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REDES, INFLUÊNCIA E CIRCUITOS URBANOS

4 A ECONOMIA URBANA

4.2 REDES, INFLUÊNCIA E CIRCUITOS URBANOS

De acordo com Alves (2009), as redes urbanas são construídas entre aqueles centros capazes de escolher parceiros qualificados, a fim de produzirem em conjunto ou para estabelecer uma relação clientelar, e isso não dependeria da distância. As redes, então, não seriam constituídas entre aqueles que mantêm dependência ou interdependência baseada apenas na dimensão. De acordo com o autor, isso ajudaria a entender como cidades competitivas como Londres, Frankfurt ou Tóquio exercem funções altamente qualificadas e outras cidades de igual porte, como Cidade do México, Nova Délhi ou Cairo, não.

O autor ainda coloca que a natureza da hierarquia deixa de se caracterizar pela dimensão e pela funcionalidade, passando a sê-lo pela capacidade de estabelecer relações, ou seja, redes:

A hierarquia tradicional dos centros urbanos começa hoje a ser substituída por uma hierarquia de rede, com vários níveis. No primeiro podem situar-se as ‘cidades mundiais’ exercendo funções de âmbito mundial (financeiras, diplomáticas, de informação e de controlo); no segundo nível surgem as ‘cidades nacionais especializadas’ que procuram captar, a nível mundial, partes de mercado altamente especializadas e mantêm, entre si, relações de complementaridade; no último encontram-se as ‘cidades regionais especializadas’, que estabelecem entre si, também, relações de complementaridade, aspirando a ocupar partes de mercados supra-regionais, mas não necessariamente mundiais (ALVES, 2009, p. 132).

Diversas e importantes pesquisas a respeito da rede urbana e as regiões de influência das cidades têm surgido no Brasil. Os principais elementos considerados, segundo Fresca (2009), foram:

a) Alterações no padrão de consumo;

b) Arranjo espacial da rede de centros;

c) Caráter temporário do seu funcionamento;

d) Ausência de níveis intermediários de centros em uma rede de localidades centrais;

e) Composição dos bens e serviços ofertados, dimensão da área de influência e volume da população servida pelos centros de mesmo nível hierárquico;

f) Existência de dois circuitos na rede, o inferior e o superior.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) elaborou importantes pesquisas baseadas nestes referenciais, como a Divisão do Brasil em regiões funcionais urbanas, em 1972, e três trabalhos intitulados Regiões de Influência das cidades (Regic), em 1987, 1993 e 2007. O trabalho de 1972 ajudou no entendimento da dinâmica da rede nacional e forneceu importantes elementos para o planejamento governamental, dando embasamento para a institucionalização das primeiras regiões metropolitanas no Brasil.

O primeiro trabalho visando mapear as regiões de influência das cidades, em 1987, apoiou-se na Teoria dos Lugares Centrais (TLC), considerando apoiou-seis níveis de hierarquia (metrópole, centro submetropolitano, capital regional, centro sub-regional, centro de zona e centros locais – denominados de municípios subordinados), enfatizando, somente, a distribuição de bens e serviços.

O segundo Regic, de 1993, também se apoiou na TLC. Incorporou discussões sobre redes geográficas e a questão dos fluxos e das interações espaciais baseadas na maior diversidade de bens e serviços ofertados pelos núcleos urbanos – os de baixa, média e elevada complexidade – correlatos à ampliação da produção e consumo, buscando-se a compreensão dos fluxos. Oito níveis de centralidade foram estabelecidos:

a) Máximo (metrópole);

b) Muito forte (submetrópole);

c) Forte (predominantemente de capital regional);

d) Forte para médio (predominantemente centro sub-regional);

e) Médio (tendendo a centro sub-regional);

f) Médio para fraco (predominantemente de centro de zona);

g) Fraco (tendendo a centro de zona);

h) Muito fraco (municípios subordinados).

A última versão da Regic, de 2007, inovou ao incorporar novas interpretações e variáveis para melhor entender a rede urbana brasileira. Ampliou-se a organização em redes dos mais variados tipos – cujos nós são as cidades –, possibilitando a difusão de atividades e funções urbanas para os mais distintos núcleos urbanos facilitados pelas necessidades à sua instalação. Estes referenciais permitiram a compreensão de que o sistema urbano brasileiro, atualmente, se dá considerando-se localidades centrais com seus fluxos materiais e suas correspondentes áreas de influência e um sistema reticular. As cidades mantiveram relações horizontais, de complementaridade, definidas pela especialização produtiva, pela divisão funcional e pela oferta diferencial de serviços.

Visando identificar centros de gestão do território, este estudo utilizou variáveis que não estavam presentes nos estudos anteriores. Estes centros seriam as cidades que abrigam grande variedade de órgãos do Estado e sedes de empresas que tomam decisões que afetam, de algum modo, um dado espaço. Apresentam serviços capazes de dotar uma cidade de centralidade, como informações de ligações aéreas, de deslocamentos para internações hospitalares, das áreas de cobertura das emissoras de televisão, da oferta de ensino superior, da diversidade de atividades comerciais e de serviços, da oferta de serviços bancários, e da presença de domínios de internet.

