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“De acordo com sua natureza peculiar, a psicanálise não tenta descrever o que é a mulher – seria esta uma tarefa difícil de cumprir –, mas se empenha em indagar como é que a mulher se forma, como a mulher se desenvolve desde a criança dotada de disposição bissexual.” (Freud, 1933 [1932], p.117)

Os dois textos que tratam especificamente da questão da mulher – Sexualidade

Feminina (1931) e Feminilidade (1933 [1932]) – têm o objetivo inserir algumas novas

descobertas, principalmente aquelas relativas à “pré-história da mulher”, no entendimento da sexualidade feminina. (Freud, 1933 [1932], p.130) Neste empenho Assoun (1993) identificou a “obra-prima clínica do ‘entendimento freudiano’ ” (p.VII).

O texto de 1933 integra uma série de artigos denominada Novas Conferências

Introdutórias sobre a Psicanálise, que complementam as Conferências Introdutórias Sobre Psicanálise, publicadas entre 1916 e 1917.

Ao contrário das primeiras, as Novas Conferências não foram jamais pronunciadas, o que Freud (1933 [1932]) deve à sua condição física debilitada31 e também ao fato de que os longos anos de prática o isentavam, como membro da comunidade universitária, de realizar conferências.

As recentes investigações de Freud revelavam que a ligação da menina com o pai durante o complexo de Édipo e, futuramente, com um marido escolhido a partir destes

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“(...) uma operação cirúrgica havia-me impossibilitado de falar em público.” (Freud, 1933 [1932], p.14) Sabemos por Jones (1961) que o diagnóstico de câncer no maxilar foi revelado a Freud em 1923 e que, por esse motivo, ele foi submetido a diversas cirurgias, sendo que, em uma delas, foi-lhe implantada uma prótese que dificultava a elocução.

moldes são, na verdade, herança de uma relação intensa e apaixonada com a mãe, denominada fase pré-edipiana, relação esta que desvelava também a etiologia da histeria e da paranóia nas mulheres:

“Muitos fenômenos da vida sexual feminina, que não

foram devidamente compreendidos antes, podem ser integralmente explicados por referência a essa fase.” (Freud,

1931, p.238)

Esta fase prepara para a aquisição de características que, mais tarde, terão relação com a função sexual da mulher e com seu papel social. (Freud, 1933 [1932])

Aquela hostilidade dirigida à mãe no complexo de Édipo remontaria a este período antecedente.

Freud, entretanto, enfrentava considerável dificuldade de acessar estes conteúdos, dado o recalque a que estavam submetidos. As analistas femininas, Jeanne Lampl-de Groot e Helene Deutsch, por exemplo, não encontravam a mesma dificuldade, pois eram favorecidas pelo vínculo transferencial a uma suposta figura materna. (Freud, 1931) Além disso, o complexo de Édipo parecia ocultar as manifestações desta fase precedente. (Freud, 1933 [1932])

Para Freud (1931), o fator da bissexualidade é mais evidente nas mulheres, já que sua sexualidade está dividida em duas fases: a primeira fase é caracterizada por uma sexualidade masculina, cuja zona erógena situa-se no clitóris, a outra fase propriamente feminina, elege a vagina como zona erógena. É exatamente esta dualidade que complica seu desenvolvimento sexual, pois a menina, não sem dificuldade, terá que reprimir esta parcela de sexualidade masculina sem, contudo, oferecer uma resposta acerca do funcionamento do clitóris na vida adulta:

“Assim, no desenvolvimento feminino, há um processo

de transição de uma fase para a outra, do qual nada existe de análogo no homem. Uma outra complicação origina-se do fato do clitóris, com seu caráter viril, continuar a funcionar

na vida sexual feminina posterior, de maneira muito variável e que certamente ainda não é satisfatoriamente entendida.”

(Freud, 1931, p.236)

Segundo André (1986), esta passagem do clitóris para a vagina indica que a mulher passa a ter um bi-gozo, pois o gozo vaginal não irá substituir o clitoridiano, mas se liga a ele. Como ilustração, ele cita o caso de Marie Bonaparte, “afetada por uma frigidez irredutível”, que teria se submetido a uma cirurgia de aproximação do clitóris do canal vaginal (p.183).

A presença de dois órgãos genitais na mulher teria sido uma questão problemática para Freud, o que resultou numa construção teórica altamente frágil sobre o tema, escreve André (1986). Além disso, esta construção estaria relacionada com a posição do desejo de Freud em relação a mulher, evocação do seu próprio ideal de mulher.

