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MARIA FERNANDA MASCHERETTI CONSIDERAÇÕES ACERCA DA QUESTÃO DA FEMINILIDADE NA TEORIA FREUDIANA SOBRE A MULHER

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Academic year: 2021

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MARIA FERNANDA MASCHERETTI

“CONSIDERAÇÕES ACERCA DA QUESTÃO DA FEMINILIDADE

NA TEORIA FREUDIANA SOBRE A MULHER”

PROGRAMA DE PÓS-GRADUANDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL

PUC/SP

SÃO PAULO

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MARIA FERNANDA MASCHERETTI

“CONSIDERAÇÕES ACERCA DA QUESTÃO DA FEMINILIDADE NA TEORIA FREUDIANA SOBRE A MULHER”

PROGRAMA DE PÓS-GRADUANDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Psicologia Social, sob a orientação da Prof. (a) Dr. (a) Maria do Carmo Guedes.

PUC/SP

SÃO PAULO

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_______________________________________

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

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AGRADECIMENTOS

A Maria do Carmo Guedes, por ter aceito meu projeto de mestrado e pelos caminhos que encoraja a acompanhar.

Ao Raul Albino Pacheco Filho, meu primeiro interlocutor na pós-graduação, pelo cuidado e rigor que incentivaram esta pesquisa.

A Regina Fabbrini, por mais esta oportunidade de ouvir seus preciosos comentários. Ao Núcleo de História da Psicologia da PUC-SP, por todos os momentos.

Ao Núcleo de Psicanálise e Sociedade da PUC-SP, por suas contribuições. Aos colegas da pós-graduação da PUC-SP, pela companhia.

À equipe do Programa de Psicologia Social da PUC-SP, pela prontidão.

Ao Ricardo Verucci e Laura Granado, que contribuíram com as referências bibliográficas.

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RESUMO

O objetivo desta pesquisa é investigar o conceito de feminilidade na teoria freudiana sobre a mulher, investigação esta que incide sobre o movimento feminista, responsável pela elaboração de importante crítica sobre o tema.

Dentro de uma perspectiva histórica, buscamos contextualizar a problemática do feminino nos diferentes campos – psicanálise, literatura, política, ciências e história – a partir da referência a três grandes movimentos:

1) movimento da psicanálise freudiana, desde a indagação sobre o desejo feminino, até a teoria do complexo de Édipo, a diferenciação entre os sexos e a especificidade da mulher. Para completar, breve referência aos aportes oferecidos pela teoria lacaniana; 2) movimento feminista e estudos da mulher que o acompanham;

3) movimento da história das mulheres.

A análise da produção freudiana proposta por Paul-Laurent Assoun (1993) sugere a distinção de três diferentes níveis de elocução: o nível histórico-social – que reúne os determinantes culturais e datados; o nível estrutural – que reúne os determinantes a-históricos e universais; o nível das considerações pessoais – que envolve as opiniões e críticas individuais. Essa análise auxilia a compreender a mulher como sintoma da cultura, ou seja, das relações sociais que designam um determinado papel para as funções ditas femininas. Para corresponder a estas funções, a mulher acabaria abdicando de seu próprio desejo, expresso, então, através do sintoma. A questão da feminilidade, no entanto, não pode deixar de considerar uma referência estrutural.

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ABSTRACT

This research focused the investigation of female concepts about women introduced by the freudian approach, once it has been responsible for important and critical arguments on the theme.

Based on a historic perspective, we struggled to comprise the female context and issues according to some distinct fields – psychoanalyzes, literature, politics, sciences and history – adopting, as reference, three important movements:

1) the freudian psychoanalytic movement, taking the female desire as first subject, then amplifying it until the Edipus Complex theory, the distinction between sexes and the specificity of women. In order to complete the investigation, brief references to the lacanian approach were drawn;

2) feminist movement and the studies of women who follow it; 3) the movement of women’s history.

As we analyze the freudian production proposed by Paul-Laurent Assoun (1993), we notice there is a distinction among three different levels of expression: the social-historic level – which unifies cultural and dated antecedents; the strutuctural level – which presents the non-historic and universal determinants; the level of personal considerations – which presents the indiviual opinion and critics. This analyzes helps one to understand women as a cultural symptom, that is to say, understand the social relations that draw a definite role to the so-called female functions. In order to respond to such functions, women would neglect their own desire, what would be, in their turn, expressed as a symptom. However, the feminine as matter cannot decline a structural reference.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... p. 10

CAPÍTULO I – MOVIMENTO DA PSICANÁLISE... p. 12

1. Desejo feminino: propulsor da teoria freudiana? ... p. 12 2. O complexo de Édipo e a diferenciação entre os sexos ... p. 23 3. A especificidade da mulher ... p. 41 4. A contribuição de Jacques Lacan ... p. 54

CAPÍTULO II – MOVIMENTO FEMINISTA E ESTUDOS SOBRE A MULHER .... p. 62

CAPÍTULO III – MOVIMENTO DA HISTÓRIA DAS MULHERES ... p. 76

CAPÍTULO IV – CRÍTICA FEMINISTA À TEORIA FREUDIANA DA FEMINILIDADE ... p. 85

CAPÍTULO V – A MULHER COMO SINTOMA DA KULTUR ... p. 97

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INTRODUÇÃO

O tema da feminilidade está presente em minha pesquisa acadêmica desde a graduação. Naquela ocasião, estava interessada em compreender porque a questão da beleza parecia ser de especial importância para a mulher. Essa constatação se deu a partir de minhas experiências pessoais, nas quais freqüentemente encontrava mulheres demasiadamente preocupadas com as roupas, os acessórios, a maquilagem e, acima de tudo, eternamente insatisfeitas com seu corpo.

A pesquisa do tema da beleza no referencial teórico psicanalítico me levou à questão da feminilidade. Se as mulheres se preocupam com a beleza é porque existe algo denominado feminilidade. O meu Trabalho de Conclusão de Curso (2000) se resume a esta pesquisa: do belo ao feminino na abordagem psicanalítica, com o tema “Considerações acerca da construção do ideal de beleza na mulher: feminilidade em questão”1.

No mestrado, a questão é retomada com o objetivo de investigar o conceito de feminilidade na obra freudiana, investigação esta que incide sobre o movimento feminista, responsável pela elaboração de importante crítica sobre o tema.

Dentro de uma perspectiva histórica, buscamos contextualizar a problemática do feminino nos diferentes campos – psicanálise, literatura, política, ciências e história – a partir da referência a três grandes movimentos:

a) movimento da psicanálise: contextualização da teoria freudiana, desde a indagação sobre o desejo feminino, até a teoria do complexo de Édipo, a diferenciação entre os sexos e a especificidade da mulher; para completar, breve referência aos aportes oferecidos pela teoria lacaniana (capítulo I);

b) o movimento feminista e os estudos da mulher que o acompanham (capítulo II); c) o movimento da história das mulheres (capítulo III).

A análise da produção freudiana proposta por Paul-Laurent Assoun (1993) sugere a distinção de três diferentes níveis de elocução: o nível histórico social – que reúne os determinantes culturais e datados; o nível estrutural – que reúne os determinantes a-históricos e universais; o nível das considerações pessoais, que envolve as opiniões e críticas individuais. Essa análise auxilia a compreender a mulher como sintoma da cultura,

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ou seja, das relações sociais que designam um determinado papel para as funções ditas femininas. Para corresponder a estas funções, a mulher acabaria abdicando de seu próprio desejo, expresso então através do sintoma. A questão da feminilidade, no entanto, não pode ser considerada sem a referência estrutural. (capítulo V)

Esta pesquisa tem se definido como uma pesquisa teórica, pautada na leitura cuidadosa e crítica dos textos selecionados.

1

Trabalho disponível na Biblioteca Nadir Gouvêa Kfouri, orientado pela professora Maria Lúcia Gutierrez e com o parecer da professora Regina Fabbrini.

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CAPÍTULO I - MOVIMENTO DA PSICANÁLISE

1. Desejo feminino: propulsor da teoria freudiana?

“ ‘Não sou realmente um homem de ciência, não sou um

observador, não sou um experimentador, não sou um pensador. Nada sou senão um conquistador por temperamento – um aventureiro, se se quiser traduzir a palavra – com a curiosidade, a rudeza e a tenacidade que compõem essa espécie de ser.’ ” (Freud

citado por Jones, 1961, p.17)

De origem judaica, filho do comerciante Jakob Freud e de Amalie Nathansohn, Sigmund Freud nasceu em 1856, em Freiberg, pequena cidade no sudoeste da Moravia, atual República Tcheca e morreu em 1939, em Londres, aos oitenta e três anos de idade.