A hierarquia dos centros urbanos estabelecida na Regic de 2007 estabeleceu:

a) Metrópoles subdivididas em grande metrópole nacional, metrópole nacional e metrópole;

b) Capitais regionais subdivididas em A, B, e C;

c) Centros subregionais subdivididos em A e B;

d) Centros de zona subdivididos em A e B;

e) Centros locais, envolvendo as 4.473 cidades restantes, com centralidade exercida predominantemente em seus limites municipais e população inferior a 10 mil habitantes.

Na visão de Fresca (2009), este estudo apontou avanços significativos na oferta de bens e serviços pelos núcleos urbanos, incorporando novos referenciais teóricos às análises e permitindo que os estudos sobre redes urbanas pudessem ser realizados de modo mais aprofundado. Apesar disso, a autora destaca que a rede urbana brasileira está em constante

processo de transformação, apresentando crescente criação e recriação com base na intensificação dos processos de produção, circulação e consumo.

Como já mencionado, os estudos do IBGE levaram em consideração, entre outros elementos, a existência de dois circuitos na rede, o inferior e o superior. Esta é uma clara alusão à influência do geógrafo Milton Santos, que reconhecia a existência dos dois circuitos da economia urbana e da sua interação dialética, representando um novo paradigma de análise da urbanização em países subdesenvolvidos. Em ‘O espaço dividido’, Santos (2008) apresenta os dois circuitos da economia urbana como uma contraposição às interpretações sobre o desenvolvimento e o atraso. De acordo com Oliveira (2008b), a força dos argumentos dessa teoria está na ênfase dada à análise espacial do processo de modernização tecnológica, que originaria e explicaria o funcionamento dos circuitos da economia urbana. Como aborda Santos (2008, p. 38-39):

A ideia central desse estudo é que a cidade dos países subdesenvolvidos não funciona como um aparelho maciço ou, dito de outro modo, como um bloco. Ao contrário, no interior do sistema urbano, em si mesmo dependente de outros sistemas de nível superior, pode-se reconhecer a existência de dois subsistemas, dois circuitos econômicos.

Estes circuitos seriam o superior e o inferior. O primeiro é caracterizado pela presença de bancos, comércio e indústria de exportação, indústria moderna, serviços modernos, atacadistas e transportadores – atividades essas capital-intensivas. O circuito inferior, por sua vez, constitui-se de formas de fabricação que não sejam intensivas em capital, bem como de serviços não modernos fornecidos a varejo e pelo comércio não moderno e de pequena dimensão – atividades intensivas em trabalho. O Quadro 2 resume estas características.

Segundo o autor, esta separação ocorreria devido à evolução da economia moderna e ao grande peso da população urbana com baixo nível de vida, que aumenta com a chegada de migrantes vindos do campo. Isso formaria, ao lado do circuito moderno, um circuito econômico não moderno, composto pela pequena produção manufatureira, em grande parte artesanal, o pequeno comércio e uma multiplicidade de serviços de toda espécie. Assim, a condição para a instalação de um circuito inferior seria a existência de uma massa de pessoas com baixa renda, concentrada nas cidades e constantemente ampliada pela chegada de novos migrantes. Enquanto o circuito superior seria uma consequência direta da

modernização tecnológica, o circuito inferior seria uma consequência indireta dela. Santos (2008) sinaliza que, com a concentração de pessoas de baixa renda nas cidades, haverá uma demanda por bens e serviços, como empregos, habitação e transporte, que o circuito moderno não será capaz de atender.

Quadro 2 – Características dos dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos

Atributo Circuito Superior Circuito Inferior

Tecnologia capital intensivo trabalho intensivo

Organização burocrática Primitiva

Capitais importantes Reduzidos

Emprego reduzido Volumoso

Assalariado dominante não-obrigatório

Estoques grande quantidade e/ou alta qualidade

pequena quantidade

Preços fixos (em geral) submetidos à discussão ente

comprador e vendedor (haggling)

Crédito bancário institucional pessoal não-institucional Margem de lucro reduzida e por unidade, mas

importante pelo volume de Relações com a clientela impessoais e/ou com papéis diretas, personalizadas

Custos fixos importantes desprezíveis

Publicidade necessária nula

Reutilização dos bens nula frequente

Overhead capital indispensável dispensável

Ajuda governamental importante nula ou quase nula Dependência direta do

A questão das redes aparece também neste autor quando argumenta que os dois circuitos da economia interferem nessas redes de localidades centrais, estruturando-a de modo que cada centro atue simultaneamente nos circuitos, exercendo influência sobre duas áreas.

Para Oliveira (2008a), essa interferência acontece devido aos mecanismos básicos de estruturação da hierarquia urbana, com alcance espacial mínimo e máximo, na metrópole, na cidade intermediária e na cidade local. A cidade local atuaria através do circuito

inferior; a metrópole por meio do circuito superior; e as cidades intermediárias ocupariam posição de centralidade, pois ora um circuito, ora outro, tem maior importância.