O orgasmo vaginal, que Freud teria definido como um critério de normalidade, é, segundo Safouan (1976), um fenômeno muito raro e, quando presente, não costuma ser identificado pelas mulheres como um indício desta normalidade. Além disso, acrescenta, o deslocamento da zona erógena do clitóris para a vagina deve ser compreendido como uma transformação da libido auto-erótica em libido objetal, condição para a assunção do sujeito.

Outro fator complicador na mulher é, segundo Freud (1931), a necessidade de mudar o objeto de amor original da mãe para o pai. Para o autor, esta passagem constitui uma fonte de problemas que a psicanálise deve investigar, sobretudo em relação à maneira completa ou parcial como ela se dá, o que determina diferentes possibilidades no curso do desenvolvimento sexual da mulher.

São, portanto, essas duas tarefas – transferência de zona erógena e de objeto - que viabilizam a feminilidade, “(...) ao passo que o homem, mais afortunado, só precisa continuar, na época de sua maturidade, a atividade que executara anteriormente, no período inicial do surgimento da sexualidade” (Freud, 1933 [1932], p.119).

Freud (1931) já estava mais do que certo do fracasso das tentativas de se estabelecer um paralelo entre o desenvolvimento sexual masculino e feminino. Isto justifica sua rejeição à expressão “complexo de Electra”, pois o termo sugeriria uma analogia entre os sexos.

Vimos como o investimento narcísico do menino no pênis o leva a abandonar o complexo de Édipo, cujo resquício na vida adulta pode se manifestar num “certo desprezo em sua atitude para com as mulheres, a quem consideram como castradas” (Freud, 1931, p.237).

Já a menina, lembramos, “reconhece o fato de sua castração, e, com ele, também a superioridade do homem e sua própria inferioridade, mas se rebela contra esse estado de coisas indesejáveis” (Freud, 1931, p.237). Como resultado, três caminhos de desenvolvimento se tornam possíveis. No primeiro, ao reprimir a parcela masculina de sua sexualidade, a menina, insatisfeita com a inferioridade do seu clitóris, pode acabar abandonando sua sexualidade em geral, o que, mais tarde, resultará num quadro depressivo.

O chamado “complexo de masculinidade” marca o segundo caminho possível, no qual a menina se liga à fantasia de ser um homem e à esperança de um dia conseguir um pênis, o que pode levar ao homossexualismo. (Freud, 1931) Este caminho seria decorrência de um fator constitucional, que estimula a quantidade de atividade, característica do desenvolvimento masculino32. (Freud, 1933 [1932])

O terceiro caminho conduz ao desenvolvimento da feminilidade normal, se a menina eleger o pai como objeto.

Como a menina não está sujeita à ameaça de castração, o complexo de Édipo que ela experimenta apresenta algumas peculiaridades que, segundo Freud (1931), farão registro no caráter da futura mulher, outro ponto de oposição com os feministas:

“Provavelmente não estaríamos errados em dizer que

é essa diferença na relação recíproca entre o complexo de Édipo e o de castração que dá seu cunho especial ao caráter das mulheres como seres sociais.” (Freud, 1931, p.238)

Na verdade, é muito freqüente que o complexo de Édipo não seja completamente superado nas mulheres.

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“Que será que decide em favor de um tal desfecho [do complexo de masculinidade]? Só podemos supor

que é um fator constitucional, uma quantidade maior de atividade, tal como geralmente é característico do homem.” (Freud, 1933 [1932], p.129)

Segundo Freud (1931), o afastamento com a mãe é resultado de uma série de fatores, que devem considerar aspectos da sexualidade infantil em geral, igualmente válidos para o caso dos meninos.

Em primeiro lugar está a questão do ciúmes em relação a qualquer membro que venha a romper a dualidade com a mãe.

A segunda característica se refere ao fato de que o amor infantil não tem um objetivo e, por isso, está fadado ao desapontamento.

As reprimendas pela masturbação podem levar a um sentimento hostil por quem a proíbe, geralmente a mãe ou alguém que a venha representar. Se a menininha resistir a este impedimento e, como desafio, revidar a masturbação, poderá estar favorecendo o desenvolvimento da masculinidade.

Exclusivamente no caso das meninas, o afastamento da mãe também pode ser incentivado pela descoberta da castração. O caminho para a feminilidade estará aberto quando a menina compreender que esta “deficiência”33 não é exclusividade sua, mas acomete a todas as mulheres. Finalmente, a menina poderá compreender que a mãe também não possui o pênis, contrariando a crença que havia alimentado até então e favorecendo a ruptura do laço entre as duas:

“Isso significa, portanto, que, como resultado da

descoberta da falta de pênis nas mulheres, estas estão rebaixadas de valor pela menina, assim como depois o são pelos meninos, e posteriormente, talvez, pelos homens.”

