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OS POLOS DE CRESCIMENTO DE FRANÇOIS PERROUX

2 ABORDAGENS TEÓRICAS DA ECONOMIA REGIONAL

3. ABORDAGENS TEÓRICAS BASEADAS EM FATORES AGLOMERATIVOS E POLARIZADORES

3.1 OS POLOS DE CRESCIMENTO DE FRANÇOIS PERROUX

O conceito de polos de crescimento, tal qual desenvolvido pelo autor francês François Perroux, parte do pressuposto de que “o crescimento não surge em todo lugar ao mesmo tempo; ele se manifesta em pontos ou polos de crescimento, com intensidades variáveis;

ele se transmite através de diversos canais e com efeitos finais variáveis para o conjunto da economia” (PERROUX, 1977, p. 146). Os polos seriam, segundo Boudeville (1966, apud RICHARDSON, 1981), “um conjunto de indústrias em expansão localizado em uma área urbana e induzindo um desenvolvimento ulterior da atividade econômica através de sua zona de influência”.

A teoria tem como base o dinamismo das atividades industriais, denominadas indústrias motrizes e indústrias-chave, caracterizadas pela inovação e grandeza. Perroux considera indústrias motrizes as de crescimento rápido, modernas e dinâmicas, de grande capacidade de difusão dos efeitos da inovação e com um elevado grau de interdependência setorial, produzindo bens intermediários indispensáveis ao produto final de outras indústrias a jusante. Já as indústrias-chave destacam-se, dentre as indústrias motoras, pela sua

2 As datas colocadas entre parênteses referem-se às datas das publicações originais das obras destes autores. No entanto, nesta tese, aparecem outras datas, referentes às publicações de edições brasileiras das mesmas obras.

capacidade de desencadearem efeitos multiplicadores superiores à sua própria produção, utilizando alta taxa de insumos intermediários, proveniente de outras indústrias.

Os efeitos de dispersão que irradiariam de pontos espacialmente localizados (podendo ser empresas ou grupos empresariais, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional, aglomerações populacionais etc.) impulsionariam o crescimento de outros pontos cujo dinamismo poderia até mesmo ultrapassar os efeitos de polarização, ou seja, os efeitos de dispersão seriam reabsorvidos pelo próprio ponto (MATOS, 2000).

De acordo com Spinola (2003), se por um lado, a indústria motriz tem sua expansão dependente das atividades dos produtores do bem final para onde escoarão seus insumos, por outro lado o dinamismo destes produtores é capitaneado pela indústria motriz, considerando a capacidade que ela tem de transmitir a eles ondas sucessivas de inovações.

Além de contribuírem para o crescimento da produção, essas atividades induziriam o seu ambiente através das relações estabelecidas com atividades secundárias e efeitos de encadeamento pelos quais as empresas seriam impulsionadas a inovarem, num processo de imitação, o que causaria importantes impulsos sobre o desenvolvimento local e regional.

Na análise de Perroux, o fator polarizante não seria o tipo de atividade industrial, mas a sua capacidade de evoluir, bem como a natureza das tecnologias incorporadas e a sua complexidade. Assim, enquanto as atividades de fabricação seriam suscetíveis quanto à sua capacidade de criar uma polarização real (ao contrário, por exemplo, das indústrias de transformação, como a de aço), outras atividades não industriais, como serviços especializados, investigação e gestão de empresas, poderiam promover polarizações duráveis (MATOS, 2000).

Recorrendo à análise schumpeteriana, haveria decisivo papel desempenhado pela inovação na dinâmica capitalista, destacando-se as ações dos empresários inovadores. As novas empresas e novos investimentos seriam muitas vezes induzidos pelo Estado, objetivando evitar a concentração no polo principal e estimular localizações alternativas (SILVA, 2008).

A teoria dos polos de crescimento (ou de desenvolvimento) sustenta que o crescimento se daria baseado numa empresa motora ou polo de crescimento, formado por um centro urbano desenvolvido. Segundo Matos (2000), a produtividade do interior deste centro urbano, bem como a produtividade de atividades secundárias formadas seriam o motor do seu desenvolvimento. Assim, nos polos e nos seus respectivos centros urbanos seriam

verificados efeitos de aglomeração – pela atração de atividades complementares – e de ligação – pela introdução de novas redes viárias.

O conceito de polo é formulado para explicar a dinâmica de um crescimento que seria, em essência, desequilibrado. Isto porque, para Perroux, o crescimento se realiza através do surgimento e do desaparecimento de sucessivos centros dinâmicos ao longo do tempo.