Em outra obra, Santos (1989) teoriza sobre as redes de cidades, apresentando três elementos básicos que formariam a substância da organização em redes. Trata-se das massas, dos fluxos e do tempo. As primeiras seriam caracterizadas pela população, sua densidade e sua distribuição, bem como a produção, a distribuição e o valor. Os fluxos, por sua vez, contêm as massas, e expressam os fluxos populacionais, produções agrícolas, fluxos monetários, informações e ordens. Já o fator tempo considera também os fatores anteriores, incorporando disparidades temporais que, a depender da região, podem ser de infraestrutura agrícola, industrial, dos transportes e dos serviços.

Santos (1996) também questiona a hierarquia urbana baseada em fixos e fluxos, com o processamento destes últimos das cidades menores para as maiores. Segundo ele, as facilidades trazidas pelas novas tecnologias da informação permitiu a existência de múltiplas possibilidades de relacionamento de cidades de diferentes tamanhos, o que faz com que os núcleos urbanos não necessariamente estabeleçam fluxos que caracterizem uma hierarquia rígida.

Outra contribuição relevante para os estudos das redes urbanas brasileiras foi a de Corrêa (1989), que considera fatores como a divisão territorial do trabalho, as relações entre a rede urbana e os ciclos de exploração, e a forma especial desta exploração. A existência de rede urbana nos países subdesenvolvidos, para este autor, estaria condicionada à existência de três fatores. O primeiro seria a existência de uma economia de mercado cuja produção não seja feita local ou regionalmente, e seja negociada por outra economia de mercado. O segundo fator seria a presença de pontos fixos no território de realização das trocas, mesmo que periodicamente. Os dois primeiros fatores listados concentrariam outras atividades, como as de controle político-administrativo e ideológico, o que faz com que se transformem em núcleos de povoamento em que há diferentes atividades. Por fim, o último elemento seria certa articulação entre os núcleos referidos acima, que originaria e reforçaria as diferenças entre os núcleos urbanos. Neste caso, a diferenciação se daria, entre outras coisas, com relação ao volume e tipo de produtos comercializados e as atividades político-administrativas, traduzindo uma hierarquia entre núcleos urbanos e especializações funcionais.

Com base nestes pressupostos, o autor faz um paralelo entre as redes de localidades centrais dos países subdesenvolvidos e o esquema desenvolvido por Christaller, apresentando semelhanças entre eles. Estes dois esquemas seriam distintos, no entanto, em três aspectos, que podem coexistir numa mesma rede. O primeiro seria a presença de uma rede dendrítica de localidades centrais, que seria uma cidade nos moldes coloniais, com importância estratégica por concentrar as principais funções econômicas e políticas de sua hinterlândia, bem como um grande número de centros pequenos.

O segundo seriam os mercados periódicos, caracterizados por serem núcleos pequenos de povoamento transformados, periodicamente, em localidades centrais, e que, ao passar o período de movimento comercial mais acentuado, restabelecem sua condição de pacatos núcleos rurais, com as atividades primárias ocupando a maior parte da população.

Finalmente, o terceiro aspecto seriam os próprios circuitos superior e inferior, nos moldes da elaboração de Milton Santos, constituindo uma bipolarização interligada, uma vez que possuem a mesma origem e os mesmos fatores desencadeadores.

Ainda no estudo das redes, Corrêa (1997) chama atenção para as suas dimensões organizacional, temporal e espacial, que estariam intercaladas. A primeira se refere às características internas dos elementos constitutivos das redes, que podem ser cidades ou empresas, abrangendo também agentes sociais, a origem da rede, a natureza dos fluxos, a função e o propósito da rede, sua existência, construção, formalização e organização (OLIVEIRA, 2008a).

A dimensão temporal, por seu turno, associa-se à duração da rede, bem como à intensidade do seu estabelecimento na história. De acordo com Oliveira (2008a), a temporalidade se liga à dimensão espacial e à organizacional, a qual não se concretiza sem a presença do espaço e do tempo. No Brasil, a industrialização, a melhoria no sistema de circulação e transportes, a modernização do campo e a agregação de novas áreas seriam exemplos de como estas dimensões seriam visualizadas.

Finalmente, Corrêa (1997) alerta para o que chama de ‘complexicação funcional’ dos centros urbanos, considerando as especializações funcionais, em termos tanto da indústria quanto dos serviços. O autor argumenta que cada centro se situa em, pelo menos, duas redes. Uma delas se constitui de lugares centrais, onde cada centro exerce uma função – como metrópole, capital regional, centro subregional, centro de zona, ou centro local –,

enquanto a outra, irregular e menos sistemática, apresenta centros que desempenham funções singulares e/ou complementares aos seus pares.

Oliveira (2008a, p. 105) conclui o raciocínio de Corrêa:

Diante disso, a rede urbana brasileira não pode ser mais tratada exclusivamente por interações do tipo rígida, descrita na teoria Christalleriana, mas deve incluir também interações de complementariedade no âmbito da rede urbana, visto que a complexidade da divisão territorial do trabalho leva a numerosas especializações funcionais, que definem diversos centros urbanos.