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Para dentro das casas e das creches: um percurso histórico marcado por práticas higienistas e ideais civilizatórios que ainda hoje afastam as crianças da

NATUREZA PROGRAMA ANO TÍTULO AUTORIA ORIENTAÇÃO INSTITUIÇÃO Dissertação

4.1 Para dentro das casas e das creches: um percurso histórico marcado por práticas higienistas e ideais civilizatórios que ainda hoje afastam as crianças da

natureza

Um dos motivos que impulsionou o surgimento das creches foram alterações quanto aos cuidadores responsáveis pelas crianças. Por certo tempo, foi comum que, assim que nascessem os bebês ocidentais passassem a ser criados por amas de leite (BADINTER, 1985; DONZELOT, 1986; CIVILETTI, 1991; ALMEIDA, 1999), mas a prática caiu em desuso no início do século XX. Junto a isso, Didonet (2001) aponta mudanças na constituição familiar, a qual, inicialmente mais extensa, vai se tornando mais nuclear. Isso significa, conforme analisa, que se antes as crianças ficavam aos cuidados de outras pessoas da família, com a diminuição do número de familiares e a entrada da mulher no mercado de trabalho [e o abandono da prática das amas de leite], foi preciso encontrar alternativas para o seu cuidado nessas sociedades.

Essa questão também está relacionada ao que analisam Donzelot (1986), ao falar no fechamento, ou no retraimento, e, Ariès (1981), no recolhimento, das famílias.

A vida, que era mais pública, vai se tornando cada vez mais privada. O espaço destinado às famílias e às crianças passa a ser direcionado cada vez mais ao interior das residências e demais construções. À natureza, resta o espaço externo, público, cada vez menos frequentado por adultos e crianças, seja com relação à casa ou à escola.

O intuito desse retraimento era organizar um espaço “suficientemente amplo para ser higiênico, pequeno o bastante para que só a família possa nele viver, e distribuído de tal maneira que os pais possam vigiar os filhos” (DONZELOT, 1986, p. 46). As ideias de vigilância e higiene vão ser bastante presentes na institucionalização da pequena infância e no seu afastamento da natureza. A vigilância a que o autor se refere foi sendo construída em busca de um ideal civilizatório, que via na atuação dos serviçais, como as amas de leite, influências negativas (DONZELOT, 1986) e, na pobreza, isto é, nos pobres, uma ameaça (KUHLMANN JÚNIOR, 1998). Com isso, ainda antes da entrada da mulher no mercado de trabalho fabril, ela passou a ser responsável pela educação (higienização) dos filhos e por prezar os valores do casamento, de modo que homem e filhos ficassem em casa (sob controle) em vez de na rua (DONZELOT, 1986).

Por isso, o trabalho feminino fora de casa não foi bem visto, uma vez que distanciaria a mulher dessa função que estava assumindo (DONZELOT, 1986). Deste modo, se a mulher não deveria estar fora de casa, as crianças também não, o que conferia às creches um caráter negativo. As crianças que iam para a creche o faziam porque suas famílias precisavam desse contexto para poder trabalhar e se sustentar. Por isso, enquanto que os jardins-de-infância, frequentados por crianças de classes econômicas mais favorecidas, tiveram o seu aspecto pedagógico ressaltado, as creches passaram a ser usadas como instrumentos de disciplinamento e moralização das classes menos favorecidas (KUHLMANN JÚNIOR, 1998), associados aos processos de higienização e civilização.

Os ditames higienistas despontaram no Brasil no fim do século XIX. De acordo com o professor Luis Urteaga (1985-86), o higienismo foi uma forte corrente das ciências médicas, que se ocupou da saúde pública ao tentar explicar origens e mecanismos de doenças. Embora voltando-se para o que hoje chamamos de “qualidade de vida” (URTEAGA, 1985-86, p. 417), os seus ideais foram associados a outros interesses, ainda mantendo-se presentes em práticas atuais. Lembrando que, na Idade Média, as populações sofriam com o alastramento de doenças, o higienismo

buscou tentar entender as suas causas e propor medidas preventivas, as quais, pouco a pouco, passaram a afetar as cidades, as famílias e as instituições educativas – e, assim, as crianças e a natureza. Para controlar endemias e epidemias, tanto o meio físico, como o meio social foram alvo dos higienistas (URTEAGA, 1985-86; BOARINI, 2006).

Nesse sentido, orientações foram dadas com vistas a melhor organizar as cidades e instruir as pessoas. Algumas delas envolviam controle das águas, da circulação do ar e dos espaços comuns, como cemitérios, ossuários e matadouros (FOUCAULT, 2019), ampliação da arborização (URTEAGA, 1985-86), proposição de ideais de higiene, vestuário, exercícios, alimentação e amamentação (BOARINI, 2006), além de preocupação com a arquitetura, o mobiliário, o ensino oferecidos nas escolas e o controle da saúde física e do comportamento social, psíquico e intelectual de cada aluno (BOARINI, 2006).