Em busca de maiores perspectivas econômicas, a família se mudou para Leipzig, em 1959, onde permaneceu por um ano, até a partida definitiva para Viena.

A expectativa da família de que Freud viesse a ser um grande homem marcou sua vida. Freud tinha sete irmãos mais novos e ele mesmo assumia ser o predileto de sua mãe, o que lhe teria dado uma grande confiança para conquistar o sucesso2.

Freud nasceu envolvido pela membrana amniótica, o que foi entendido como um sinal de prosperidade. Na ocasião, sua mãe o apelidou de seu “presentinho”, devido a abundância de cabelos espetados. Segundo Jones (1961), Freud teria mantido uma estreita ligação com a mãe:

“De sua mãe herdou, de acôrdo com sua própria

observação, a ‘sentimentalidade’. Esta palavra, que é muito mais ambígua em língua alemã, talvez devesse ser tomada para expressar o seu temperamento, com as emoções apaixonadas de que era capaz.” (Jones, 1961, p.37-38)

2

“ ‘Um homem que tenha sido o inequívoco favorito de sua mãe conserva por tôda a vida o sentimento de um

conquistador, uma confiança no sucesso pessoal que muitas vêzes leva ao sucesso verdadeiro.’ ” (Freud

(13)

Seus pais se ocuparam de sua educação até a matrícula em uma escola particular. Seus estudos sempre foram uma grande preocupação da família, a ponto de venderem o piano da casa, pois as aulas de música da irmã atrapalhavam sua concentração.

Terminados os estudos de nível médio, Freud teve a liberdade de escolher sua profissão, quando então optou pelas atividades médicas:

“ ‘Embora vivêssemos em circunstâncias muito

limitadas, meu pai insistiu em que minha escolha de uma profissão devia seguir minhas próprias inclinações. Nem por aquela época, nem mais tarde na minha vida realmente, senti qualquer predileção particular pela carreira de médico. Fui levado, antes, por uma espécie de curiosidade, que era, no entanto, dirigida mais no rumo das preocupações humanas do que no dos objetos naturais (...).’ ” (Freud citado por

Jones, 1961, p.62)

Neste período, já estava explícita em Freud a influência da concepção romântica de natureza trazida por Goethe e das teorias darwinistas que, mais tarde, viriam a contribuir enormemente com sua obra3:

“ ‘(...) as teorias de Darwin, que eram então de

interêsse cadente, atraíram-me fortemente (...) e foi o fato de ouvir o belo ensaio de Goethe sobre a Natureza (...) que fez que eu me decidisse a tornar-me estudante de Medicina.’ ”

(Freud citado por Jones, 1961, p.62)

Em 1973, na idade de dezessete anos, Freud ingressou na Universidade de Viena, onde permaneceu até 1881, quando concluiu seus estudos.

3

Ao recompor as origens da civilização em Totem e Tabu, Freud (1913) se baseou na horda primitiva postulada por Darwin.

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Durante sua formação, Freud não demonstrava grande interesse pela filosofia, mas chegou a freqüentar alguns cursos4 ministrados por Franz Brentano, precursor da fenomenologia.

O primeiro engajamento de Freud na pesquisa científica se deu durante algumas semanas de 1876, quando foi contemplado com uma bolsa de estudos na Estação Zoológica de Trieste. Nesta ocasião, investigou estruturas gonádicas e dissecou cerca de quatrocentas enguias.

Sua predileção, no entanto, eram as disciplinas de fisiologia, sob a responsabilidade do professor Brücke que, como sabemos, veio a se tornar “ ‘a autoridade maior que me [a Freud] influenciou acima de qualquer outra em toda a minha vida’ ” (Freud citado por Jones, 1961, p.63).

Com uma pesquisa sobre histologia das células nervosas, Freud ingressou no Instituto de Fisiologia chefiado por Bürke, neste mesmo ano de 1876. O laboratório constituía um expressivo representante da Escola de Helmholtz, responsável pela difusão de uma concepção evolutiva dos organismos, pautada na metodologia positivista das ciências naturais. Neste laboratório, Freud veio a desenvolver também pesquisas pioneiras na área da neurologia e conheceu personalidades importantes para a sua formação como, por exemplo, Dr. Joseph Breuer.

Em 1879, Freud foi convocado para o serviço militar que, segundo Jones (1961), chegava a ser um tanto entediante para os médicos, requisitados a fazer plantões em hospitais. Freud faltou a alguns deles, motivo que o levou a uma breve passagem na prisão, onde completou seu vigésimo quarto aniversário.

Para driblar a morosidade das obrigações militares e como uma alternativa econômica, diz Jones (1961), Freud fez o primeiro dos seus cinco trabalhos de tradução, de um livro de John Stuart Mill, quando teve a oportunidade de se aproximar, mais uma vez, da filosofia de Platão5.

Ao terminar seus exames finais, em 1881, com notas excelentes, Freud passou a trabalhar sistematicamente no laboratório de Bürke e foi promovido ao cargo de Demonstrador, que exigia alguns trabalhos didáticos. Esta experiência não lhe trazia

4

Curso de leitura de filosofia e sobre a lógica de Aristóteles. (Jones, 1960) 5

Em Além do Princípio do Prazer (1920), Freud aproveita algumas sugestões provenientes da filosofia de Platão. (Jones, 1961)

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nenhum estímulo econômico. No entanto, gratificava-o estar distante das atividades médicas – que, até então, não lhe despertavam nenhum grande interesse – e próximo das práticas de pesquisa, cujas novas descobertas o estimulam profundamente.

O ano de 1882 foi marcado por um grande salto em sua vida. O caminho para conquistar o cargo de Professor de Fisiologia, passando de Demonstrador para Assistente e de Professor Assistente para a Cadeira de Fisiologia, talvez fosse um percurso longo demais6. Estimulado pelo próprio mestre e por fortes razões econômicas7, Freud decide partir para uma outra área de investigação:

“ ‘Durante êsse período, eu já havia feito todos os

meus exames da carreira médica; mas não me interessava por coisa alguma que dissesse respeito à Medicina até que o professor a quem eu respeitava tão profundamente avisou-me que, em vista de minhas precárias circunstâncias materiais, eu não podia escolher uma carreira teórica. Dessa forma, passei da histologia do sistema nervoso à neuropatologia e então, estimulado por influências novas, comecei a interessar-me pelas neuroses.’ ” (Freud citado por Jones,

1961, p.63)

Nesta circunstância, Freud irá se voltar, não sem pesar, para a prática médica e ingressa então no Hospital Geral de Viena, onde permanece por três anos. Acrescenta-se a este ímpeto de mudança o fato dele ter conhecido e se apaixonado por Martha Bernays, sua futura esposa8.

Transcorridos quase dois meses na enfermaria cirúrgica, Freud conquista o cargo de

Aspirant – espécie de Assistente Clínico – na Divisão de Medicina Interna, chefiada pelo

rigoroso Dr. Nothnagel:

6

De fato, Freud estava com sessenta e nove anos quando o sucessor de Bürke veio a falecer. (Jones, 1961) 7

Nesta época, Freud se matinha graças à ajuda do pai e de amigos. (Jones, 1961) 8

“Embora Freud nunca mencionasse esse motivo causador da sua resolução, foi o mesmo, evidentemente, o

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“Freud o admirava e respeitava, mas não podia

acompanhar seu entusiasmo pela Medicina. Não alimentava entusiasmo maior em tratar os doentes nas enfermarias ou em estudar as doenças deles. Por essa época deve ter estado mais convencido do que nunca de que não havia nascido para médico.” (Jones, 1961, p.92)

Sete meses e meio depois, já em 1883, Freud segue para a Clínica Psiquiátrica chefiada pelo consagrado Dr. Meynert, onde é promovido para o posto de Sekundararzt, que corresponderia à residência clínica. Esta ocasião foi a primeira grande experiência de Freud com a psiquiatria, na qual ele descobriria algum interesse pelas lições de medicina. Passou a dormir no hospital, sendo que depois não voltaria mais a residir na casa dos pais.