(Freud, 1933 [1932], p.126)

A menina irá culpar a mãe por esta falta e construirá a hipótese de que a castração é conseqüência dela não ter sido amamentada de modo suficiente, o que pode ser intensificado pela chegada de um novo irmão. Independentemente da situação real da amamentação, a criança possui uma avidez insaciável pelo leite da mãe e jamais poderá superar completamente o desmame. (Freud, 1931; 1933 [1932])

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“Quando a menina descobre sua própria deficiência, por ver um órgão genital masculino, é apenas com

Outro fator de afastamento da mãe se deve ao fato dela ter despertado a sexualidade na criança através dos cuidados com o corpo e, em seguida, a ter proibido. Isto leva à compreensão de que a fantasia da criança de ter sido seduzida pela mãe está muito mais próxima da realidade do que a fantasia de sedução pelo pai que as histéricas revelavam. (Freud, 1931; 1933 [1932]) Além disso, acrescenta André (1986):

“A fantasia de sedução pelo pai, que a menina

eventualmente levará em conta mais tarde, deve pois ser referida a seu fundamento, que é uma sedução primária pela mãe.” (p.192)

Segundo Assoun (1993), o impasse da relação “sem saída” com a mãe forja, com resignação, uma saída possível através do vínculo com o pai, “herdeiro substituto do Objeto primitivo”. Para o autor, a relação da menina com a mãe e da ordem do “impossível”: “É assim que a mulher, partindo do impossível torna-se ‘racional’ ” (p.XI).

O “incurável” da mulher se deve ao fato dela não ter levado a paixão pela mãe até as últimas consequências, o que constitui seu “‘ponto doloroso’ crônico”. A relação com o pai funcionaria, então, como “antídoto” para esta dor. Em contrapartida, a abertura para o pai viabiliza o amor sustentado pelo desejo, e está seria, nas palavras de Assoun (1993), a “‘compensação’ simbólica” (p.IX).

Associada à ruptura com a mãe, diz Freud (1933 [1932]), a inveja do pênis deixará conseqüências no caráter da futura mulher e só poderá ser superado a partir de um grande gasto de energia:

“A vergonha, considerada uma característica

feminina par excellence, contudo, mais do que se poderia supor, sendo uma questão de convenção, tem, assim acreditamos, como finalidade a ocultação da deficiência genital.” (Freud, 1933 [1932], p.131)

Em tempos anteriores, continua Freud (1933 [1932]), esta vergonha deve ter impulsionado a mulher a desenvolver a técnica da tecelagem, como um meio de proteger o corpo:

“Parece que as mulheres fizeram poucas

contribuições para as descobertas e invenções na história da civilização; no entanto, há uma técnica que podem ter inventado – trançar e tecer.” (Freud, 1933 [1932], p.131)34

Como uma forma de “compensação por sua inferioridade sexual original”, a vaidade terá efeitos mais expressivos na mulher. Isto é acompanhado de um alto investimento narcísico, que influencia sua escolha objetal, resultando na maior necessidade de ser amada do que de amar. (Freud, 1933 [1932], p.131)

O desejo de ter um pênis constitui um dos motivos que as levam a buscar análise. (Freud, 1933 [1932])

A predominância da inveja na vida mental das mulheres, diz Freud (1933 [1932], resulta num menor senso de justiça. Além disso, elas seriam “mais débeis em seus

interesses sociais e possuidoras de menor capacidade de sublimar”35. Uma mulher em idade madura, com aproximadamente trinta anos,

“ (...) nos atemoriza com sua rigidez psíquica e imutabilidade. Sua libido assumiu posições definitivas e parece incapaz de trocá-las por outras (...) como se, na verdade, o difícil caminho na direção da feminilidade tivesse

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Vale lembrar que em O Mal-estar na Civilização (1930 [1929]), Freud conclui que, embora a mulher tenha propiciado o desenvolvimento da civilização devido à sua demanda de amor – que tira os homens do laço entre eles -, este mesmo amor acaba por colocá-las em oposição aos interesses da civilização: “Dessa maneira, a mulher se descobre relegada a segundo plano pelas exigências da civilização e adota uma atitude hostil para com ela” (p.109). No mesmo texto, afirma: “As mulheres representam os interesses da família e da vida sexual” (p.109).

