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Desde anos 70, estudos sociológicos, antropológicos, históricos e literários que lidam com o tema da mulher vêem criticando a psicanálise. Os precursores são os estudos feministas e os estudos de gênero, que questionaram os termos homem e mulher, e tornaram explicita a relação da sexualidade com as relações de poder. (Barbero, 2004)

É convenção situar a origem do feminismo com o movimento sufragista, primeira onda do movimento feminista, que buscava estender o direito de voto às mulheres. Embora já tivesse sido esboçado em 1792, o primeiro movimento foi fundado por Pankhurst43 na Inglaterra, em 1865, onde o direito foi alcançado apenas em 192844.

No Brasil, O Código Eleitoral de 1932, promulgado por Getúlio Vargas, permitiu o voto à mulher45. Em 1945, as campanhas de redemocratização do país foram favorecidas pela participação das mulheres. Embora ainda não tivesse o caráter feminista, a atuação foi evidente na luta pela anistia e pela nacionalização do petróleo. (Costa, 1988)

Os anos de 1960 foram altamente importantes para o movimento das mulheres, do qual o feminismo é uma dimensão. Neste período, houve uma adesão aos valores individualistas modernos, que propunham politizar a esfera privada e intervir nas relações familiares. O desenvolvimento dos métodos anticoncepcionais, a disseminação da psicanálise, o recurso ao ensino superior e a maior inserção no mercado de trabalho são representativos.

Em 1961, foi criada nos Estados Unidos uma Comissão sobre os direitos da mulher, cujo relatório, datado de 1963, denunciava a discriminação sexual. Os anos que se seguiram foram extremamente produtivos na organização destas demandas políticas, fazendo com que, segundo Scott (1992), as mulheres voltassem a ser um grupo identificável, pela primeira vez depois do sufragismo. Este mesmo período acompanhou a intensificação da presença das mulheres no espaço acadêmico, como veremos no decorrer do capítulo.

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Emmeline Goulden Pankhurst (1858-1928) fundou a União Feminina Social e Política em 1903. Presa diversas vezes, morreu um mês antes da conquista do voto pelas mulheres. (enciclopédia TUDO)

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Direito ao voto feminino em outros países: Nova Zelândia em 1893, Finlândia em 1906, Noruega em 1913, Dinamarca em 1915, Holanda e Rússia em 1917, Alemanha e Áustria em 1918, Polônia, Suécia e Checoslováquia em 1919, EUA em 1920, Portugal e Espanha em 1931, Turquia em 1934, Canadá em 1940, França em 1944, Itália, Japão e Hungria em 1945, Bélgica em 1948 e Suíça em 1971. (www.iscsp.utl.pt/cepp/ideologias/sufragismo.htm)

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Atualmente, o número de eleitoras é 13,6% maior do que o número de eleitores homens. (Folha de

No âmbito legislativo, o Código Civil brasileiro passava por significativas mudanças quando, em 1962, incorporou o Estatuto da Mulher Casada, que passou a incluí- la como “colaboradora” no pátrio poder. Deixou de ser considerada civilmente incapaz, embora prevalecesse a vontade do homem, no caso de discordância do casal. (Verucci, 1987)

A partir deste código, estava permitido que a mulher ingressasse livremente no mercado de trabalho, o que antes só era possível mediante autorização do marido. Este foi o início das conquistas femininas, ainda que permanecessem as desigualdades, por exemplo, a permanência do homem como o chefe da família.

A Lei do Divórcio, introduzida em 1977, permitia que ambos os membros do casal pusessem fim ao matrimônio, que a mulher optasse por continuar com o nome do marido e estabeleceu a comunhão parcial dos bens. (Verucci, 1999)

Apenas em 1988, a Constituição Federal vai reservar uma situação menos desigual e o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, vai igualar a responsabilidade dos pais pelo pátrio poder.

Lembramos que as Ordenações Filipinas, a primeira forma de legislação brasileira em vigor até 1916, dava ao marido o direito de castigar fisicamente a mulher e de matá-la em caso de suspeita de adultério.