Assim, Perroux estaria buscando fixar a ideia de que o crescimento econômico moderno é realizado, necessariamente, de forma desequilibrada. Por esta razão, o conceito de espaço utilizado por Perroux seria o espaço econômico, abstratamente considerado, e não o geográfico (SPINOLA, 2003).

Ao elaborar sua teoria, Perroux indica que ela está aberta ao conceito de complexo de indústria, que por sua vez introduz a análise de três elementos: a indústria-chave, já mencionada; o regime não concorrencial do complexo, que, segundo Lima e Simões (2009), é instável – já que se trata de uma combinação de forças oligopolísticas, que elevam a produtividade da indústria e realizam acumulação de capital superior àquela que resultaria de uma indústria sujeita a um regime maior de concorrência; e a existência de uma aglomeração territorial, num polo industrial complexo, geograficamente concentrado e em crescimento, onde são registrados efeitos de intensificação das atividades econômicas devido à proximidade e a concentração urbana: diversificação do consumo, necessidades coletivas de moradia, transportes e serviços públicos, rendas de localização, etc. Segundo o autor:

A aglomeração industrial-urbana suscita tipos de consumidores com padrões de consumo diversificados e progressivos, em comparação com os do meio rural.

Necessidades coletivas (habitação, transportes, serviços públicos) emergem e se encadeiam. Rendas da terra vêm somar-se aos lucros dos negócios. No âmbito da produção, tipos de produtores (empresários, trabalhadores qualificados, quadros industriais) formam-se e mutuamente se influenciam, criam suas tradições e eventualmente participam do espírito coletivo (PERROUX, 1977, p. 154).

Paelinck (1977), discípulo de Perroux, argumenta que o conceito de polo de crescimento tem sido, com frequência, mal interpretado. Segundo este autor, confunde-se este conceito com o de indústria-chave, com o de indústria básica e com o de complexo industrial.

Então, Paelinck, citando Perroux, descreve o polo como “um conjunto de unidades produtoras capazes de criar efeitos de encadeamento sobre outros conjuntos definidos no

espaço econômico e geográfico e como uma unidade motriz num determinado meio” (PERROUX, 1961, p. 301, apud PAELINCK, 1977).

Ainda em seus argumentos, Paelinck propõe, com base na definição funcional oriunda dos estudiosos da dinâmica econômica da região de Liège (na França), que um polo de crescimento seria:

[...] uma indústria que, pelos fluxos de produtos e rendas que pode gerar, condiciona a expansão e o crescimento de indústrias tecnicamente ligadas a ela (polarização técnica), determina a prosperidade do setor terciário por meio das rendas que gera (polarização das rendas), e produz um aumento da renda regional, graças à concentração de novas atividades numa zona determinada, mediante a perspectiva de poder dispor de certos fatores de produção existentes nessa zona (polarização psicológica e geográfica) (PAELINCK, 1977, p. b163)

Conforme aborda Spinola (2003), Perroux elabora sua teoria do crescimento (chamada por ele mesmo, posteriormente, de teoria do desenvolvimento) com base na ideia de interdependência industrial e no efeito de dominação exercido pela grande empresa capaz de inovar. O próprio Perroux diferencia os conceitos de polos de crescimento de polos de desenvolvimento. O polo de desenvolvimento seria a combinação de mudanças sociais e mentais de uma população que a tornam apta a fazer crescer, cumulativamente e de forma durável, seu produto real, global, ao passo que o polo de crescimento produziria apenas um aumento do produto global e, consequentemente, da renda per capita.

Destes argumentos, pode-se resumir a teoria dos polos de desenvolvimento com as seguintes palavras (MARTINS, 1981, apud SPINOLA, 2003, p. 40):

[...] da noção de polo num espaço econômico abstratamente considerado se passa à sua objetivação através do papel desempenhado pelas indústrias motrizes. Dos efeitos dinamizadores por estas irradiados, através das conexões interindustriais, se passa ao crescimento polarizado. Paralelamente, essa dinâmica atribuída ao crescimento econômico é transposta para o contexto do desenvolvimento econômico.

De todo modo, sendo o polo definido como um conjunto de indústrias interligadas e hierarquizadas e, simultaneamente, como um lugar de concentração dessas atividades produtivas, é um mecanismo indutor que explica a concentração espacial do crescimento.