Dr. Meynert era considerado o maior anatomista do cérebro, mas Freud guardava algumas ressalvas quanto à sua atuação como psiquiatra. Na verdade, Freud desconfiava dos procedimentos que definiam a prática da psiquiatria naquela época.

Ao entrar em contato com a chamada “Demência de Meynert” – psicose alucinatória aguda – Freud pôde observar alguns indícios do que mais tarde veio a formular como mecanismo do desejo, fundamento de sua concepção de homem.

Os oito meses neste setor – entre as enfermarias masculina e feminina – foram, segundo Jones (1961), bastante cansativos pois, além de sete horas diárias de trabalho, Freud ainda se embrenhava a estudar assiduamente a literatura sobre o tema.

A relação entre a sífilis e algumas doenças do sistema nervoso levou Freud a uma temporada de três meses no Departamento de Dermatologia:

“Lamentou, no entanto, pelo fato de que só

trabalhasse na enfermaria masculina e, dessa maneira, não podia observar as desordens ocorridas nas mulheres.”

(Jones, 1961, p.93)

No início do ano de 1884, Freud ingressa no Departamento de Doenças Nervosas, chefiada pelo Dr. Franz Scholz, cuja preocupação em manter baixo o nível dos gastos,

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escreve Jones (1961), levava a uma precariedade das condições da enfermaria. O local gozava de pouca higiene e, quando havia alguma emergência no período da noite, os médicos atendiam com lanterna, pois não havia instalação de gás em todos os aposentos. Além disso, Scholz encaminhava para outros setores os casos de doença nervosa, que exigiam um tratamento mais custoso, principalmente em relação à medicação.

Passado um semestre neste departamento, alguns médicos atenderam ao pedido do governo e se ofereceram voluntariamente para um trabalho de controle de epidemia de cólera na fronteira. A nova conjuntura do departamento levou Freud ao posto de Superintende, responsável por cento e seis pacientes internos e por uma equipe de dez enfermeiras e três médicos auxiliares. Evidentemente, os gastos do setor atingiram níveis mais elevados e as atividades médicas exibiram melhores resultados. Pouco mais de ano depois de ter ingressado no trato das doenças nervosas, Freud foi transferido, a pedido do Dr. Scholz, para o Departamento Oftalmológico, onde permaneceu por mais três meses. Segundo Jones (1961), esta transferência foi devida a divergências com Dr. Scholz acerca dos critérios de direção do hospital.

Em junho de 1885, Freud foi convidado para uma temporada num sanatório próximo a Viena, dirigido pelo professor Leidesdorf e, no mesmo ano, conquistou a posição de Professor Conferencista em Neuropatologia.

Após três anos de trabalho no Hospital Geral de Viena, Freud parte para Paris, graças à concessão de uma bolsa de pós-graduação. Na estadia de pouco mais de quatro meses, Freud entra em contato com o método da sugestão hipnótica desenvolvido por Charcot, responsável pela cátedra de Neuropatologia do Hospital de Salpêtrière. Freud irá utilizar este método durante um ano e meio, a partir de 1887.

Charcot foi responsável pela inserção dos sintomas histéricos – masculinos e femininos - dentro do quadro das doenças psiquiátricas. Até então, a histeria era tida como simulação ou fingimento. Antes ainda, durante a Idade Média, as manifestações histéricas eram consideradas bruxaria. Charcot atribuía o quadro clínico a uma causa estritamente orgânica. (Jones, 1961)

Freud segue então para uma breve passagem pela Clínica de Doenças Infantis, em Berlim e retorna à Viena em 1886, quando estabelece uma clínica de doenças nervosas, neste mesmo ano do seu casamento com Martha.

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Durante os anos de 1880 a 1882, Breuer, que Freud havia conhecido no Instituto de Fisiologia, era responsável pelo tratamento de Anna O., um caso clássico de histeria. Neste tratamento, Anna O. observou que se sentia aliviada quando relatava a Breuer os acontecimentos desagradáveis do seu dia, que incluíam episódios de alucinações. A este procedimento ela deu o nome de “cura pela conversação”, responsável, muitas vezes, pelo desaparecimento completo dos sintomas relatados.

Passado algum tempo, Breuer introduziu o “método catártico” que, com o recurso da indução hipnótica, interrogava acerca do evento traumático responsável pela doença. Mais tarde, entre 1893 e 1895, Freud e Breuer dissertam sobre o caso Anna O., dentre outros, e publicam juntos o Estudos Sobre a Histeria, texto que marca o início da psicanálise9.

Vale lembrar que 1885 foi um ano extremamente fértil na produção científica e artística do continente europeu: os irmãos Lumière inventaram o cinema, Marconi a radiotelefonia, Roentgen o raio X. Neste mesmo ano, se deu ainda a primeira edição da Bienal de Veneza. Esta conjuntura favorecia o questionamento dos códigos culturais estabelecidos até então, dentre eles, a tradição positivista:

“O reconhecimento da lógica das paixões, na esfera

da psicologia e da filosofia, talvez seja a marca distintiva dessa mutação. Não que ela fosse desconhecida até então: seria um absurdo pretender tal coisa. Mas, de um modo ou de outro, o afetivo havia permanecido como região à parte (...).” (Mezan, 2002, p.28)

Conforme explica Mezan (1998), Breuer e Freud compartilhavam a “teoria dos estados hipnóides”, segundo a qual a psique estaria fragmentada em diversos grupos distintos. Uma certa fragilidade congênita levava determinados grupos psíquicos a se dissociarem da consciência, causando o sintoma histérico. Acrescentava-se à causa orgânica o fator traumático, que desencadearia a doença.

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Durante os treze anos que se sucederam, foram vendidos 626 exemplares, dos 800 que haviam sido impressos. (Jones, 1961)

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O trauma seria decorrente de uma descarga emocional inadequada, na qual a catarse incidiria como correção associativa, através do uso da linguagem sobre o conteúdo reminiscente. Estava implícito o conceito de que cada idéia estaria acompanhada por uma carga de intensidade afetiva. (Mezan, 1998)

Foi no atendimento da Sra. Emmy von N. que Freud experimentou o método catártico. Não há registro da data deste tratamento, mas pode ter ocorrido, aproximadamente, entre 1888 e 1889. (Jones, 1961)

Em 1892, Freud se dedica ao acompanhamento da Srta Elisabeth von R., caso este que ele descreve como sua “primeira análise integral de histeria”, no qual viria a renunciar ao método catártico proposto por Breuer, assim como à sugestão hipnótica. (Freud, 1893-1895, p.164)

Neste trabalho, Freud irá propor a “técnica de concentração”, fundamentada na concepção de que as pacientes conheciam a origem patogênica de seus sintomas e que precisariam de um estímulo do médico, neste caso, uma simples pressão na testa, para que estas lembranças viessem à tona. O que impedia que estes conteúdos irrompessem espontaneamente era o caráter repulsivo que, provavelmente, desagradaria o médico. É a partir deste impasse que Freud vai empregar, pela primeira vez, o termo “resistência”, surgindo a orientação de que a paciente falasse tudo aquilo que viesse à sua mente, independente da censura. São os primórdios do método da associação livre, desenvolvido mais adiante. Seguem-se então os demais casos clássicos: Sra. Lucy R., Katharina, Srta Cäcilie M.. (Mezan, 1998; Jones, 1961)

A investigação da origem destes conteúdos que as pacientes tendiam a esquecer leva Freud a introduzir a relação entre o sintoma histérico e a sexualidade. Experiências ligadas à sexualidade ficariam guardadas como um traço mnêmico, associado a uma parcela de excitação. Mediante a ação do ego, o acúmulo de excitação seria desviado e convertido em sintoma, daí o termo “histeria de conversão”. (Mezan, 1998)

A descoberta da resistência10 e a hipótese da etiologia sexual das neuroses incentivaram Freud a questionar os tópicos desenvolvidos na Comunicação Preliminar (1893), que veio a constituir os Estudos Sobre a Histeria (1893-1895):

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“Na verdade, podemos dizer que a Psicanálise

consiste na demolição, peça por peça, do conteúdo da

Comunicação Preliminar. Aquilo que nela é essencial vai ser abandonado paulatinamente: primeiro a teoria dos estados hipnóides, depois o método catártico, e por fim a noção de que a histeria se funda na reminiscência.” (Mezan, 1998,

p.8)

A parceria entre Freud e Breuer teve fim em 1894 e se deve, principalmente, à relutância de Breuer em admitir a importância da etiologia sexual das neuroses:

“As relações entre eles naturalmente esfriaram;

qualquer tipo de cooperação não era mais possível, e a amizade pessoal de vinte anos sofreu um distanciamento.”

