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A psicanálise e o feminismo emergiram em um mesmo período histórico – final do século dezenove e início do século vinte – e, de uma certa maneira, estiveram sempre referidos. Segundo Masciarelli (1980), é comum argumentar que o feminismo não poderia superar suas contradições sem construir uma teoria que considerasse a psicanálise.

O método psicanalítico foi impulsionado pelo atendimento clínico de mulheres e seu fundador dedicou uma considerável parte de sua obra a compreender, não sem dificuldades, a questão da feminilidade.

“(...) enquanto esses últimos [casos clínicos que

tiveram homens como protagonistas] são na maior parte dos

casos chamados para testemunhar o ‘progresso’ da teoria, ilustrando e confirmando pontos definitivos anteriormente adquiridos, ou apresentando pontos novos, mas cabalmente fundamentados, as pacientes tratadas por Freud parecem sempre portadoras de uma problemática particular, destinada a refletir-se na teoria sob a forma de abertura de novas interrogações, ou recolocando em discussão, muitas vezes trabalhada e cheia de dúvidas, convicções que apareciam como definitivas.” (Masciarelli, 1980, p.76)

Produtos do fin-de-siècle, a psicanálise e o feminismo apresentam algumas semelhanças como, por exemplo, o fato de estarem dispostos a questionar o status quo social e a problematizar as concepções de feminilidade. (Dimem, 1999)

Lembramos o caso “Anna O.”, que levou à “cura pela conversação”. “Anna O.” era o pseudônimo de Bertha Pappenhein, fundadora do feminismo judaico alemão. Tornou-se uma importante líder do movimento de mulheres em seu país. (Fabbrini, 2002)

Chodorow (1989) considera difícil distinguir quem primeiro fez da psicanálise um centro de conflito ideológico, o feminismo ou o próprio Freud.

Dimem (1999) discute que ambos os movimentos – a psicanálise e o feminismo - jamais existiram um sem o outro e propõe que sejam compreendidos como pólos dialéticos de uma contradição, cujo resultado seria uma união paradoxal. A autora vai além, ao apontar que:

“(...) a psicanálise e o feminismo compõem um

triângulo com a teoria social. (...) Nessa triangulação, a teoria feminista fez uma intermediação entre a teoria social e a psicanálise, completando um processo histórico. Deu seguimento a um projeto, a ‘síntese entre Marx e Freud’, iniciado e suspenso nas décadas de 1920 e 1930 ”. (p.189-

190).

A apropriação do marxismo teria fornecido o elemento que faltava para que o feminismo pudesse compreender a chamada “misoginia psicanalítica”: a opressão social da mulher tinha uma história e um futuro e que se tratava de uma questão de poder, portanto, política. O marxismo ou, em termos mais gerais, a teoria social, teria auxiliado a recuperar a crítica feminista adormecida desde 1930. Já a psicanálise, teria acrescentado a dimensão pessoal, portanto do desejo, à discussão política estimulada pela teoria marxista. (Dimem, 1999)

Embora Karen Horney (1923) já tivesse realizado uma crítica a teoria de Freud sobre a mulher, seu trabalho não registrou, na época, impacto no corpo teórico psicanalítico. Mais tarde, entretanto, o movimento feminista teria resgatado esta produção. (apud Chodorow, 1989)

Desde o seu início, a produção freudiana provocou uma problematização sobre a natureza da feminilidade que, durante algum tempo, não afetou fundamentalmente a teoria. Esta problematização aparecia indiretamente nas discussões de caso clínico. A partir da década de 1970, os debates retomaram sua força e influenciaram a literatura psicanalítica. (Chodorow, 1998)

Segundo Masciarelli (1980), apesar de a psicanálise e o feminismo trabalharem com temas comuns – a sexualidade, a família e a infância – uma analogia entre os dois termos encobriria “um equívoco epistemológico e uma trama ideológica estreitamente ligados” (p.72) .

O equívoco epistemológico seria uma decorrência de igualar o conteúdo da psicanálise com o seu objeto científico. O método científico da psicanálise instaura uma relação original entre seus conteúdos, a partir da mediação do inconsciente.

A compreensão distorcida dos pressupostos epistemológicos centralizou a crítica à psicanálise na denúncia de um projeto ideológico, o que levou a uma relação ambivalente e divergente com o feminismo.

Distintos os campos de competência, a psicanálise possibilitaria compreender, segundo Masciareli (1980), que os impasses femininos se resolveriam na esfera privada, responsável, ela mesma, pela dissociação dos papéis sexuais.