Aliados contra o regime autoritário, a chamada “segunda onda do movimento feminista” se articulou à esquerda política, às camadas médias da população e aos movimentos sociais da periferia, que reivindicavam infra-estrutura urbana e recurso a equipamentos públicos. A articulação com movimentos populares foi responsável pela relação do feminismo com setores progressistas da Igreja católica. Estes setores representavam expressiva oposição diante do “vazio político” resultante do golpe militar de 1964, que favoreceu a organização de movimentos não oficiais. (Costa, 1988)

A “treva política”, entretanto, não impediu que um produto recente no mercado editorial brasileiro se multiplicasse: a literatura feminina. Incentivada pelo novo modelo econômico, testemunhou, além de um mercado consumidor interessado no tema, a diminuição da produção literária masculina e a expansão da indústria de celulose. Lygia Fagundes Telles, Rachel Jardim, Helena Parente Cunha, Lia Luft e Cecília Prada, são alguns exemplos. (Wanderley, 2001)

“Ancoradas em raízes fortíssimas e na ponte dourada que a literatura intimista de Clarice Lispector lhes havia estendido (...)”, a produção destas mulheres não se reportava ao inimigo comum, que unificou as expressões de resistência dos movimentos estudantis da época:

“Mais interessadas na sujeição específica do gênero e

nos danos psicológicos que a situação lhes causava, aquelas ficcionistas inaugurais, talvez não deliberadamente, voltaram as costas ao drama político vivido pela sociedade brasileira de então, e dirigiram suas setas para o poder mais difuso e mais amplo que secularmente lhes causou danos: o patriarcalismo.” (Wanderley, 2001, p.155)

Neste panorama, a produção literária feminina se constituía, no país e em outras partes do mundo, numa importante via de expressão das questões da mulher. Caracterizada como um “depoimento confessional” marcado pelo subjetivismo, a temática desta produção reportava o universo privado. (Wanderley, 2001)

Mesmo que com temas muito próximos, estas escritoras reagiram de formas diferentes ao crivo das relações familiares, que desencorajava sua criatividade. Clarice Lispector teria resistido por meio da “força poética extraída de um cotidiano intensamente vivido e internalizado” (Wanderley, 2001, p.156). Em caminhos mais ou menos vulneráveis, a literatura feminina não foi impedida de retratar a constrição que acompanha o mundo das mulheres.

“Mas embora ‘esquecidas’ da série social e do

compromisso com o momento histórico vivido, ao se concentrarem no próprio eu, [as escritoras] concentravam-se também em torno de uma bandeira que só nas décadas seguintes seria desfraldada pelas mulheres no Brasil: a bandeira feminista, movimento que como outras expressões

de minorias substituiria nos anos 80 a luta ideológica dos anos 60 e 70.” (Wanderley, 2001, p.157) 46

Ao mesmo tempo em que a produção literária feminina ganhava corpo, ela propiciava condições para que o movimento feminista se fortalecesse.

O ano de 1968 é um marco da onda libertária que aglutinou movimentos estudantes e operários no mundo inteiro, na luta contra o autoritarismo. Esta contestação se manifestou nos Estados Unidos e em diversos países da Europa e da América Latina, na busca de dar voz às camadas oprimidas da sociedade. (Corrêa, 1981)

Estimuladas pela expressividade do movimento de mulheres que encontraram no exterior (EUA e Europa), a antropóloga Célia Sampaio e a crítica literária Walnice Nogueira Galvão formaram, na São Paulo de 1972, um grupo com outras mulheres que conversavam sobre sua condição.

O “grupo de 72”, como era referido, era constituído principalmente por professoras universitárias e “psicanalizadas de esquerda”: “Era o que se costumava chamar nos anos 60 de mulher emancipada, que trabalha, milita e transa (...)” (Costa, 1988, p.66).

Sem qualquer formalização interna, as reuniões ocorriam quinzenalmente, em casa, e se pautavam em temas pré-determinados, que iam desde Virgínia Woolf até questões de sexualidade.

A iniciativa era uma saída para o marasmo político decorrente da repressão, mas não pretendia extrapolar sua repercussão para a esfera pública, fato que, segundo Costa (1988), caracterizava a atividade como doméstica.

A existência deste grupo é particularmente interessante devido a sua duração (1972- 1975), já que outros grupos desta natureza tendiam a se desintegrar em menos tempo. Mesmo assim, os relatos históricos do feminismo paulista não costumam retratar sua existência. (Costa, 1988)

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Mais à frente, Wanderley (2001) repara: “(...) nem toda sua prosa de ficção [da produção literária feminina no Brasil] daquela primeira fase pós-golpe (anos 70 e 80) voltou às costas à dura conjuntura vivida”, como, por exemplo, Nélida Piñon e Heloneida Studart (p.166). No capítulo seguinte, Movimento da História das

Mulheres, veremos como a obra de Tavares (1998), Cortejo em Abril, repercutiu também no campo da

Embora o movimento feminista estivesse disseminado em nível internacional, no Brasil ainda predominavam a desconfiança e o preconceito:

“Inicialmente, ser feminista tinha uma conotação negativa. (...) Para a direita era um movimento perigoso, imoral. Para a esquerda, reformismo burguês e, para muitas mulheres e homens, independente de sua ideologia, ser feminista tinha uma conotação antifeminina.” (Sarti, 1988,

p.41)

Daí percebemos a importância de que se distinga o movimento feminista da concepção de feminilidade.