Tais orientações também foram associadas às creches. Didonet destaca que altos índices de mortalidade infantil, desnutrição e acidentes domésticos passaram a chamar a atenção da sociedade (2001). Esse sentimento não representava somente uma preocupação para com as crianças, mas, também (ou, talvez, sobretudo) com o crescimento populacional para a produção de mais cidadãos úteis (VAILATI, 2006; FOUCAULT, 2019), que poderiam garantir a segurança nacional em caso de guerra (MARQUES, 2000 apud MAGALHÃES, 2011) e se tornarem uma riqueza econômica em potencial, possuindo valor mercantil (BADINTER, 1985; DONZELOT, 1986).

Com o tempo, as práticas higienistas deslocaram o foco das mudanças ambientais para questões sociais, alegando a necessidade de que os pobres se tornassem mais aptos para o trabalho e menos “perigosos” para as classes mais altas (FOUCAULT, 2019), em outras palavras, a necessidade de que os pobres fossem “civilizados” e apresentassem bons costumes, o que se tornou, na época, uma questão cultural e sanitária. Esse cenário é demarcado por uma imagem de criança que carrega uma associação entre a ideia de corpo e de natureza e uma necessidade de controle, de “domesticação” dessas expressões36 que, conforme Sarmento analisa, também foi adquirindo um caráter mais amplo contemporaneamente, associado a imagens sobre crianças de classes populares (2007).

36 Essa é uma das imagens que James, Jenks e Prout (1998) propuseram ao analisar imagens sociais

Desenvolve-se um higienismo dito social, potencializado a partir das descobertas de Pasteur e Koch sobre os micro-organismos, tirando o foco de hipóteses ambientalistas (URTEAGA, 1985-86). Assim, se antes a natureza, em especial a circulação de ar e a presença de árvores, eram vistos como positivos para a qualidade de vida das pessoas (URTEAGA, 1985-86), agora o interesse se centra em combater estes micróbios, o que, segundo o autor, terá um fundo nas concepções de seleção natural de Darwin, dando origem às ideias de adaptação e evolução do darwinismo social. Com essa mudança, desloca-se o eixo de preocupações do aspecto ambiental, coletivo e público para a esfera microscópica, individual e privada, provocando discussões sobre genes e raças sob uma perspectiva eugênica (URTEAGA, 1985-86), sem fazer com que os princípios de assepsia e combate aos micróbios perdessem força.

A socióloga Liane Mozère descreve, a partir da experiência francesa, como as práticas higienistas [e moralizantes] orientavam as rotinas das creches, ficando claramente perceptível que não havia, nessas instituições, abertura para o contato com a natureza:

Inteiramente despida assim que chegava à creche, a criança era ali introduzida, nua, por um guichê, criando-se assim uma fronteira intransponível entre um exterior considerado sujo e um interior asseptizado. Uma tabuleta avisava claramente: ‘É proibida aos pais a entrada nas dependências da creche’. Uma sala de amamentação era o único espaço em que as mães podiam, em horas marcadas, entrar para amamentar seu bebê. [...] Uma vez transposto o milagroso limiar, a criança era banhada, coberta de talco e vaselina, prontamente envolta em fraldas e vestida com uma camisola. Imaculadamente branco, aquele era o mundo do silêncio, das mulheres submissas, das crianças apartadas umas das outras por cortinas brancas desde a mais tenra idade e, quando mais velhas, confinadas num imenso cercado, legítima arena de disputas, por não haver brinquedos em quantidade suficiente (2013, p. 33-34).

Donzelot (1986) refere-se à proposição de um cordão sanitário em torno da criança, dentro do qual se espera que ela se desenvolva a partir das contribuições da psicopedagogia e de uma vigilância instaurada de forma discreta. O sociólogo argumenta que, inicialmente, a Medicina não tinha interesse nas mulheres e crianças: nas suas palavras, “o parto, as doenças das parturientes, as doenças infantis eram coisa de ‘comadres’, corporação assimilável às domésticas e às nutrizes que compartilhavam seu saber e o colocavam em prática” (DONZELOT, 1986, p. 24). Ou seja, circulava entre as mulheres uma medicina própria, como indica o autor, fruto de

uma sabedoria popular que passou a ser combatida para que a Medicina também alcançasse esse mercado. Daí o investimento nas mães [burguesas] como aliadas na desvalorização dos saberes populares em detrimento à crença nos discursos médicos, os quais passaram a valorizar as funções maternas (DONZELOT, 1986).