O movimento feminista, por sua vez, sistematizou uma crítica em relação à psicanálise freudiana. Esta crítica estava baseada na acusação de que tal teoria é sexista e reafirma a divisão dos papéis sexuais na sociedade patriarcal. Para ser “normal”, a mulher teria que se adaptar a este modelo familiar, fundamentado no controle masculino. Deste modo, a teoria desenvolvida por Freud estaria, segundo a crítica, vinculada aos valores morais de sua época e funcionaria como um mecanismo prescritivo e normativo.

Esta crítica foi elaborada por psicanalistas, mas também por profissionais de outras áreas, como da literatura, antropologia, sociologia e filosofia63. Nós enfatizaremos, no entanto, aquelas realizadas por feministas psicanalistas: “A primeira neste questionamento é Karen Horney (1923), seguida de Melanie Klein (1927), H. Deutsch, etc” (Lima, 1993, p.59).

De um modo geral, a crítica feminista retomada a partir da década de 1970 está centrada em três aspectos da teoria freudiana sobre a feminilidade. Em primeiro lugar, ela questiona o postulado de que não haveria diferença sexual até a fase fálica, ou seja, de que até este período a sexualidade da menina seria masculina. Em segundo lugar, ela problematiza a questão do “monismo sexual fálico”, segundo o qual a menina não reconheceria a existência da vagina, a não ser como um pênis faltante. A crítica argumenta

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que este postulado não está fundamentado empiricamente, mas apresenta uma visão essencialista da sexualidade. Finalmente, ela discute a compreensão de que a heterossexualidade seria decorrência do deslocamento da sexualidade masculina, ou clitoridiana, para uma sexualidade feminina e vaginal. (Chodorow, 1989)

Feministas argumentam que a teoria de Freud teria ignorado a posição da mulher e discutem o fato de lhe serem atribuídos um menor senso de justiça e um papel secundário no desenvolvimento da civilização. (Chodorow, 1989)

Mesmo que qualquer divisão possa parecer parcialmente arbitrária, Chodorow (1989) distingue três abordagens no chamado “feminismo psicanalítico contemporâneo”: a da teoria das relações objetais, a das relações interpessoais e a lacaniana.

Ao aplicar a teoria das relações objetais e do ego64, Chodorow (1978) reinterpreta a psicanálise tradicional sobre o desenvolvimento feminino e masculino, com o objetivo de ajustar a proposta freudiana.

A partir dos trabalhos desenvolvidos por Melanie Klein (1927), a teoria das relações objetais enfatiza a influência da experiência relacional da criança e da interação com a família no desenvolvimento psíquico. Os impulsos ditos naturais não estariam sujeitos a uma ordem maturacional, mas susceptíveis à influência social:

“(...) as pessoas não buscam naturalmente relaxamento da tensão (...). Ao invés, manipulam e transformam impulsos na ocasião de obter e reter relacionamentos”. (Chodorow, 1978, p.72)

Esta explicação não desconsidera a presença de fatores fisiológicos no desenvolvimento, mas contrapõe uma abordagem psicodinâmica ao determinismo biológico apontado em Freud.

Chodorow (1978) aborda a maternação como um fenômeno socialmente produzido, central na organização social do gênero. O enfoque na questão da maternação seria uma resposta à ênfase que a teoria freudiana teria dado ao papel do pai no Complexo de Édipo. (Chodorow, 1989)

A teoria do Complexo de Édipo é vista como um modelo de reprodução da dominação masculina, que teria sido, ela mesma, coercitiva em relação à mulher, ao propor “tarefas” do desenvolvimento, que privilegiam um caráter funcionalista. A inveja do pênis seria uma “tarefa necessária” para o tornar-se mulher. Este caráter funcionalista não estaria atrelado à psicanálise como um corpo teórico, mas, segundo a crítica, derivaria do sistema de valores de Freud. (Chodorow, 1989)

A autora analisa o modo como práticas familiares padronizadas – relativas à organização assimétrica do cuidado infantil – afetam a estrutura e os processo psíquicos.

Estes padrões familiares criam necessidades e capacidades relacionais diferentes em homens e mulheres, responsáveis pela divisão dos cuidados maternos e paternos. A organização dos cuidados com a criança se reproduz ciclicamente, através de processos psicológicos estruturalmente induzidos. (Chodorow, 1978)

O sistema ideológico da “superioridade masculina” seria uma resposta defensiva, em razão da capacidade de maternar desenvolvida pelas mulheres. (Chodorow, 1989)

A possibilidade da maternação se dá a partir do relacionamento mãe-filha, através de um conjunto de disposições específicas, reprimidas na relação com o filho, o que predispõe a um papel familiar masculino voltado para a vida pública profissional. (Chodorow, 1978)

Esse trabalho recebeu contribuições de Gayle Rubin (1975)65, para quem, segundo Chodorow (1978), a sociedade é constituída por uma organização específica da produção, baseada no “sistema sexo/gênero”, que modela a sexualidade e a reprodução através da intervenção social.