(Jones, 1961, p.263)

Na sociedade vienense da época, a clínica de Freud funcionou como um espaço privilegiado de escuta do discurso feminino, socialmente oprimido e pouco autorizado, sobretudo em relação à questão da sexualidade.

Como lugar fundante da psicanálise, a escuta da mulher “esteve presente em seu limiar e no limite extremo até onde chegou a experiência psicanalítica” (Fabbrini, 2002, p.42).

Tal ênfase levou à hipótese de que a psicanálise seria um “sintoma das mulheres” (Forrester, citado por Dimem, 1999), e à afirmação de que Freud e “o Feminino” teriam formado um “par sintomático” (Assoun, 1993, p.V).

Vejamos como Freud explicava a origem dos sintomas, a partir do que formulou como “teoria da sedução”, que esteve em vigor de 1895 a 1897. Segundo esta teoria, a origem da histeria estaria numa experiência real de sedução da criança – entre os três ou quatro anos de idade - por parte de um adulto. Durante a maturidade sexual, esta experiência traumática, conservada como traço mnêmico, seria reativada, desencadeado o

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sintoma. A “teoria da sedução” foi recebida com desconfiança pela comunidade médica e chegou a ser considerada um “conto de fadas científico”. (Mezan, 1998)

O questionamento desta formulação apareceu quando Freud começou a observar que muitos relatos da suposta experiência de sedução eram acompanhados de sensações de prazer. “Como poderia um evento traumático deste teor causar tais níveis de excitação?” – perguntava-se. Com estas observações, Freud passou a duvidar da realidade das histórias que lhe contavam suas pacientes: “Não acredito mais em minha neurótica”, confessa em carta de 21 de setembro de 1897, a Whilhelm Fliess, médico de Berlim, com quem se correspondeu durante longa data11.

Freud concluiu, então, que a sedução não era uma experiência necessariamente vivida, mas fantasiada. Era o fim da hipótese de sedução e a consolidação da etiologia sexual, não apenas da doença, mas também da chamada normalidade.

Data de 1898 a consolidação do método da associação livre, que caracteriza a atividade analítica. Este método foi sendo aprimorado paulatinamente:

“Freud encontrava-se ainda vinculado ao método de

insistir, exigir urgência e interrogar, que lhe parecia árduo, mas necessário. Numa ocasião histórica, no entanto, a paciente – Senhorita Elisabeth – censurou-o por interromper o fluxo de seus pensamentos com as suas perguntas. Aproveitou-se da reprimenda e, assim avançou mais um degrau em direção à associação livre.” (Jones, 1961, p.253)

Com base na experiência clínica, Freud passou a incentivar suas pacientes a discorrerem acerca de seus sintomas, sem interromper o fluxo das associações, de modo a evocar uma cadeia de idéias precedentes. Intuitivamente, Freud percebeu que, embora aparentemente desconexas, estas idéias pareciam compor algum sentido. Caberia ao analista organizar este material associativo e, junto ao paciente, desvelar a sua lógica.

11

Entre 1887 e 1902, Freud escrevia a Fliess quase que diariamente: “A correspondência com Fliess é assim uma espécie de making of da Traumdeutung, o filme paralelo que documenta peripécias, impasses e conflitos que acompanham a sua redação” (Mezan, 2002, p.19).

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As constantes dúvidas em relação ao dispositivo teórico que ele mesmo formulava, além das constatações clínicas que o intrigavam, conduziram Freud ao caminho da auto-análise, nas quais ele empreendia árduas investigações de seus próprios sonhos. Este procedimento, extensamente relatado na correspondência com Fliess, sugeria a existência de uma relação peculiar da criança com os pais que, mais tarde, veio a constituir a teoria do complexo de Édipo. Foram também os primeiros passos da elaboração da Interpretação dos

Sonhos (1900), obra de inigualável importância na consolidação da psicanálise.

André (1998) nos lembra que o início das formulações acerca do complexo de Édipo são imediatamente posteriores ao encontro original de Freud com o “real da mulher”, seja através da experiência clínica com a histeria – que revelava uma especificidade na relação com o pai -, seja por meio da auto-análise.

Em uma carta redigida para o mesmo correspondente, em 3 e 4 de outubro de 1897, Freud escreve acerca de sua iniciação sexual, precocemente incitada por sua babá – “uma mulher feia e mais velha” - e por sua mãe, quando, na ocasião de uma viagem, a viu nua pela primeira vez:

“Só posso dizer resumidamente que der Alte [referindo-se ao pai] não teve papel ativo no meu caso, a

partir de mim mesmo; que o ‘originador primordial’ [de

meus problemas] foi uma mulher feia e mais velha, mas

esperta, que me contou uma porção de coisas a respeito de Deus todo-poderoso e do inferno e que me deu uma opinião elevada acerca das minhas próprias capacidades; que, mais tarde (entre dois e dois anos e meio de idade), minha libido foi despertada para a matrem, isto é, por ocasião de uma viagem com ela de Leipzig a Viena, durante a qual devemos ter passado a noite juntos e devo ter tido oportunidade de vê-la nudam (...). Ainda não descobri nada a respeito das cenas que subjazem a toda essa história. Se elas vierem à luz e eu conseguir resolver minha própria histeria, serei grato à

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memória da velha senhora que me proporcionou, em idade tão precoce, os meios de viver e de prosseguir vivendo.”

Segundo André (1998), a lembrança deste evento traumático relativo ao corpo da mãe teria introduzido Freud na formulação do complexo de Édipo. Além disso, acrescenta, ao se queixar de sua precoce iniciação sexual, Freud se colocava no lugar da histérica, cuja queixa incidia na sedução pelo pai. Vamos vendo, mais uma vez, como a questão da mulher, expressa na clínica e na vida pessoal, fomenta o desenvolvimento da psicanálise.

2. O complexo de Édipo e a diferenciação entre os sexos

Eixo teórico da psicanálise, o complexo de Édipo é um conceito de grande polêmica no campo da psicanálise, assim como a questão da identidade sexual a ele associada.

Este item tem o objetivo de apresentar como a questão da diferenciação entre os sexos aparece na obra de Freud. Antes disso, porém, faz-se necessário apresentar o conceito freudiano de sexualidade que, como veremos, remete a duas tópicas distintas.

A reconstrução de um tema na obra de Freud é uma tarefa particularmente dispendiosa, posto que, em sua construção, os conceitos são permanentemente revistos e reformulados, quase sempre sem oferecer uma definição resolutiva e final:

“O movimento psicanalítico, assim configurado, pode ser comparado aos fluxos e refluxos dos grandes oceanos. Trata-se, pois, de algo que se repete, e é isto que a história do movimento psicanalítico tem mostrado com tanta contundência. Indubitavelmente, aos grandes avanços sucedem-se retornos que marcam, decisivamente, o curso seguido pela psicanálise.” (Farias,1996, p.52 )

(24)

A primeira tópica freudiana privilegia a questão da diferença entre o consciente12, pré-consciente13 e inconsciente14. Corresponde a uma linha teórica que se define, aproximadamente, a partir de A Interpretação dos Sonhos (1900). (Clément, 1975)

Segundo o “princípio de constância”, o sistema psíquico seria regulado no sentido de evitar o desprazer resultante do acúmulo de excitação. A descarga de excitação é tida como uma experiência de prazer e caracteriza o desejo, cujo movimento se dá a partir de uma força permanente. O prazer da descarga – atividade secundária - restabelece a

satisfação original, que outrora culminou numa alucinação do bebê com o seio materno:

“Não é sem boas razões que, para a criança, a

amamentação no seio materno toma-se modelar para todos os relacionamentos amorosos.” (Freud, 1905, p.210)

Freud recorre ao modelo das ciências biológicas – neste caso, o aparelho reflexo – para sistematizar e divulgar suas investigações. A questão da tendência biologicista na produção freudiana evoca divergências na crítica à psicanálise. Compartilhamos a posição de que, mesmo que amparado por tal modelo, ao longo de sua obra, Freud buscou um outro paradigma, no qual veio a constituir a psicanálise15.