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Freud (1930 [1929]) já havia apontado a menor capacidade das mulheres para sublimação. Sobre a questão da sublimação nas mulheres, ver: FABBRINI, Regina. (2002). Fiar e destecer: os processos femininos de

exaurido as possibilidades da pessoa em questão.” (p.133-

134)

Entretanto, adverte Freud (1933 [1932]), todas estes traços indicados como sendo características da mulher estão sujeitos à dificuldade de distinção entre aquilo que é próprio do seu desenvolvimento sexual e aquilo que deve ser atribuído à influência social.

A escolha objetal da mulher também pode ser encoberta pelas condições sociais. Se pudéssemos observá-la livremente, diz Freud (1933 [1932]), veríamos, freqüentemente, sua concordância com o ideal narcisista do homem que a mulher em questão gostaria de ser (escolha narcísica). A escolha segundo os moldes paternos (escolha objetal) irá ocorrer se a menina permaneceu vinculada ao pai, ou seja, no complexo de Édipo.

A ligação com a mãe está fadada a se dissolver inclusive por representar o primeiro investimento objetal e, por isso mesmo, sujeito a uma maior intensidade e, portanto, a um maior desapontamento. As catexias posteriores a relação com a mãe também estariam menos susceptíveis a frustração, já que comportam uma parcela menor de investimento.

Os segundos casamentos das mulheres parecem apresentar maior probabilidade de sucesso, completa Freud (1931; 1933 [1932]), pois o relacionamento anterior já teria esgotado a hostilidade dirigida ao marido, herança da relação com a mãe. Mesmo assim, o sentimento hostil pela mãe e o voltar-se ao pai garantiriam, mais tarde, a possibilidade de um casamento feliz. Outro fator catalizador desta felicidade, escreve Freud (1933 [1932]), não poderia se dar “enquanto a esposa não conseguir tornar seu marido também seu filho, e agir com relação a ele como mãe” (p.132-133). Esta condição atesta, mais uma vez, a “ressurgência da relação à mãe no seio da vida amorosa da mulher” (André, 1986, p.201). Além disso, prossegue Freud (1933 [1932]), o laço com a mãe permite à menina adquirir características que, mais tarde, atrairão o olhar do homem. Este olhar resulta da própria relação edipiana do menino, resgatada através do “enamoramento”.

André (1986) pontua que a inversão da relação marital para uma relação maternal resulta na impressão final de que o texto freudiano aponta “um afastamento irremediável entre o amor do homem e o da mulher” (p.202).

A maneira como as meninas reagem diante da proibição da masturbação e da constatação da castração não se expressa, como poderíamos supor, de modo unívoco:

“Na verdade, é quase impossível fornecer uma

descrição que possua validade geral. Encontramos as mais diferentes reações em diferentes indivíduos e, no mesmo indivíduo, as atitudes contrárias coexistem lado a lado.”

(Freud, 1931, p.241)

De qualquer modo, a primeira intervenção diante da masturbação terá conseqüências no desenvolvimento da sexualidade, ainda que estes processos originais venham a ser encobertos e deformados.

A relação ambivalente - amor e ódio - como o objeto amoroso não é um fator universal nos adultos, mas, certamente o é durante a infância. Este motivo justifica a manutenção dos meninos na relação com a mãe, pois, segundo Freud (1931), eles seriam mais habilidosos no contato com os sentimentos ambivalentes, pois canalizariam a hostilidade em direção ao pai. Em relação à fase pré-edipiana nos meninos: “(...) provavelmente é mais prudente, em geral, admitir que ainda não dispomos de uma compreensão clara desses processos (...) (Freud, 1931, p.243).

Parece-nos que aqui acontece uma inovação no procedimento que estávamos habituados a acompanhar no trabalho de Freud. Se em outros momentos o caso da menina parecia negligenciado, em relação à fase pré-edipiana esta situação se inverte.

Os objetivos sexuais da menina em direção a mãe são ativos e passivos, a depender da fase libidinal em que a criança se encontra, responsável por desejos orais, sádico-anais e fálicos. A observação analítica revela que o desejo da menina de ter um filho da mãe é a principal manifestação dos impulsos da fase fálica. As primeiras experiências estariam voltadas para a passividade, pois a criança é cuidada pela mãe. Uma parte da libido, então, é transformada em atividade, propiciando um sugar ativo durante a amamentação e atitudes que a criança já realiza sozinha, quando antes precisava de auxílio. As brincadeiras de boneca também expressam esta parcela de atividade. Outras fantasias relativas à mãe se referem ao medo de ser assassinada ou envenenada por ela. (Freud, 1931; 1933 [1932])

O afastamento da mãe, entretanto, deve ser acompanhado de uma diminuição dos impulsos ativos e um aumento dos impulsos passivos, além da intensificação dos sentimentos hostis. Esta transformação seria incentivada por fatores biológicos36.

