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CRÍTICAS, DIVERGÊNCIAS (E CONVERGÊNCIAS) ENTRE AS ABORDAGENS

2 ABORDAGENS TEÓRICAS DA ECONOMIA REGIONAL

3. ABORDAGENS TEÓRICAS BASEADAS EM FATORES AGLOMERATIVOS E POLARIZADORES

3.5 CRÍTICAS, DIVERGÊNCIAS (E CONVERGÊNCIAS) ENTRE AS ABORDAGENS

A respeito dos polos de crescimento, embora tenham subsidiado a formulação de políticas de desenvolvimento por muitas partes do mundo, mesmo na década de 1970 já havia severas criticas a essa estratégia. Uma delas foi proferida por Blaug (1977), que centra sua argumentação em dois pontos: o nível de generalização dos conceitos apresentados e o que Barbosa (1977) chama de ‘ausência de truísmo’, isto é, um conjunto de proposições não refutáveis. Soma-se a isso o fato de que muitas das aplicações dos polos resultaram em fracassos que, frequentemente, são associados a ‘catedrais no deserto’, expressão usada para se referir a obras grandiosas incapazes de revitalizar as regiões nas quais foram instaladas.

Nas considerações de Lima e Simões (2009), a economia de um país seria uma combinação de conjuntos relativamente ativos (indústrias motrizes, polos de indústria e de atividades geograficamente concentradas) e de conjuntos relativamente passivos (indústrias movidas, regiões dependentes dos polos geograficamente concentrados), sendo que os primeiros induzem fenômenos de crescimento nos segundos. Disto, seriam geradas duas análises do crescimento: a primeira seria a possibilidade de conflito entre espaços econômicos de grandes unidades econômicas e os espaços dos Estados Nacionais, organizados politicamente, já que estes dois espaços não são coincidentes; a segunda consequência é que a implementação de políticas nacionais ultrapassadas podem ocasionar desperdícios capazes de prejudicar o desenvolvimento.

No entanto, acrescentam os autores, uma série de desequilíbrios econômicos e sociais poderia surgir com a implantação de um polo de desenvolvimento, já que salários e rendimentos seriam distribuídos sem, necessariamente, aumentar a produção local de bens de consumo. Também, poderia haver transferência de mão de obra sem, contudo, conferir a esta um novo enquadramento social, além de haver concentração de investimento e inovação sem que haja, obrigatoriamente, alargamento das vantagens de outros locais nos quais o desenvolvimento poderia ser retardado.

A esse respeito, Perroux (1967, p. 194) diz:

O crescimento e o desenvolvimento dum conjunto de territórios e de populações não serão, por conseguinte, conseguidos senão através da organização consciente do meio de propagação dos efeitos do polo de desenvolvimento. São órgãos de interesse geral que transformam o crescimento duma indústria ou duma atividade em crescimento duma nação em vias de formação e os desenvolvimentos anárquicos em desenvolvimento ordenado.

Destas considerações, conclui-se que, objetivando alcançar o desenvolvimento econômico, seria necessária a existência de transformações de ordem mental e social em uma população, possibilitando o crescimento do produto real. Em outras palavras, segundo Lima e Simões (2009), seria necessário, para que se alcance o desenvolvimento, o despertar das multidões.

Apesar do conceito de polo de desenvolvimento ser diferente do conceito de base econômica – já que aquele se preocupa mais com a dinâmica do processo de desenvolvimento –, Santos et al. (2004, p. 59) veem uma relação de complementaridade entre os polos de desenvolvimento e a base de exportação, na medida em que os polos

seriam definidos como “uma base econômica sustentável que cresce ou gera renda na região, centralizando e concentrando [...] atividades que dilatam a restrição externa regional, por serem diretamente exportadoras ou por serem atividades de serviços e infraestrutura que atendem a demanda da própria região, promovendo sua competitividade”.

Assim, os polos seriam uma base econômica que, através do seu dinamismo superior, promove o crescimento da escala econômica, concentrando e centralizando as atividades de serviço e infraestrutura capazes de fortalecer a competitividade e a atratividade, o que gera desenvolvimento a toda a região. Os autores concluem afirmando que os polos geralmente surgem com base nos investimentos em setores exportadores, de gastos públicos cada vez maiores ou de um investimento em infraestrutura, e estas ações tornam a região um nó logístico, sendo também privilegiada em mão de obra especializada ou um centro que oferta serviços de alta escala comercial para uma região maior.