No contexto dos movimentos feministas “oficiais”, os problemas propriamente ligados às questões das mulheres eram secundários em relação aos problemas mais gerais da sociedade. Tal situação se reverteu com o processo de abertura política, período no qual se evidenciaram também as divergências com a Igreja católica e com alas conservadoras da esquerda.

Sob influência da ideologia marxista, a especificidade do sujeito do feminismo passou a se definir a partir da problematização do trabalho como uma via de libertação. A reivindicação por creches buscava criar condições para que a mulher pudesse se afirmar como uma força economicamente produtiva. Apesar de sua relevância, a ênfase no trabalho desviou o foco de questões mais polêmicas e conflitantes com a Igreja, como o aborto, por exemplo.

Na tentativa de rever o papel tradicional de mãe, a luta por creches buscava um aliado público que auxiliasse na educação das crianças. Ao mesmo tempo, era o acesso a melhores condições para a família que motivava a militância destas mulheres.

A sucessão presidencial de 1974 (Geisel) acirrou a desigualdade social e contribuiu para o crescimento das insatisfações, culminando na vitória do partido de oposição (MDB) nas eleições parlamentares.

Em 1975, a ONU decreta o Ano Internacional da Mulher, fato que estimulou discussões coletivas e aproximou o tema do debate político, resultando na formação do

Centro de Desenvolvimento da Mulher Brasileira, em São Paulo e no Centro da Mulher Brasileira, no Rio de Janeiro, para citar apenas alguns exemplos. Acrescentam-se o Movimento Feminino pela Anistia e a solidificação de uma mídia ligada ao tema. Foram

editados os jornais Brasil Mulher (1975 a 1980), Nós Mulheres (1976 a 1978). O jornal

Mulherio, editado em São Paulo a partir de 1980, se constituiu no principal veículo de

expressão da perspectiva feminista. (Sarti, 1988)

As eleições parlamentares de 1978 expressam, pela primeira vez em São Paulo e no Rio de Janeiro, o engajamento das mulheres na campanha eleitoral, que apresentam aos candidatos seus projetos e suas reivindicações. Começam a aparecer questões relativas à problemática do gênero.

Ao debate social e político internacional, a “segunda onda do movimento feminista” acrescentou uma discussão teórica e engendrou a temática no universo acadêmico. Tiveram início os estudos da mulher fora do campo estritamente filosófico47. Tais estudos adquiriram espaços nas ciências sociais e humanas, sobretudo na sociologia, antropologia, história e literatura.

O tema das mulheres sempre esteve presente, embora em menor quantidade, nas Ciências Sociais. Segundo o relatório do Groupe d´études sur la division sociale e sexuelle

du travail de 1983, informam Costa, Barroso e Sarti (1985), este tema tende a aparecer nos

trabalhos como estudo de “minorias” ou grupo desviante.

Mesmo sem remeter a um corpo teórico estruturado, o feminismo serviu como um parâmetro simbólico para a construção de uma problemática científica concernente à mulher.

Embora tenham buscado legitimidade de seu objeto de estudo - sobretudo entre 1975 e 1978 - as feministas brasileiras não elegeram a universidade como seu principal campo de batalha. (Costa, 1988) “A pertinência do interesse pelo tema é conferida pelo movimento externo às instituições científicas.” (Costa, Barroso e Sarti, 1985, p.6)

Em decorrência da busca de um território separado para o estudo das mulheres, a produção científica foi marcada pelo distanciamento da dinâmica do mundo acadêmico. (Louro, 1997)

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Em 1972, a SBPC inclui o tema das mulheres em sua programação, mas é somente em 1975 que promove uma mesa-redonda sobre o mesmo.

A Fundação Carlos Chagas representa uma referência importante para os estudos sobre a mulher. Suas atividades incluíam seminários, cursos e grupos de trabalho sobre a condição feminina, iniciados em 1974, além da publicação da revista científica Cadernos

de Pesquisa, a partir de1971. Em 1975 e em 1985, a revista edita número especial dedicado

ao tema.