Tal sistema, que inclui a maternação das mulheres como aspecto central e definidor da organização social, tem apresentado uma dominação masculina, organizada em torno de dois gêneros e do casamento heterossexual. A posição social das mulheres é, portanto, principalmente doméstica e a dos homens, predominantemente, pública.

O setor público, representado pelo poder masculino, controla as instituições sociais e políticas, dentre elas o casamento, acentua a sociedade hierarquizada e estabelece uma relação de dominação, baseada na normatização das responsabilidades no cuidado com os 64

“Sua contribuição [dos psicólogos do ego] aqui é extremamente importante, mas não concorre para a

nossa compreensão da pessoa como um sujeito motivado.” (p.73)

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filhos, o que define uma forma de família reduzida aos seus fundamentos: a maternação e a heterossexualidade. (Chodorow, 1978) A homossexualidade poderia ser compreendida, portanto, como uma forma de questionamento desta lógica de dominação. (Barbero, 2004)

A diferenciação de gênero tem origem nos problemas e tarefas do período edípico. Segundo Chodorow (1978), o enfoque psicanalítico tradicional deste período, sem pretender, deturpa sua própria demonstração.

Chodorow (1978) aceita a psicanálise como uma teoria do desenvolvimento, enquanto sua base evidencial estiver construída por meio do material clínico. A estrutura psíquica inclui processos universalmente aplicáveis, relativos à organização da sexualidade. A autora ressalva, porém, que o conteúdo destes processos é distinto de sua forma e modo de operar. Mesmo que a cultura opere a partir de um esquema universal, seu sistema de valores é historicamente processado.

A transformação do sistema de valores da sociedade patriarcal poderia ser alcançada mediante a divisão dos cuidados com os filhos, o que implica na inclusão efetiva da presença do pai nestas tarefas.

A teoria psicanalítica do desenvolvimento feminino seria, portanto, a explicação do sistema de valores – baseado em pressupostos patriarcais, capitalistas e ocidentais - que orienta uma determinada concepção de mulher. (Chodorow, 1978)

Chodorow (1978) considera que a maioria das afirmações freudianas sobre a questão da mulher não estão fundamentadas na experiência clínica, mas referidas a este modelo específico de cultura e família contemporâneo a Freud. A moralidade da sociedade vienense não serviria como um modelo universal.

Nesse sentido, Freud teria elaborado uma teoria a partir do ponto de vista da norma masculina, que reproduz a ideologia cultural, travestida de caráter científico. A suposta passividade feminina, por exemplo, decorreria da dominação social masculina, que Freud teria compartilhado. (Chodorow, 1989)

Segundo a crítica de Chodorow (1978), grande parte da teoria freudiana sobre a mulher contradiz o método analítico, posto que não recorre à evidência clínica66. O conceito de inveja do pênis não utilizaria os pressupostos metodológicos a que a psicanálise alude, mas participaria de um conjunto de “características que os críticos de todas as épocas

têm lançado sobre as mulheres” (Trecho citado por Chodorow, 1989, p.183, in: “Some

Psychical Consequences”, Freud, 1925).

Se o método psicanalítico de investigar a história do conflito for aplicado, encontrar- se-ia, no caso da inveja do pênis, elementos da supremacia masculina presentes na cultura e no enredo familiar. Segundo Chodorow (1989), Freud teria, portanto, contaminado sua interpretação clínica com argumentos ideológicos.

Para a autora, Freud parece ter reconhecido o caráter fragmentário e insatisfatório de sua produção67, mas sua postura seria marcada por omissão e desdém perante a misoginia, o que levaria a considerar que suas afirmações não encontraram um respaldo metodológico que as justificasse. (Chodorow, 1978)

Mesmo assim, a psicanálise ainda é, segundo Chodorow (1978), a melhor teoria de que se dispõe para a compreensão da psicologia das mulheres e um recurso fundamental para o desenvolvimento da teoria feminista. Daí sua tarefa de corrigir seus excessos e precisar suas devidas justificações.