Muito embora tenha se constituído num significativo avanço nas teorias do desenvolvimento regional, alguns aspectos negativos podem ser observados na teoria dos polos. Um primeiro ponto, apontado por Matos (2000), é que não ficam claros, na teoria, as escolhas da localização e o processo de desenvolvimento regional. Ademais, torna-se forçoso conceber que, de uma grande empresa, dependa o desenvolvimento das regiões periféricas.

A despeito disto, é preciso reconhecer que Perroux sugere importantes questões como a própria problemática teórica da indústria-motriz, conforme aponta Lemos (1988), e suas relações com a questão espacial, juntamente com a sua ‘teoria geral da dominação’, associada aos polos, e sua relação com os estados nacionais.

A intervenção pública se daria no intuito de proporcionar à localidade periférica infraestruturas, equipamento, empresas públicas de grande dimensão e serviços que dariam condições a ela de aumentar suas receitas fiscais, contribuindo também para a melhoria do ambiente empresarial, levando, assim, a efeitos cumulativos positivos. Estas políticas, segundo Santos et al. (2004), poderiam ser de três tipos: política industrial regional, política nacional de distribuição regional de renda e política de investimento público em universalização de infraestrutura e serviços públicos

A respeito da causação circular e cumulativa, Lemos (1988), argumenta que uma das principais limitações seria a intervenção pública. Myrdal, segundo esta visão, não

conseguiria identificar teoricamente os fatores capazes de reduzir ou acabar com a concentração regional, recorrendo, por exemplo, a fatores exógenos, no caso, a política intervencionista. Ademais, segundo Lemos (1988), Myrdal teria dificuldades em delimitar as possibilidades teóricas do crescimento de novos centros econômicos alternativos capazes de permitir uma desconcentração, ou ao menos, redução da concentração regional.

Hirschman e Myrdal trataram, em seus principais trabalhos, dos mesmos elementos para elaborar as suas teorias. Porém, como o próprio Hirschman coloca, haveria diferenças consideráveis entre as suas ideias e as de Myrdal, já que, para ele, os dois principais efeitos analisados pelos autores (efeitos dispersão e concentração, em Myrdal, e efeitos de polarização e de fluência, em Hirschman) seriam correspondentes, mas com diferenças consideráveis de ênfase e conclusões. Como coloca Hirschman (1961, p. 281):

A análise de Myrdal nos parece excessivamente lúgubre, depressiva. Em primeiro lugar, deixa de reconhecer que o aparecimento de polos de desenvolvimento e consequentemente de diferenças de desenvolvimento entre regiões e entre nações é inevitável, sendo uma condição de desenvolvimento adicional em qualquer parte.

Em segundo, a sua preocupação com o processo de causa cumulativa impede-o de ver a emergência das forças potentes que promovem sempre um circuito, uma vez que o movimento da polarização Norte-Sul5, no âmbito de um país, prossiga por algum tempo. Finalmente, o quadro que pinta da transmissão internacional do desenvolvimento é, na nossa opinião, por demais sombrio, de vez que ele faz vistas largas a que os efeitos de polarização (represados) sejam muito mais fracos entre as nações que entre as regiões de um mesmo país.

Hirschman, no entanto, concorda com Myrdal sobre a importância das forças políticas na tentativa de redução das desigualdades regionais dentro do mesmo país, bem como a necessidade de que existam as mesmas forças no âmbito internacional para ajudar a reduzir estas disparidades entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

A despeito disso, Lemos (1988) argumenta que a diferença básica entre os dois autores estaria no fato de que Hirschman ainda acreditaria nos efeitos de fluência como capazes de superar os efeitos de polarização. Assim, as divergências entre Hirschman e Myrdal, embora importantes, seriam muito mais de ênfase do que por diferenças teóricas significativas. Mesmo que Myrdal defenda mais a tendência à concentração, e Hirschman o efeito fluência, “a divergência entre ambos acaba ficando no plano meramente opinativo,

5 Hirschman usou o exemplo em que, num país, o Norte seria a região desenvolvida, e o Sul, a região atrasada.

onde prevalece a intuição num contexto perfeitamente teorizável” (LEMOS, 1988, p. 411-12).

Já Silva (2008) enxerga como grande contribuição de Myrdal e Hirschman o fato de terem sido os primeiros autores a citar fatores de natureza não econômica como explicativos dos processos de desenvolvimento e crescimento regional. Por exemplo, Myrdal enfoca a qualidade dos fatores de produção como essenciais no desenvolvimento, realçando a qualificação da mão de obra, a comunicação, a consciência de crescimento e vizinhança e o empreendedorismo. Esses fatores só ganhariam destaque na literatura do desenvolvimento regional muito mais tarde. Por outro lado, Hirschman destaca aspectos não pecuniários dos efeitos propulsores e regressivos, principalmente ao explicar a natureza antropológica do desenvolvimento, e também quando discute a contribuição de Joseph Schumpeter e a questão do empreendedor.