Assim, um polo de crescimento seria um grupo de indústrias inter-relacionadas através de suas ligações de insumo-produto, com base em uma indústria principal, aglomeradas

geograficamente. As inovações surgiriam com base na indústria principal, e seriam induzidas ao restante do grupo, que cresceria em ritmo mais forte do que as indústrias estranhas à aglomeração.

Bastos (2005) argumenta que os polos industriais complexos e aglomerados (polos de desenvolvimento) surgem quando uma unidade econômica motriz exerce efeitos de difusão sobre um conjunto de indústrias que está sob sua influência, favorecendo o surgimento de economias externas, tecnológicas e pecuniárias capazes de proporcionar a dinamização e o aparecimento de novas indústrias

Na análise de Perroux, haveria quatro formas diferentes de polarização através das quais as indústrias motrizes induziriam o desenvolvimento regional: técnica, econômica, psicológica e geográfica. Por polarização técnica, deve-se entender os efeitos de encadeamento entre a indústria motriz e outras empresas. A polarização econômica, por sua vez, aconteceria pela geração de emprego e renda provenientes da implantação da indústria motriz. A polarização psicológica seria verificada pelo clima de otimismo gerado pelo sucesso da indústria motriz. E, finalmente, a polarização geográfica diz respeito aos efeitos ocasionados nos sistemas urbanos proporcionados pela cidade-sede da indústria motriz; tais impactos seriam responsáveis pela redução dos custos de transporte e criação de economias externas e de aglomeração (PAELINCK, 1977; MONASTERIO;

CAVALCANTE, 2011).

De acordo com Perroux, a grande maioria das indústrias propulsoras localizadas num polo de desenvolvimento encontra-se nas cidades, e com o passar do tempo, tendem a se concentrar cada vez mais em grandes cidades. Assim, o local onde ocorria a aglomeração se converteria num grande centro metropolitano.

As cidades, segundo o autor, seriam centros de crescimento, de atração e de difusão.

Assumiriam o papel de centros de crescimento quando houvesse reação multiplicadora entre o investimento realizado nela e a renda, o emprego, o crescimento demográfico, progresso tecnológico etc. A cidade seria considerada centro de atração quando o crescimento gerado pelo investimento levasse a uma redução da população na região periférica (migração da população da região periférica para o centro). Finalmente, seria centro de difusão quando o investimento realizado repercutir positivamente na densidade demográfica da região periférica, elevando a renda per capita, o emprego etc., na região periférica, aumentando, como consequência, a densidade demográfica da população

(CIMA; AMORIM, 2007). Assim, a cidade pode ser, simultaneamente, um polo de desenvolvimento e um centro de atração, contanto que faça crescer o nível de renda per capita e o bem-estar per capita na região periférica.

Monasterio e Cavalcante (2011) salientam que as condições para a reconstituição de uma grande parte das políticas de desenvolvimento local implementadas em países desenvolvidos e em desenvolvimento a partir da década de 1950, sejam referenciadas diretamente ou não pelas ideias de Perroux, advém da constatação deste autor de que o crescimento das vendas da indústria motriz (e, consequentemente, da implantação dos polos de crescimento) pode ser possível com base em um estímulo do Estado sob forma de subvenção, quando as ações das indústrias motrizes se mostrarem hesitantes ou lentas.

Conforme consta em Miyoshi (1977, apud MONASTERIO; CAVALCANTE, 2011), ao menos 28 países implementaram ou discutiram estratégias de desenvolvimento regional com base nos polos de crescimento de Perroux. Como exemplos estão Estados Unidos, França, Itália, Rússia (ainda como União Soviética) e Brasil. No início dos anos 1970, havia muita confiança na análise de polos de desenvolvimento como estratégia de desenvolvimento regional operacional nos países desenvolvidos em desenvolvimento (RICHARDSON; RICHARDSON, 1975, apud MONASTERIO; CAVALCANTE, 2011).

No Brasil, as primeiras ações de implantação de polos começaram no final da década de 1950, quando, como estratégia de desenvolvimento industrial, seguindo o modelo latino americano de industrialização por substituição de importações, o país engajou na atração e implantação de gigantescos projetos de produção de automóveis. Posteriormente, como meio de amenizar os efeitos causados pelo primeiro choque do petróleo, em 1973, o país novamente volta-se para industrialização, desta vez descentralizada, promovendo a atração e entrada em operação de projetos ligados à energia, como polos petroquímicos.

3.2 GUNNAR MYRDAL E O PROCESSO DE CAUSAÇÃO CIRCULAR