Segundo Chodorow (1989), apesar de a teoria freudiana contribuir para a reprodução da opressão da mulher, ela fornece elementos que ajudam a compreender o modo como a desigualdade sexual opera na cultura. Em outras palavras, a psicanálise demonstra como a superioridade masculina é produzida na estrutura familiar e psíquica, o que inclui processos contraditórios e conflituosos. Ao mesmo tempo, a psicanálise concebe o sujeito como responsável por sua história e suas experiências, capaz de agir em direção à transformação.

A autora acrescenta que os termos “feminismo”, “feminilidade” e “Freud” se relacionam de diversas maneiras e não podem ser compreendidos separadamente. A teoria do gênero exige que se considere uma teoria do inconsciente. (Chodorow, 1989)

Ao aproximar a psicanálise e a teoria feminista, o trabalho de Chodorow (1989) contribui para o desenvolvimento do “feminismo psicanalítico” que, segundo a autora, tem- se tornado bastante institucionalizado e agrega um grande número de estudiosos,

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Com o mesmo argumento, a autora descarta as teorias freudianas sobre a origem da cultura e da civilização, apresentadas em Totem e Tabu (Freud, 1913 [1912-1913]).

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“Deve-se admitir, contudo, que nossa compreensão interna (insight) desses processos de desenvolvimento em meninas em geral é insatisfatório, incompleto e vago.” (Freud, 1924, p.198-199)

distribuídos em diversos setores da academia, com abordagens (psicanalíticas) variadas. Estes setores, entretanto, careceriam de um consenso teórico ou empírico.

Além disso, Chodorow (1989) acrescenta que a maior parte dos profissionais da psicanálise parece não demonstrar interesse pela rica influência do feminismo, que tende a ser visto exclusivamente como um movimento político, estéril para a produção na área da psicologia.

Por estar intrinsecamente reportada à cultura, a psicanálise deveria, no entanto, considerar o debate promovido pelo feminismo. (Chodorow, 1989)

Segundo Chodorow (1989), caberia ao feminismo questionar e transformar os elementos da teoria freudiana que ainda não ultrapassaram a idéia da inferioridade feminina. Acrescentamos que esta tarefa caberia também – e principalmente – à própria psicanálise.

Chodorow (1989) aponta que uma abordagem é tida como feminista não apenas por tratar da dominância masculina, mas por incluir neste tratamento a multiplicidade de fenômenos relacionados como, por exemplo, à dinâmica entre os gêneros, às questões da sexualidade, da desigualdade sexual, da infância e da educação. Além disso, a teoria feminista e a mobilização política a ela associada devem favorecer a transformação da organização da sociedade, o que inclui o fim da opressão da mulher.

A autora acredita que, provavelmente, teria continuado marxista, caso considerasse que a desigualdade entre os sexos se justifica apenas através das relações de trabalho capitalistas e patriarcais. Teria recorrido, então, à antropologia psicológica, como uma alternativa para a hegemonia marxista na teoria feminista, que justifica a opressão social das mulheres através das relações materiais de trabalho, sem incluir os aspectos psicológicos. (Chodorow, 1989)

Segundo Chodorow (1989), determinados setores da teoria feminista deslocaram a questão da família e do privado para a esfera pública e social. Ela reconhece a influência de fatores políticos e econômicos, mas não concorda que sejam centrais na compreensão da opressão da mulher.

Chodorow (1989) argumenta que, para que se explique a dominância masculina, é preciso considerar, com o mesmo grau de importância, fatores psicológicos e culturais.

O envolvimento com a teoria psicanalítica a teria distanciado do determinismo social que domina a sociologia e os movimentos políticos. Neste sentido, Feminism and

psychoanalytic theory (1989) retifica a ênfase dada, em seu trabalho anterior68, ao aspecto social como determinante de certos padrões psicológicos.

A sexualidade humana se expressa de modo fragmentado e contraditório, por isso não poderia ser compreendida apenas a partir de um modelo de estrutura hierárquica ou de conceitos como o da “lei do pai”. (Chodorow, 1989)

Com formulações próximas a dos teóricos das relações objetais, o segundo grupo de feministas psicanalistas é constituído pela abordagem interpessoal ou psicologia cultural, que enfatiza os aspectos sociais do desenvolvimento. Seu principal argumento é o de que a opressão social das mulheres seria responsável pelas características clínicas descritas por Freud acerca da feminilidade. (Chodorow, 1989)

Apesar de se contrapor à tendência biologizante, a escola cultural configura uma proposta teórica marcada pelo determinismo cultural unidirecional. Chodorow (1978), ao contrário, postula que os padrões culturais são internalizados mediante fantasias pessoais, que incluem defesas e conflitos inconscientes.