Com base no estudo das neuroses e na própria experiência de auto-análise, Freud (1900) compreendeu que, assim como os sintomas, os sonhos constituem a realização de um desejo que a consciência hesita em reconhecer. O caminho da interpretação seria, portanto, a via de acesso aos conteúdos inconscientes. No texto Sobre a Psicopatologia da

Vida Cotidiana, Freud (1901) acrescenta os chistes e os atos falhos, ao lado dos sonhos e

sintomas.

12

“A) No sentido descritivo: qualidade momentânea que caracteriza as percepções externas e internas no

conjunto dos fenômenos psíquicos.

B) Segundo a teoria metapsicológica de Freud, a consciência seria a função de um sistema, o sistema percepção-consciência (Pc-Cs).” (Laplanche e Pontalis, 1982, p.93)

13

“(...) o sistema pré-consciente está situado entre o sistema inconsciente e a consciência; está separado do

primeiro pela censura, que procura barrar aos conteúdos inconscientes o caminho para o pré-consciente e para a consciência (...).” (Laplanche e Pontalis, 1982, p.350)

14

“É constituído por conteúdos recalcados aos quais foi recusado o acesso ao sistema

pré-consciente-consciente pela ação do recalque (...).”(Laplanche e Pontalis, 1982, p.235)

15

(25)

Sabemos que Freud utiliza o termo trieb (pulsão) em oposição ao termo instinkt (instinto), que produz a constância do mundo animal, onde todos os indivíduos de uma determinada espécie reagem de um mesmo modo a um determinado estímulo, pois são guiados pelo instinto. Já os seres humanos não funcionam desta maneira, posto que neles operam as representações. A concepção de pulsão traz, portanto, uma ruptura com o determinismo biológico:

“Por ‘pulsão’ podemos entender, a princípio, apenas

o representante psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui continuamente (...). Pulsão, portanto, é um dos conceitos da delimitação entre o anímico e o físico. (...) A fonte da pulsão é um processo excitatório num órgão, e seu alvo imediato consiste na supressão desse estímulo orgânico.” (Freud, 1905, p.159)

Além disso, ao contrário dos animais, os objetos do desejo são cambiáveis e não estão sujeitos a nenhuma ordem pré-estabelecida. Outra distinção importante é que, nos humanos, a sexualidade não está restrita ao órgão genital, mas pode se difundir por todo o corpo, o que caracteriza as “zonas erógenas como aparelhos acessórios e substitutos da genitália” (Freud, 1905, p.160). A libido seria então a manifestação da pulsão sexual.

A concepção de que a sexualidade está presente desde a infância talvez tenha sido o ponto mais polêmico que Freud apresentou à sociedade vienense de sua época:

“Faz parte da opinião popular sobre a pulsão sexual

que ela está ausente na infância e só desperta no período da vida designado puberdade. Mas esse não é apenas um erro qualquer, e sim um equívoco de graves conseqüências, pois é o principal culpado de nossa ignorância de hoje sobre as condições básicas da vida sexual.” (Freud, 1905, p.163)

Ao questionar o motivo pelo qual a sexualidade infantil é um tema tão pouco conhecido e trabalhado – além de ser tão pouco recordado pelos adultos – Freud (1905) irá

(26)

inferir que esta negligência se deve a ação de um tipo de amnésia, que afasta estes conteúdos da consciência: o recalcamento, tema bastante trabalhado em 1915 (Artigos

Sobre Metapsicologia), mas que receberá maior atenção na chamada segunda tópica.

Num primeiro momento do desenvolvimento humano, a pulsão estaria apoiada nas funções vitais, para depois se tornar independente delas. A manifestação sexual infantil é inicialmente auto-erótica e, como vimos, busca reeditar a satisfação experimentada com o seio materno:

“O alvo sexual da pulsão infantil consiste em

provocar a satisfação mediante a estimulação apropriada da zona erógena que de algum modo foi escolhida. Essa satisfação deve ter sido vivenciada antes para que reste daí uma necessidade de repeti-la (...).” (Freud, 1905, p.173)

A pulsão sexual infantil apresenta uma disposição perverso-polimorfa, já que, durante a infância, as restrições impostas pela moral ainda não operam. (Freud, 1905) Esta concepção fundamenta a ruptura com a “teoria da sedução” defendida anteriormente. (Prates, 2001)

Freud (1905) define as organizações pré-genitais, que não estariam, portanto, vinculadas aos órgãos reprodutores. São elas: a organização oral – envolve o aparelho digestivo superior e tem como modelo a alimentação; a organização sádico-anal – relativa ao controle esfincteriano, tem como modelo as atividades excretórias e reconhece a polaridade sexual, mas não como masculino/feminino e sim como ativo/passivo. Antes que a puberdade configure uma sexualidade genital, a criança atravessa um período de latência, no qual a pulsão sexual passa por uma relativa inibição, em vista das exigências sociais. A sexualidade adulta irá se configurar a partir destas manifestações durante a infância.

Somente em 1923, Freud irá acrescentar o estágio fálico da organização genital infantil, que reconhece a existência apenas do órgão masculino:

“O que está presente, portanto, não é uma primazia

(27)

Infelizmente, podemos descrever este estado de coisas apenas do ponto que afeta a criança do sexo masculino; os processos correspondentes na menina não conhecemos.”

(Freud, 1923, p.158)

A organização da sexualidade se daria, portanto, em torno de um referencial único: o falo. A questão da menina é apontada por Freud como uma interrogação, fato este que, como veremos, irá se repetir em outros textos.

Freud (1923) salienta que a pesquisa em psicanálise está sujeita a se isentar da constatação de algumas características universais. Esta omissão, entretanto, é reparada no decorrer do trabalho, pois, de algum modo, se torna eminente. Desta maneira, A

Organização Genital Infantil (1923) – além de outros textos e algumas notas de rodapé -

pretende reparar possíveis isenções nos ensaios de 1905.

André (1998) pontua dois momentos na abordagem freudiana acerca da diferença sexual. O primeiro momento, em 1905, quando, ao formular as teorias sexuais infantis, Freud coloca que o sexo feminino é ignorado e inominável:

“Para o menino, é natural presumir uma genitália

igual à sua em todas as pessoas que ele conhece, sendo-lhe impossível conjugar a falta dela com sua representação dessas outras pessoas.” (Freud, 1905, p.183-184)

O segundo momento, expresso em 1923, quando Freud introduz a fase fálica, potencializa o viés da teoria infantil e nomeia a falta através da castração.

Nesse sentido, André (1998) sugere que a obra freudiana apresenta um movimento no qual o real – no caso da questão da feminilidade, a falta de pênis - vai sendo substituído pelo simbólico, posto, então, pela teoria da castração e sua referência fálica.

Segundo Freud (1923), a fase fálica admite apenas a masculinidade e divide os seres humanos entre aqueles que possuem o pênis e aqueles que são castrados.

O interesse pela diferença sexual, primeiro estágio da fase fálica, apresenta especificidades no caso dos meninos e das meninas:

(28)

“Elas notam o pênis de um irmão ou companheiro de

brinquedo, notavelmente visível e de grandes proporções, e imediatamente o identificam com o correspondente superior de seu próprio órgão pequeno e imperceptível; dessa ocasião em diante caem vítimas da inveja do pênis. (...) Ela o viu, sabe que não o tem e quer tê-lo.” (Freud, 1925, p.280-281)

Neste caso, o clitóris funciona como um substituto do órgão perdido16, mas não evita a inveja do pênis e o desejo de ser um menino.