Em 1975, a fundação organiza um Programa de pesquisas sobre o trabalho e a

educação da mulher, que incluía o projeto de uma bibliografia anotada - financiado pela

Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo; um curso de pesquisa - financiado pelo Ministério da Educação; uma pesquisa sobre vieses sexuais na avaliação de redações escolares e outra sobre mulher e ciência - financiadas pelo CNPq. O programa também incluía um Centro de Documentação que não obteve financiamento e um concurso de pesquisa que veio a ser financiado a partir de 1977 pela Fundação Ford. (Costa, Barroso e Sarti, 1985)

Embora o tema não ocupe posição de destaque nos órgãos públicos de financiamento, tal apoio foi fundamental para a inserção no universo acadêmico:

“Não houvesse espaço para a iniciativa de pesquisadores isolados que adquirem certa autonomia em relação às suas instituições graças ao apoio externo, dificilmente as pesadas estruturas universitárias teriam se mobilizado para acolher um tema inicialmente tão pouco prestigiado – e mesmo hostilizado.” (Costa, Barroso e Sarti,

1985, p.11)

Ao contrário dos órgãos estatais, a Fundação Ford mantinha uma política explícita de apoio ao tema e se tornou sua principal fonte de financiamento no Brasil, a partir de 1974.

Em 1981, surgem os primeiros núcleos juntos às universidades brasileiras que, de um modo geral, se constituíam a partir da discussão da força de trabalho feminina no

mercado capitalista. Novas vertentes incluíam a questão da reprodução, do trabalho doméstico e da saúde da mulher. Diferentes abordagens antropológicas, históricas, literárias e psicológicas levaram ao estudo da identidade feminina, da família e do cotidiano. Acrescentam-se os estudos sobre a imagem da mulher nos meios de comunicação. O tema ingressa na Ciência Política com estudos sobre comportamento eleitoral, e análises sobre o movimento feminista no Direito e na Educação.

Apesar da expansão do tema no universo acadêmico, “sobressai a falta de diálogo destas pesquisas com as áreas de estudos onde se situam, e com a totalidade das Ciências Humanas” (Costa, Barroso e Sarti, 1985, p.8).

Segundo Sarti (1988), o ano de 1980 foi o de mais intensa mobilização no movimento feminista. Foi realizado o II Congresso da Mulher Paulista, que explicitou as contradições e os conflitos internos resultantes da heterogeneidade do movimento. Criou-se o Centro de Defesa dos Direitos da Mulher, o S.O. S Mulher e a Comissão contra a

violência, que ofereciam recurso jurídico e psicológico.

A emergência do movimento homossexual e do movimento negro evidenciaram a dificuldade do feminismo em lidar com as diferenças internas. (Carneiro & Santos, 1985, citada por Sarti, 1988) Os grupos feministas se dividiram em pequenos núcleos ligados à questões específicas, o que fortaleceu uma atuação técnica e especializada.

A multiplicidade de tendências e influências é uma marca do feminismo, principalmente a partir dos anos 80, quando os grupos deixaram de se organizar em torno de questões unitárias, na luta pela democracia. Mesmo assim, podemos apontar duas grandes correntes no movimento feminista brasileiro: uma mais voltada para a atuação pública e a organização política, constituída em grupos de pressão em torno de questões relativas ao poder entre os sexos, principalmente no que se refere ao trabalho e ao direito. A outra corrente privilegia a esfera privada e trabalha com questões da subjetividade, em grupos de estudo e reflexão (Sarti, 1988), conforme ilustra o “grupo de 72”.

A tipologia clássica aponta três tendências políticas principais: a liberal, a radical e a socialista. (Costa, Barroso e Sarti, 1985)

Apesar da pluralidade de tendências, é possível dizer que o feminismo apresenta um eixo comum, baseado na problematização do modelo patriarcal, que normatiza e hierarquiza a ordem social, a partir da referência masculina. (Vicentini, 1989) O feminismo

se constitui num terreno de denúncia da assimetria entre os sexos e da tendência androcêntrica que caracteriza a produção científica. (Costa, Barroso e Sarti, 1985)

A diversidade do movimento feminista levou a uma fragmentação da idéia universal de “mulheres” e ao questionamento de uma política unificada. Naquele momento, gênero aparece como uma categoria central de análise, que enfatiza o aspecto social e relacional da diferença sexual, relativa a outras categorias como religião, classe e etnia.

Introduzida pelas feministas anglo-saxãs, a palavra gênero (gender) teve o objetivo de rejeitar a explicação essencialista da diferença sexual e funcionou como uma ferramenta política e analítica. Apesar de enfatizar o aspecto social da sexualidade, esta abordagem não nega a influência do corpo biológico.

