano dos familiares acompanhantes, nas entrevistas, destacou-se que o familiar acompanhante precisa ter a

compreensão de pessoas seja do trabalho e do cônjuge para conseguir se readaptar frente à

nova estrutura apresentada. Em relação à compreensão de pessoas do trabalho, P5 diz

se fosse problema mesmo seria o meu trabalho por eu estar afastada, mas nesse ponto está todo mundo entendendo que é uma situação complicada (sic).

Em relação ao cônjuge, ela afirma:

meu marido é tranqüilo em relação a isso, ele entende que só tem eu e minha mãe e ele sabe como eu sou com a minha avó (sic). P5

Assim, conclui-se que faz-se necessário que o acompanhante tenha uma rede que dê suporte a essa nova configuração do seu cotidiano a fim de que a pessoa consiga tanto ser acompanhante como se adaptar e resolver suas atividades cotidianas. Portanto, fica claro que para a pessoa se reorganizar a partir de um evento que gerou crise no sistema familiar é necessária a compreensão de outras pessoas. Para Sluski (1997, p.37) as fronteiras do sistema da pessoa não se limitam “à família nuclear ou extensa, mas incluem todo o conjunto de vínculos interpessoais do sujeito: família, amigos, relações de trabalho, de estudo, de inserção comunitária e de práticas sociais”, auxiliando nos processos psicossociais de enfrentamento de situações como doenças, morte, necessidades cotidianas, entre outras situações. Conclui-se que os familiares entrevistados parecem contar com a compreensão e apoio de pessoas da sua micro-rede social, ou seja, aquelas pessoas mais próximas.

Em relação às atividades cotidianas, ocorrem mudanças na rotina do familiar durante a internação por deixar de fazer algumas atividades realizadas antes como o trabalho, estudo, ficando em um ambiente estranho, dormindo fora de casa, se ausentando de sua rotina por um período em que não estava acostumada, ou seja, disponibilizando menos tempo para si. As

mudanças na rotina durante a internação pode ser percebida na seguinte fala:

Agora fico um pouco mais parada. Muda tudo né. A gente é acostumada a levantar cedo e trabalhar durante o dia todo, daqui a pouquinho a gente ta aqui parada. Há, como é difícil, demora pra passar. Sorte assim é que a gente desdobra com a outra irmã pra gente agüentar, se não é difícil. E ai a gente deixa a casa da gente, já vem pra casa dos outros, das outras pessoas. Muda tudo. Já faz 15 dias que eu to fora de casa. No fim se torna cansativo, vontade de ir pra casa (sic). P3

Uma das alterações que ocorre a partir da internação de uma pessoa é a quebra de rotinas, já que estão tendo que se adaptar à nova situação e vivenciar falta de privacidade e individualidade, ambiente desconhecido, separação social seja do trabalho, casa, amigos, vizinhos, parentes, animais de estimação, entre outros (ROMANO, 1999). Para Moos (1984 apud ROLLAND, 1995, p. 378), algumas atitudes da família para se adaptar são “aprender a lidar com a dor, incapacitação [...] aprender a lidar com o ambiente do hospital e com os procedimentos terapêuticos relativos à doença e estabelecer e manter bons relacionamentos com a equipe que presta cuidados”.

Sobre as mudanças na rotina, percebeu-se que um familiar acompanhante fazia planos após a alta hospitalar do paciente. Expressada na seguinte fala:

Eu tô pra acabar agora em novembro também parte das coisas do casamento ainda tá tudo atrasado, falta um monte de coisa pra vê. Lá eu já tava vendo tudo pela internet mesmo, mas agora eu não posso de jeito nenhum aqui (sic). P1

Conclui-se que ele assumiu responsabilidade com a pessoa que está internada, mas isso não o impossibilita de fazer planos futuros de continuidade de sua vida. Preocupando-se com o outro, mas consigo também.

Os dados permitem afirmar que o cotidiano dos familiares acompanhantes são apoiados no fato de que algumas pessoas são pré-dispostas no seu sistema familiar a serem acompanhantes, por comprometer menos o padrão de funcionamento, continuar a homeostase, provocando menor crise na família. Tais características dos familiares acompanhantes contribuem para manter a homeostase do sistema e precisa ser alvo de cuidado pelo hospital. Percebeu-se também que todos os entrevistados acompanhantes eram do sexo feminino, caracterizando uma divisão de gênero. Possivelmente isto ocorre pela associação da mulher

com a função materna, no entanto, para Rosset (2007) essa função poderia ser de qualquer pessoa da família. Assim, nesse contexto, entre os membros da família, a mulher é a pessoa pré disposta a estar cuidando da pessoa hospitalizada. Acredita-se que PNH e/ou PNHAH precisaria discutir sobre a pré-disposição a fim de que ajudasse a família e o familiar em sua reorganização, no sentido de se ter ampliada a ideia de cuidado possível dentro do sistema familiar.

5.2 CONVIVÊNCIA COM O SOFRIMENTO DO PACIENTE DURANTE A