Problemas no desenvolvimento da feminilidade podem ocorrer, caso o chamado “complexo de masculinidade”17 não seja superado e permaneça a esperança de obter um pênis. Nesse sentido, três caminhos são possíveis: recusa do fato de ser castrada; sentimento de inferioridade e desprezo pelas mulheres em geral; desligamento com a mãe, acusada de ser responsável pela falta de pênis. (Freud, 1925)

Freud (1925) justifica que o ciúme, mais presente nas mulheres, é um deslocamento da inveja do pênis. Esta seria responsável também pelo fato das mulheres tolerarem menos a masturbação, pois ela acusaria a “inferioridade do clitóris”. Freud, entretanto, não escapa de uma ponderação:

“A experiência sem dúvida trará à tona inumeráveis

exceções a essa afirmativa [acerca da masturbação nas

mulheres] se tentarmos transformá-la em uma regra. As

reações de indivíduos humanos de ambos os sexos naturalmente se constituem em traços masculinos e femininos.” (Freud, 1925, p.283)

16

“(...) nas meninas, a zona geintal erógena dominante situa-se no clitóris e é, portanto, homóloga à zona

genital masculina, a glande.” (Freud, 1905, p.208)

17

Este tema já havia sido trabalhado em: FREUD, Sigmund. (1919). ‘Uma criança é espancada’ Uma

contribuição ao estudo da origem das perversões sexuais. in: Obras psicológicas completas de Sigmund

Freud, Edição Standard Brasileira, vol. XVII, p.193-220. Rio de Janeiro, Imago. Tradução: Salomão, Jaime, 1996.

(29)

Como a masturbação do clitóris é tida como uma atividade masculina, já que ativa, sua extinção é condição para o desenvolvimento da feminilidade:

“Muitas das manifestações posteriores da vida sexual

das mulheres permanecem ininteligíveis, a menos que esse poderoso motivo seja reconhecido.” (Freud, 1925, p.284)

Em contraste, quando o menino vê a região genital da menina:

“(...) começa por demonstrar irresolução ou falta de

interesse; não vê nada ou rejeita o que viu, abranda a expressão dele ou procura expedientes para colocá-lo de acordo com suas expectativas.” (Freud, 1925, p.281)

A força do investimento auto-erótico do menino no pênis, acrescida de preconceito18, torna impossível a concepção de um ser desprovido do órgão, o que leva a uma falsa percepção daquilo que vê. Diante da trágica visão, vem a esperança de que ali existe um pênis pequeno que ainda virá a crescer. A persistência da idéia de uma mulher com pênis, tema de alguns mitos e sonhos da vida adulta, poderá levar ao homossexualismo. (Freud, 1905)

Mais adiante um pouco, a visão dos genitais femininos leva a crer que aquele pênis que se supunha existir foi mutilado “e o força a acreditar na realidade da ameaça de que havia rido até então”. As reprimendas diante da masturbação reforçam a ameaça de castração. Estas circunstâncias levam a duas reações que, caso se tornem fixas, irão determinar a relação com as mulheres: “horror da criatura mutilada ou desprezo triunfante por elas” (Freud, 1925, p.281).

A primeira das teorias sexuais infantis é, como vimos, a de que todos têm um pênis. As meninas, por sua vez, o teriam perdido mediante a castração. (Freud, 1905)

18

“As palavras de um menino pequeno quando vê os genitais de sua irmãzinha demonstram que o seu

(30)

As demais teorias sexuais infantis se referem ao nascimento das crianças – pelo seio, pelo umbigo, pelo ânus, etc – e à concepção sádica da relação sexual. Mesmo assim, permanecem desconhecidos o papel do sêmem e a existência da vagina.

Mais tarde, veremos como a questão do não reconhecimento da vagina e da inveja do pênis foram recebidas por alguns críticos da psicanálise freudiana.

O texto de 1908, Sobre as Teorias Sexuais das Crianças, aponta sua importância na compreensão das neuroses e, até mesmo, dos mitos e contos de fadas. Há uma ressalva, entretanto, digna de nossas considerações:

“Em conseqüência de circunstâncias desfavoráveis de

natureza interna e externa, as observações que se seguem aplicam-se principalmente ao desenvolvimento sexual de apenas um sexo – isto é, o masculino.” (Freud, 1908, p.192)

É interessante observar que, freqüentemente, Freud pontuou o limite de suas investigações, muitas vezes restritas ao universo masculino. O autor reconheceu a dificuldade de discorrer sobre a mulher, sem oferecer uma resposta conclusiva que, supostamente, viesse a suturar suas interrogações.

Uma das primeiras grandes questões que a criança formula se refere à origem dos bebês19. Os pais e educadores apresentam dificuldade em tratar do tema e as explicações a partir das cegonhas (e repolhos) não resolvem a questão. As investigações infantis, que deveriam levar ao reconhecimento da vagina, são interrompidas com a teoria de que a mãe também possuiria um pênis. Além disso, estas investigações fornecem a base para as futuras pesquisas intelectuais e, segundo Freud (1908), contêm uma parcela de verdade.

O desconhecimento da vagina respalda a segunda teoria infantil do nascimento pelo ânus, negação da possibilidade exclusiva da mulher de dar à luz: os homens também poderiam fazê-lo, sem com isso serem femininos.

19

Em 1905, Freud apontou esta como sendo a primeira questão da criança, mas a afirmação é retificada em 1925, quando aponta que, pelo menos no caso das meninas, a curiosidade está voltada para a diferença entre os sexos.

(31)

A concepção sádica do coito constitui, como vimos, a terceira teoria sexual infantil. A observação acidental da relação sexual dos pais ou qualquer indício dela, leva a compreendê-la como uma imposição violenta do parceiro mais forte ao mais fraco.

A resolução do impasse da origem dos bebês encaminha a criança a reconhecer que só as mulheres podem parir. Este reconhecimento leva à constatação de que as mulheres, de fato, não foram prestigiadas com a concessão do pênis:

“Sabemos também em que grau a depreciação das

mulheres, o horror a elas e a disposição ao homossexualismo derivam da convicção final de que as mulheres não possuem pênis.” (Freud, 1923, p.160)

Com base na experiência clínica e na observação direta das crianças, Freud (1908) incrementa as teorias sexuais infantis apresentadas em 1905.

A polaridade sexual masculino – que reúne a posse do pênis e a atividade – e

feminino – que corresponde aos fatores de objeto e à passividade - se dá na puberdade,

quando a primazia dos genitais se põe a serviço da reprodução:

“A vagina é agora valorizada como lugar de abrigo

para o pênis; ingressa na herança do útero.” (Freud, 1923,

p.161)

Freud (1905) pressupôs que, originalmente, os seres humanos apresentam uma disposição bissexual inata. Em 1908, irá propor que o sintoma histérico remete a duas fantasias sexuais, uma de caráter masculino e outra de caráter feminino. (André, 1998) Posteriormente, em 1928, reforça que a bissexualidade é condição necessária para o desenvolvimento da neurose. É também esta disposição responsável pela dificuldade de se compreender claramente as escolhas objetais primitivas, assim como pela ambigüidade afetiva nas relações com os pais. (Freud, 1923)

Segundo André (1998), “o termo ‘bissexualidade’ constitui o significante original da obra freudiana” (p.18). Foram as diferenças na concepção deste termo que, em 1900, levaram Freud a romper com Fliess, seu amigo de longas cartas.

(32)

André (1998) sugere que o sonho de Freud (1900) da injeção de Irma foi um catalizador da ruptura com Fliess, pessoa a quem confiava responder as questões da mulher. Este sonho teria facilitado a ruptura, já que parece ter sido “seu primeiro encontro verdadeiro com o mistério da feminilidade” (André, 1998, p.46).

Fliess propôs uma relação simétrica invertida entre os sexos, além do que, estabeleceu uma relação entre o nariz e a genitália feminina, baseado na observação de que a menstruação – que não se reduzia as mulheres - produzia alterações no órgão olfativo. Para André (1998), Freud construiu a psicanálise num movimento de oposição à “teoria paranóica da relação sexual” desenvolvida por Fliess (André, 1998, p.37).

A análise de André (1998) propõe que a teoria da bissexualidade surge a partir da questão da mulher, pois permite a concepção da feminilidade, mesmo com o pressuposto da natureza masculina da libido:

“No ponto de origem da elaboração freudiana

referente à mulher está, pois, o significante ‘bissexualidade.’” (André, 1998, p.31)

Ainda que na infância se possa identificar uma tendência masculina e outra feminina, a sexualidade nas meninas teria um caráter masculino, já que a pulsão é sempre ativa e a libido é de natureza masculina:

“Estabelecemos o conceito de libido como uma força quantitativamente variável que poderia medir os processos e transformações ocorrentes no âmbito da excitação sexual. Diferenciamos essa libido, no tocante a sua origem particular, da energia que se supõe subjacente aos processos anímicos em geral, e assim lhe conferimos também um caráter qualitativo.” (Freud, 1905, p.205)

Este trecho aponta uma diferença fundamental entre a psicanálise e os trabalhos que vinham sendo desenvolvidos por C. G. Jung que, segundo Freud (1905), igualava o

(33)

conceito de libido com as pulsões em geral. A distinção apontada por Freud (1905) está fundamentada na hipótese de que a função sexual apresenta uma química específica.