Passado por um processo de ressignificação e apropriação, o termo passou a ser utilizado no Brasil a partir do final dos anos 80. (Louro, 1997)

Segundo Bernardes (1993), a categoria do gênero articula três aspectos: a atribuição

de gênero - o discurso cultural sobre o que é feminilidade e masculinidade; a identidade de gênero - a crença em pertencer a um dos sexos e o papel de gênero – as expectativas

socioculturais em relação aos comportamentos esperados para cada sexo, determinados em função da assimetria de poder entre o homem e a mulher.

As divergências do movimento feminista se explicitam a partir do modo como essas tendências analisam e conceituam a questão do gênero, expressas em diferentes posições políticas. (Vicentini, 1989)

Na década de 1990, os estudos de gênero ampliaram sua temática e incorporaram a questão do imaginário feminino, a partir das artes plásticas, da música, da literatura e da mídia. Mas, “Talvez a história tenha sido uma das áreas, no campo interdisciplinar dos estudos do gênero, que mais intensamente tenha feito esta incorporação” (Matos, 2000, p.17).

A pluralização daquilo que se entende por “mulheres” tem como decorrência a problemática de qual seria o eixo comum que possibilitaria uma ação coletiva. A abordagem chamada pós-estruturalista surgiu como uma saída para este impasse: diferentemente do que havia então, ela relativiza a questão da identidade com a compreensão da diferença a partir de uma posição discursiva.

Segundo Louro (1997), reservadas as diferenças, o feminismo e o pós- estruturalismo são movimentos contemporâneos que produziram efeitos intercambiáveis, ao contestar o sistema social e as formas convencionais de produção científica. A autora cita a historiadora feminista Joan Scott (1986), que assumiu utilizar categorias pós-estruturalistas - especialmente aquelas desenvolvidas por Michel Foucault e Jacques Derrida - ao defender a importância de se desfazer a lógica de dominação-submissão, que usualmente cria uma polaridade fixa para a abordagem dos gêneros. Há, entretanto, feministas que rejeitam esta influência: aqueles representados pelos estruturalistas e marxistas.

O estruturalismo teve origem na França, a partir da lingüística estrutural desenvolvida por Saussure, amplamente disseminada por Jakobson. Em campos diversos, o estruturalismo influenciou o trabalho de Lacan na psicanálise; Lévi-Strauss na antropologia; Barthes na literatura e Althusser no marxismo. (Peters, 2000)

Ocorridas importantes transformações, o feminismo ainda ocupa, no início do novo século, espaços na academia e na sociedade em geral:

“Inicialmente efervescente e combativo, o movimento feminista no Brasil encontra-se, hoje, num estado de interrogações, ambivalências e contradições, resultantes de seus sucessos, mas também de seus fracassos.” (Priore, 2001,

p.231)

Ainda no campo da literatura, os anos de 1980 e 1990 assistiram ao incremento do recurso irônico como forma de deflagração da condição da mulher. No Brasil, “seguindo a trilha inaugurada por Zulmira Ribeiro Tavares”48, Márcia Denser49, Luiza Lobo50, acrescentam o erotismo “como técnica contra-ideológica e explosiva dos valores tradicionais que atualizavam os conceitos naturalizados de mulher” (Wanderley, 2001, p.158). A respeito da obra de Márcia Denser:

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TAVARES, Zulmira Ribeiro. (1985). O nome dos bispo. São Paulo: Brasiliense. 49

DENSER, Márcia. (1981). O animal dos motéis. São Paulo: Civilização Brasileira/Masso Ono. 50

“Um verdadeiro refrigério para os ouvidos cansados

de escutar as lamúrias que predominavam nos anos 70 e de conviver com depoimentos indecididos de mulheres que viveram com um pé na liberdade da estrada e outro no laço ideológico do paternalismo conservador.” (Wanderley, 2001,

p. 158)

Nesta perspectiva feminista, ou seja, contra a chamada “cultura falocêntrica”, a literatura francesa irá fomentar os conceitos de féminite51, écriture féminine52 e juissance du

corps53. Segundo estes conceitos, a especificidade anatômica da mulher determina um modo feminino de estar no mundo oposto ao masculino. O corpo, sede desta experiência, sustentaria uma forma de resistência ao discurso dominante, representado pelo universo dos homens. Essa juissance seria possível graças à “experimentação dos prazeres físicos desfrutados na infância e na sexualidade primitiva, mas não obliterada pela ‘lei do Pai’ ” (Wanderley, 2001, p.158).

Embora apontasse numa mesma direção, esse movimento não se constitui como um

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