André (1986) explica que a “dialética atividade passividade equivale a uma oscilação entre ser o objeto da mãe e tomar a mãe como objeto” (p.186). A posição de sujeito depende do Outro – que neste momento corresponde à mãe - ser colocado no lugar de objeto. Fica claro o paradoxo que se coloca, já que a menina deve assumir um traço masculino – ativo – para se tornar sujeito, ao mesmo tempo em que deve conservar uma parcela da passividade para se voltar ao pai.

Mediante estes impulsos passivos, estimulados pelo abandono da masturbação clitoridiana, a menina se ligará ao pai, na esperança de que ele lhe ofereça o pênis que a mãe lhe recusou, representação do “mais intenso desejo feminino”:

“No entanto, a situação feminina só se estabelece se o

desejo do pênis for substituído pelo desejo de um bebê, isto é, se um bebê assume o lugar do pênis, consoante uma primitiva equivalência simbólica. (...) Talvez devêssemos identificar esse desejo do pênis como sendo, pa excellence, um desejo feminino. ” (Freud, 1933 [1932], p.128)

r

A menina já havia desejado o bebê antes, mas isto era resultado de sua identificação com a mãe, conforme ilustram as brincadeiras de boneca. As identificações com a mãe se apresentam em dois momentos distintos: durante a fase pré-edipiana, quando o vínculo afetuoso a toma como modelo, e durante o complexo de Édipo, quando pretende ocupar o seu lugar.

O desejo pelo bebê do pai marca o ingresso no complexo de Édipo, acompanhado por uma intensificação da hostilidade pela mãe, agora tida como uma rival. Se este filho

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“Surge então a questão de saber como isto ocorre: particularmente, como é que a menina passa da

vinculação com sua mãe para a vinculação com seu pai? Ou, em outros termos, como passa ela da fase masculina para a feminina, à qual biologicamente está destinada?” (Freud, 1933 [1932], p.119)

viesse a ser do sexo masculino, isto garantiria uma satisfação ainda mais plena37. André (1986) irá dizer que “o que empurra a menina para o pai não é a atração pelo homem, mas o ódio pela mãe” (p.192).

O deslizamento do desejo por um pênis para o desejo por um filho é, segundo Freud (1931), condição para a feminilidade. André (1986) sugere a fragilidade deste raciocínio, no qual o “tornar-se mulher” se confunde com o “tornar-se mãe” (p.198). Esta noção, acrescenta, não seria atestada pela prática clínica. Além disso, este raciocínio freudiano aponta uma ambigüidade teórica, pois, para que a menina ingresse na feminilidade, deve perder uma parcela da atividade fálica, ao mesmo tempo em que tem que sustentá-la na demanda pelo filho do pai.

Há fases do desenvolvimento sexual que coincidem em ambos os sexos, mas, para que se possa compreender o caso da menina, é preciso reconhecer a existência de uma diferença fundamental, referente ao complexo de castração.

Lembramos que os meninos abandonam o complexo de Édipo pela ameaça de castração:

“Sob a impressão do perigo de perder o pênis, o

complexo de Édipo é abandonado, reprimido e, na maioria dos casos, inteiramente destruído, e um severo superego instala-se como seu herdeiro. O que acontece à menina é quase seu oposto.” (Freud, 1933 [1932], p.128-129)

É através da castração que a menina ingressa na situação edipiana - “como se esta fora um refúgio” - e, por lhe faltar o principal motivo para seu abandono, lá irá permanecer por um tempo mais longo e indeterminado, sendo, posteriormente, destruída de modo incompleto:

“Nestas circunstâncias, a formação do superego deve

sofrer um prejuízo; não consegue atingir a intensidade e a

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Em relação ao filho homem, Freud (1933 [1932] irá dizer que “é, sem exceção, o mais perfeito, o mais livre de ambivalência de todos os relacionamentos humanos” (p.132). Isto porque, segundo o autor, ele representa aquele desejo da mulher de ter o pênis.

independência, as quais lhe conferem sua importância cultural, e as feministas não gostam quando lhes assinalamos os efeitos desse fator sobre o caráter feminino em geral.” (Freud, 1933 [1932], p.129)

O desenvolvimento da feminilidade estará sujeito a influências daquele período inicial onde predominava a tendência masculina. Desta maneira, tendências masculinas e femininas se alternam na vida sexual da mulher. Além disso, não é raro ocorrerem regressos ao período pré-edipiano. Esta soma de fatores pode ser responsável por aquilo

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