As meninas, por sua vez, apresentam uma tendência maior ao recalcamento sexual que, num dado momento, deve incidir na sexualidade do clitóris, para que se possa abandonar esta parcela de sexualidade masculina. A transferência de zona erógena é acompanhada por um intervalo de tempo, no qual ocorre uma espécie de insensibilidade sexual, ou anestesiamento. Esta passagem justifica a maior propensão das mulheres para a neurose.

Características masculinas e femininas não existem em formas puras, mas apresentam-se mescladas nos traços psíquicos. (Freud, 1925) Esta distinção se torna mais evidente a partir da puberdade, quando a consolidação do primado das zonas genitais prepara o caminho para o encontro do objeto. (Freud, 1905)

Na primeira tópica freudiana, as pulsões estariam divididas em duas fontes20 principais: as pulsões sexuais e as pulsões do eu, ou de auto-conservação, reguladas segundo o “princípio do prazer”, que impede que a tensão interna exceda o limite do desprazer. (Fabbrini, 1999)

Os diferentes destinos da pulsão - recalque, sublimação, transformação no contrário e orientação para a própria pessoa - acabam por submeter os impulsos às polaridades fundamentais da vida psíquica: interno/externo, passividade/atividade, prazer/desprazer. (Prates, 2001)

A segunda tópica freudiana, de onde, segundo Clément (1975), derivam as correntes pós-freudianas, enfatiza as instâncias ego21, id22 e superego23, assim como a do recalque originário24, que funda a estrutura do inconsciente. (Fabbrini, 1999)

20

Freud irá caracterizar as pulsões segundo sua pressão, seu alvo, seu objeto e sua fonte. (Fabbrini, 1999) 21

“Do ponto de vista tópico, o ego está numa relação de dependência tanto para com as reivindicações do id, como para com os imperativos do superego e exigências da realidade. Embora se situe como mediador, encarregado dos interesses da totalidade da pessoa, a sua autonomia é apenas relativa.” (Laplanche e

Pontalis, 1982, p.124) 22

“O id constitui o pólo pulsional da personalidade. Os seus conteúdos, expressão psíquica das pulsões, são

inconscientes, por um lado hereditários e inatos e, por outro, recalcados e adquiridos.” (Laplanche e

Pontalis, 1982, p.219) 23

“Classicamente, o superego é definido como o herdeiro do complexo de Édipo; constitui-se por

interiorização das exigências e das interdições parentais.” (Laplanche e Pontalis, 1982, p.497-498)

24

“Processo hipotético descrito por Freud como o primeiro momento da operação do recalque. Tem como

efeito a formação de um certo número de representações inconscientes ou ‘recalcado originário’. Os núcleos inconscientes assim constituídos colaboram mais tarde no recalque propriamente dito pela atração que

(34)

O desenvolvimento do ego introduz uma nova ação psíquica: o narcisismo primário, que vem a substituir o auto-erotismo. (Freud, 1914) O conceito de narcisismo seria o marco da passagem para a segunda tópica. (Fabbrini, 1999)

No texto Sobre o Narcisismo: uma introdução, Freud (1914) faz referência a dois conceitos distintos: o ego ideal e o ideal de ego. O primeiro seria a onipotência do bebê, confirmada pelo olhar da mãe (narcisismo primário) e o segundo seria uma tentativa de retorno àquele gozo absoluto:

“Ele [o homem] não está disposto a renunciar à

perfeição narcísica de sua infância (...), procura recuperá-la sob a nova forma de um ego ideal. O que ele projeta diante de si como sendo seu ideal é o substituto do narcisismo perdido de sua infância na qual ele era seu próprio ideal.”

(Freud, 1914, p.100-101)

O olhar da mãe teria então a função de fornecer ao bebê uma imagem integradora, que contradiz a fragmentação do corpo que ele ainda experimenta. O ego ideal resultante funcionará como um modelo subjetivo que revela a distância entre aquilo que se apresenta e a imagem a que se gostaria de corresponder.

Estas vivências narcísicas irão promover um tipo de escolha objetal – forma de amar – diferente no homem e na mulher. A supervalorização sexual que o menino experimenta será transferida para o objeto sexual, determinando um “amor objetal completo do tipo de ligação”, no qual ocorre um empobrecimento do ego em favor do objeto amoroso. No caso das meninas, o desenvolvimento dos órgãos sexuais durante a puberdade leva a uma intensificação do narcisismo original, que desencoraja uma escolha objetal verdadeira. Conseqüentemente, para a mulher seria mais importante ser amada e permanecer na posição de objeto do investimento masculino. Freud (1914) esclarece, entretanto, que estas diferenças não são universais, mas admitem variações.

exercem sobre conteúdos a recalcar, conjuntamente com a repulsão proveniente das instâncias superiores.”

(35)

A experiência clínica e pessoal25 de Freud revelavam o fenômeno de uma espécie de compulsão a repetir uma situação, muitas vezes desprazeirosa. Esta revelação levou ao questionamento da origem destas moções, posto que remetiam a uma vivência desagradável.

A polaridade prazer/desprazer – eixo da primeira tópica - já não era mais suficiente para levar adiante suas especulações26. Fez-se necessário, então, a introdução de uma outra concepção de pulsão, que teria o objetivo de voltar ao estado inanimado, ausente de tensões. O princípio do prazer, aquela tendência a manter a excitação nos níveis mais baixos, opera agora em função da pulsão de morte27, na busca de retornar ao mundo inorgânico.

Experiências passadas, que em sua época não obtiveram a satisfação almejada, vêem à tona por meio da repetição. Estes sintomas são, portanto, a manifestação de um conflito recalcado.

A interrupção da satisfação original – representada pelo processo primário – se dá graças à ação do princípio de realidade:

“Esse último princípio não abandona a intenção de

fundamentalmente obter prazer; não obstante, exige e efetua o adiamento da satisfação, o abandono de uma série de possibilidades de obtê-la, e a tolerância temporária do desprazer como uma etapa no longo e indireto caminho para o prazer.” (Freud, 1920, p.20)

As tentativas seguintes de reedição do prazer postergado se dão mediante os

processos secundários, responsáveis também pela produção dos sonhos.

Esta reformulação é acompanhada de expressivas alterações metodológicas:

25

Estamos nos referindo ao contato que Freud (1920) teve com uma criança, que brincava repetidamente de esconder e reencontrar um carretel de linha, brincadeira esta que chamou, em alemão, de fort da (fort: ir embora, da: ali).

26

“O que se segue é especulação, amiúde especulação forçada, que o leitor tomará em consideração ou porá

de lado, de acordo com sua predileção individual.” Freud, 1920, p.35

27

(36)

“Vinte e cinco anos de intenso trabalho tiveram por

resultado que os objetivos imediatos da psicanálise sejam hoje diferentes do que eram no começo. A princípio, o médico que analisava não podia fazer mais do que descobrir o material inconsciente oculto para o paciente, reuni-lo e no momento oportuno comunicá-lo a este. A psicanálise era então, primeiro e acima de tudo, uma arte interpretativa. Uma vez que isso não solucionava o problema terapêutico, um outro objetivo rapidamente surgiu à vista: obrigar o paciente a confirmar a construção teórica do analista com sua própria memória.” (Freud, 1920, p.29)

A experiência vivida durante a infância reaparecia então na situação clínica, transferência28 esta que o analista deve sustentar. Para que o trabalho analítico acontecesse, no entanto, era preciso que o paciente pudesse se apropriar dos conteúdos da interpretação propostos pelo psicanalista, processo este que revelava a ação de um outro fenômeno: o da resistência. A diminuição das resistências, ou seja, dos obstáculos que freiam o processo analítico, se daria, portanto, mediante o manejo da transferência. Ao contrário do que se poderia imaginar, adverte Freud (1920), a resistência não provinha do inconsciente, mas da própria ação do ego.

Feitas algumas considerações sobre aspectos da teoria freudiana e apontadas as conseqüências psíquicas da diferença sexual, passaremos agora à compreensão do modo como essa diferença repercute no chamado complexo de Édipo.