A respeito da teoria da base de exportação, as principais críticas feitas à teoria de North residem no fato de que este atribui importância excessiva ao papel das exportações para o desenvolvimento regional, sendo a mais conhecida encontrada em Tiebout (1977a), respondida por North (1977b) e rebatida pelo mesmo Tiebout (1977b). Este autor assevera que a importância das exportações para o desenvolvimento regional tende a decrescer à medida que a região cresce.

Lemos (1988) reconhece o mérito metodológico de North quanto à análise inicial das vinculações entre a teoria tradicional da localização e o crescimento regional. E discorda das críticas feitas por Tiebout, argumentando que a proposição de North, mesmo considerando suas limitações, seria nítida e objetivamente uma proposição de estudo da dinâmica regional, devendo ser analisada e criticada com tal. Ademais, sugere que a crítica de Tiebout não seria uma crítica a um texto ‘espacial’, considerando que este autor se afasta deste paradigma. Assim, na visão de Lemos (1988, p. 439), “pode-se considerar que, enquanto North (e sua teoria) pode incorrer, em princípio, em acertos e erros, Tiebout, pela sua crítica, está fundamentalmente errado ao pretender criticar um texto espacial com categorias não-espaciais”.

Apesar de não concordar com as críticas de Tiebout, Lemos (1988) considera alguns aspectos da teoria de North inadequados, como aquele apresentado em sua réplica (North, 1977b) à crítica do mesmo Tiebout, quando defende a sua teoria, que incorporaria uma análise de longo prazo, diferentemente do que argumentava seu oponente. Na visão de

Lemos (1988), as variáveis utilizadas na análise da renda são de uso limitado no estudo do crescimento a longo prazo.

De igual modo, Monasterio e Cavalcante (2011) observam que a superestimação dos efeitos das exportações regionais tende a fazer com que não se reconheça, devidamente, que as regiões importam insumos do resto do país (e até do mundo). Assim, baseadas na crença demasiada no poder da teoria da base, as importações regionais são vistas com maus olhos, e se esquece que estas têm papel fundamental no bem-estar dos moradores de uma região e no aumento ou manutenção da competitividade regional.

No entanto, Lemos (2006) diz que o conceito de base de exportação regional, ao distinguir os bens de exportação dos bens de consumo residencial, apresenta-se como a especialização produtiva regional com vantagens comparativas que a torna exportável para outras regiões. A renda regional e seu crescimento seriam função da base exportadora e de seus crescimento, enquanto as atividades residenciais aumentariam em função do crescimento da renda regional. A área de mercado atingida pela produção da base ultrapassaria a centralidade urbana regional, dando-lhe vitalidade como força motora do crescimento do todo regional.

Em adição a isso, segundo o autor, o conceito de polarização econômica complementaria o de base exportadora na constituição do conceito de região, já que este conceito suporia um nível de polarização do polo irradiador de demanda induzida no espaço. Sendo a polarização entendida como a dominação no espaço capaz de estabelecer encadeamentos de compras e vendas em um espaço geograficamente delimitado (através da indústria motriz e empresa motriz), haveria forte complementaridade produtiva via trocas intra regionais, o que possibilitaria a endogeneização dos efeitos de encadeamento no espaço localizado regional.

A relação entre os conceitos de polarização econômica e base de exportação estaria assim estabelecida:

Podemos articular esta ideia [de polariazação] à da teoria da base, se supusermos que esta complementaridade integra as atividades da base em si e as atividades residenciais com os requisitos de ‘insumos urbanos’ da base, especialmente os serviços e a força de trabalho do mercado regional constituído. Os ‘vazamentos’ – ou seja, os efeitos não endogeneizados regionalmente – representam as trocas inter-regionais, que viabilizam as exportações da região e possibilitam suas importações de insumos complementares e, assim, permitem apropriar os benefícios da difusão inter-regional de conhecimento tecnológico (LEMOS, 2006, p. 179).

Desta forma, poderia se formar um ambiente regional constituído por aglomerações produtivas, que geram economias externas de escala através de interdependências setoriais e complementaridades produtivas da rede urbana regional. Esta rede urbana criaria um mecanismo de retroalimentação, ligando a sua base exportadora, o crescimento regional e as atividades residenciais.