Além disso, a escola cultural aborda a questão da masculinidade como uma esfera separada do feminino, enquanto que os teóricos das relações objetais compreendem que a masculinidade e a feminilidade estão inter-relacionados.

Karen Horney pode ser apontada como o principal expoente da escola cultural e a precursora do feminismo psicanalítico. Seus ensaios sobre a feminilidade questionam de modo veemente a teoria freudiana e fornecem a base teórica para a maior parte da dissidência psicanalítica sobre as questões de gênero.

Horney contraria a concepção freudiana de mulher como um sujeito defeituoso e imitado. Seu trabalho procura demonstrar que a feminilidade é um fenômeno tão primário quanto a masculinidade, pois a existência da vagina seria reconhecida precocemente pela menina. A teoria do “monismo sexual fálico” decorreria, para ela, da opressão cultural da mulher. (Dimem, 1999)

Além disso, Horney explica que os sentimentos agressivos que os homens desenvolvem contra as mulheres, como a raiva e o ressentimento, resultam do fato deles

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terem experimentado a presença da mulher como uma mãe extremamente prenhe de poder. (Chodorow, 1989)

Ainda que Jacques Lacan tenha realizado importantes críticas às formulações freudianas, ele não poderia ser classificado como um autor feminista. Sua teoria, no entanto, segundo Chodorow (1989), fundamentou a terceira abordagem do chamado “feminismo psicanalítico”.

Tendo visto uma exposição da teoria freudiana e uma síntese da teoria lacaniana no capítulo I, cabe-nos agora fazermos uma ponderação em relação à crítica da “psicanálise feminista”. O passo fundamental para esta ponderação seria retomar o conceito de fase fálica, apresentado por Freud e aperfeiçoado por Lacan.

Ao contrário de Horney, compreendemos, junto com Safouan (1976), que o desconhecimento da vagina não deve ser considerado como um problema de observação direta. Se assim o fosse, não explicaríamos as teorias infantis69. Por que a criança olha e não vê? Justamente porque a referência que está operando é de uma ordem outra que aquela da observação direta. Esta referência que não admite a vagina é a referência fálica:

“É claro, na verdade, que a idéia de um órgão que

repele qualquer traço ou relação, seja ela de complementariedade ou de oposição, mas que, no seu esplendor solitário, monádico, aceita como única alternativa ser ou não ser, é um órgão essencialmente imaginário; mesmo se esta imagem é a de um órgão real, a saber, o pênis; ou mais exatamente, o pênis no estado privilegiado da tumescência e da ereção.” (Safouan, 1976, p.11)

A equivalência pênis=falo decorre do fato de que diferença sexual se define a partir de um critério que divide as pessoas entre aquelas que têm o falo e aquelas que não têm. Neste momento, o pênis funcionaria como uma representação do falo. (Barbero, 2004)

A diferença é entendida como desigualdade, pois passa a ser submetida a uma hierarquia de valores, a uma correlação subjetiva na qual “o pênis está para a ausência do

pênis como a máxima valoração está para a valoração mínima” (Bleichmar, 1985, p.35). Esta correlação seria responsável pelo sentimento de inferioridade que Freud aponta na mulher.

Reforçamos a idéia de que o desconhecimento da vagina não remete ao fato de que sua existência material seja negada, “mas que ela não é conhecida como outra coisa que não um falo furado” (André, 1986, p.191).

Horney teria buscado uma explicação racional para o complexo de castração, mas não teria conseguido escapar das explicações biológicas e sociais que imperavam naquele momento histórico. Além disso, prossegue Safouan (1976), as teorias do temor que o homem sente diante da mulher/mãe poderiam ser consideradas como fabulação e não estariam apoiadas no material clínico.

Devemos considerar, ainda, que, embora Freud tivesse enfatizado alguns aspectos biológico em sua teoria, ele teria se isentado de realizar um trabalho prescritivo, “coisa que seus alunos nem sempre sustentaram” (Barbero, 2004, p.41). Isto justifica a importância de que se faça uma distinção entre as propostas que são originalmente freudianas e suas releituras, muitas vezes equivocadas e distorcidas.

Estas distorções, diz André (1986), resultam do fato de que a própria teoria freudiana deixou encoberta a questão da sexualidade feminina, mesmo que ela tenha esclarecido a questão da escolha amorosa feminina, do desdobramento do seu órgão sexual e do modo de satisfação da pulsão. A significação do par passividade/atividade permanece

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