Segundo Bleichmar (1984), Freud apresenta três formulações29 acerca do complexo de Édipo. A primeira teve início em uma carta a Fliess (15 de outubro de 1897) e compreende o capítulo V da Interpretação de Sonhos (1900) e Um Tipo Especial da

Escolha de Objeto Feita Pelos Homens (1910). A segunda formulação foi apresentada em Psicologia de Grupo e Análise do Ego (1921) – capítulo VII - e em O Ego e o Id (1923) –

28

Deriva daí o termo neurose de transferência. “O que a psicanálise revela nos fenômenos de transferência

dos neuróticos, também pode ser observado nas vidas de certas pessoas normais.” (Freud, 1920, p.32)

29

“Quando dizemos que existem três momentos ou três formulações de Freud, estamos nos referindo àqueles

lugares da obra em que ele tenta explicitar uma teoria com a qual está trabalhando. (...) algumas das formulações são incompletas em relação ao trabalho que Freud apresenta (...).” (Bleichmar, 1984, p.9)

(37)

capítulo III. Finalmente, o terceiro momento começa com A Organização Genital Infantil (1923) e termina com o texto Sexualidade Feminina (1931).

Estas formulações estariam baseadas em dois modos distintos de conceber o funcionamento psíquico. Ao primeiro modo Bleichmar (1984) chama de teoria do determinismo, segundo a qual existiria no humano uma formação prévia estruturante, que organiza a ação de um agente externo. Nesse sentido, o complexo de Édipo, uma formação pré-existente e, portanto, biologicamente determinada, orientaria a relação do menino com seus pais. O outro modo apresenta um enfoque intersubjetivo, no qual não existiriam entidades pré-determinadas, mas que se estabelecem num processo de inter-relação e assumem um caráter estrutural. (Bleichmar, 1984)

Vejamos um trecho da carta a Fliess, datada de 15 de outubro de 1897. Com base na experiência de auto-análise que Freud realizava com grande empenho, escreve:

“Verifiquei, também no meu caso, a paixão pela mãe

e o ciúme do pai, e agora considero isso como um evento universal do início da infância (...). Mas a lenda grega [Oedipus Rex] capta uma compulsão que toda pessoa reconhece porque sente sua presença dentro de si mesma. Cada pessoa da platéia foi, um dia, em germe ou na fantasia, exatamente um Édipo como esse, e cada qual recua, horrorizada, diante da realização de sonho aqui transposta para a realidade, com toda a carga de recalcamento que separa seu estado infantil do seu estado atual.”

O termo “complexo de Édipo” foi utilizado pela primeira vez em 1910, no texto Um

Tipo Especial da escolha de Objeto Feita Pelos Homens:

“Ele [o menino] começa a desejar a mãe para si

mesmo, no sentido com o qual, há pouco, acabou de se inteirar, e a odiar, de nova forma, o pai como um rival que

(38)

impede esse desejo; passa, como dizemos, ao controle do complexo de Édipo.” (Freud, 1910, p. 176-177)

No primeiro momento, a teoria do Édipo considera a experiência vivida pelo menino no complexo dito positivo: amor pelo progenitor do sexo contrário e ciúmes por aquele do mesmo sexo. (Freud , 1910)

A expressão “complexo” já vinha sendo trabalhada por Gustav Jung para designar “um conjunto de idéias carregadas afetivamente e que era capaz de conduzir o curso associativo” (Bleichmar, 1984, p.10).

O texto Psicologia de Grupo e Análise do Ego (1921), segundo momento da exposição de Freud, traz uma questão nova para o entendimento do complexo de Édipo, a saber, a questão das identificações com as imagos parentais, que definem a identidade sexual e propiciam o desenvolvimento dos mecanismo de defesa:

“A identificação é conhecida pela psicanálise como

a mais remota expressão de um laço emocional com outra pessoa. Ela desempenha um papel na história primitiva do complexo de Édipo. Um menino mostrará interessa especial pelo pai; gostaria de crescer como ele, ser como ele e tomar seu lugar em tudo. Podemos simplesmente dizer que toma o pai como seu ideal.” (Freud, 1921, p.115)

A partir desta citação, vemos como o sujeito, no caso, o menino, não é uma formação pré-existente, mas se constitui a partir da relação com as figuras parentais, no exemplo, com o pai. Freud estaria esboçando uma saída da perspectiva biológica – que caracteriza o primeiro momento - para a cultural.

A identidade sexual já não seria um dado, mas um constructo que deve considerar a configuração edípica triangular e a constituição bissexual dos indivíduos. (Freud, 1923)

Desta maneira, o modo como meninos e meninas se articulam no complexo de Édipo é, neste momento da produção freudiana, considerado análogo:

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“De maneira precisamente análoga, o desfecho da

atitude edipiana numa menininha pode ser uma intensificação de sua identificação com a mãe (ou a instalação de tal identificação pela primeira vez) – resultado que fixará o caráter feminino da criança.” (Freud, 1923,

p.45)

Introduzida a influência da disposição bissexual, este modo como as coisas deveriam se apresentar pode aparecer invertido, ou seja, o menino passa a desejar o pai e a odiar a mãe, sem, no entanto, comprometer a identificação com a posição masculina. Também no caso da menina a situação pode aparecer invertida, o que configura a forma negativa do complexo. (Freud, 1923)

O terceiro momento freudiano acerca do complexo de Édipo irá apresentar uma diferença fundamental entre a formulação masculina e feminina, que antes eram tidas como equivalentes. A partir daí, a castração passa a ser o ponto para onde converge o complexo edípico.

Sabemos que o complexo de Édipo corresponde à fase fálica. Lembramos que, neste período, o menino acaba de conceber a castração das meninas, o que leva ao temor de que o mesmo possa ocorrer com ele também. Esta concepção é responsável pelo abandono do complexo de Édipo. O menino teme que, se permanecer no laço edípico com mãe, possa ser punido através da castração. (Freud, 1924)

No caso das meninas, entretanto, a problemática do complexo de Édipo passa a colocar algumas questões que justificam a investigação de Freud. Se a mãe é o primeiro objeto de todas as crianças, o que levaria então a menina a abandonar esta relação e direcioná-la ao pai? Esta questão leva Freud (1925) a formular o Édipo feminino como uma formação secundária, subseqüente ao que ele irá chamar de “pré-história da relação edipiana”, caracterizada pelo laço libidinoso com a mãe. O que levaria, portanto, a menina em direção ao Édipo não poderia ser outra coisa, senão o seu complexo de castração, pois o desejo de ter um pênis é deslocado então para o desejo de ter um filho do pai. Caso a ligação com o pai se transforme numa identificação com ele, a menina pode retornar ao complexo de masculinidade e permanecer fixada nele.

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A questão da castração passa a ser o eixo que diferencia o Édipo da menina e do menino:

“Enquanto, nos meninos, o complexo de Édipo é destruído pelo complexo de castração, nas meninas ele se faz possível e é introduzido através do complexo de castração.” (Freud, 1925,

p.285)

Freud (1925) irá se perguntar o que levaria então a menininha a abandonar o complexo de Édipo, já que ela não teria mesmo nada mais a perder. Neste caso, a relação edípica pode ser lentamente abandonada ou reprimida, mas seus efeitos podem persistir na vida mental adulta das mulheres. Outra conseqüência para as meninas está no seu superego, herdeiro do complexo de Édipo, responsável pela internalização da lei que proíbe o incesto30:

“Seu superego nunca é tão inexorável, tão impessoal,

tão independente de suas origens emocionais como exigimos que o seja nos homens. Os traços de caráter que os críticos de todas as épocas erigiram contra as mulheres – que demonstram menor senso de justiça que os homens, que estão menos aptas a submeter-se às grandes exigências da vida, que são amiúde influenciadas em seus julgamentos por sentimentos de afeição ou hostilidade – todos eles seriam amplamente explicados pela modificação na formação de seu superego que acima inferimos. Não devemos nos permitir ser desviados de tais conclusões pelas negações dos feministas, que estão ansiosos por nos forçar a encarar os dois sexos como completamente iguais em posição e valor; mas, naturalmente, concordaremos de boa vontade que a maioria dos homens também está muito aquém do ideal masculino

(...)” (Freud, 1925, p.286)

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