Apostando em um avanço científico, o afastamento aos saberes populares indica, também, o afastamento à natureza e às comunidades que, na sua relação com ela, foram aprendendo e transmitindo conhecimentos através das gerações. Tiriba e Flores (2016), embora reconhecendo diferenças entre os muitos povos e comunidades tradicionais brasileiros, relembram que suas formas de sentir, pensar e produzir são vividas em sintonia com a natureza, pois sua filosofia existencial considera os seres humanos como modos de expressão da própria natureza. Entretanto, segundo as pesquisadoras, esses saberes também não figuravam nas versões publicadas até julho de 2016 da Base Nacional Comum Curricular proposta para materializar orientações comuns à educação básica (TIRIBA; FLORES, 2016). Ou seja, não somente a Medicina afastou os conhecimentos construídos na prática com a natureza, como a Educação também não os tem priorizado.

Muito desse afastamento atual foi sendo intensificado pelo e em prol do mercado. Louv também reconhece que os benefícios da natureza para a saúde e o desenvolvimento das pessoas já vêm sendo valorizados há séculos por xamãs e poetas, por exemplo (2016). Entretanto, a ciência tem se debruçado sobre essa valorização somente recentemente, e, além disso, os investimentos na área são poucos, pois os seus resultados poderiam provocar uma diminuição de vendas de medicamentos ao ser incentivado o contato com a natureza, que é mais barato (muitas vezes gratuito), se comparado a artefatos e ambientes prioritariamente industrializados (LOUV, 2016).

Percebe-se que há uma tensão entre diferentes áreas e interesses. E, considerando a saliência biológica dos processos corporais dos bebês, o discurso médico-científico encontrou espaço nas suas instituições educativas, uma vez que elas surgiram sem explicitar uma proposta pedagógica consolidada. Como indicam Delgado e Nörnberg (2013), não temos tradição em nosso país em pensar os ambientes, o planejamento e as experiências para bebês e crianças bem pequenas. Assim, a presença de pedagogias marcadas pelo higienismo ainda são comuns na educação infantil (BARBOSA, 2000; BARBOSA, RICHTER, 2010), seja de forma mais constante ou explícita, seja de forma mais pontual ou sutil.

Mesmo na escola investigada, onde as crianças circulavam com frequência e havia espaços com natureza, as professoras se deparam com algumas situações em que precisam argumentar pedagogicamente para garantir o contato de bebês e crianças bem pequenas com a natureza. Ao rememorar o início da sua experiência no Módulo I do NDI, em um grupo de bebês (que passou a participar de proposições junto a grupos de crianças bem pequenas), Natália reconhece que há “um cuidado muito grande com as crianças bem pequenas, e que é necessário; é necessário pelas especificidades que se colocam” (Professora G2, entrevista), mas que encontrou na área da saúde

uma preocupação com o uso de propés37, uma preocupação com a

higienização daquele espaço, com as idas deles aos parques, porque tinha um pouco um entendimento de que, por serem crianças tão pequenas, deveria se fazer essa aproximação com as áreas externas de modo gradativo e de preferência mais pra frente do trabalho – não já de cara no início. E a gente inverte um pouco essa lógica. A gente começa a fazer esse movimento já bem no início. Então, foi desafiador e foi ousado, por muitos motivos. Porque ao você fazer isso, você assume as responsabilidades do que possa vir a acontecer, porque são crianças muito pequenas (Professora G2, entrevista).

Ao assumir esse trabalho, a professora ia também construindo com as famílias outras possibilidades de ocupação dos espaços externos e de utilização de materiais com os bebês. Comenta que as mães expressavam preocupação de os bebês colocarem a mão com areia na boca, mas que ela mediava dizendo a eles: “‘olha, está vendo, isso não é de comer; viu, o gosto é ruim; olha, você não gostou’, e [ia] tirando da boca e mostrando que é possível [essa ocupação dos espaços externos e o contato com diferentes elementos e materiais]” (Professora G2, entrevista). Ao continuar sua fala indicando a possibilidade de desconstrução, provoca uma reflexão:

Acho que as crianças nos humanizam, elas nos fazem prestar atenção em muitas coisas que nos passariam despercebidas. E os bebês fazem isso também. Não são só as crianças que já falam, que já têm essa linguagem verbal constituída, por que os bebês vão nos falando de outros modos. E eu acho que com os bebês a gente vai fazendo um movimento de contemplar os espaços, de sentir, com todas as possibilidades, esses espaços externos (Professora G2, entrevista).

Esses relatos não significam que tais questões estejam encerradas, mas que não só é preciso manter um diálogo constante da Pedagogia tanto com a área da

saúde, quanto com as famílias, pois suas preocupações também estão voltadas para o bem-estar das crianças, quanto necessitamos estar atentas às próprias expressões e desejos dos bebês (e das crianças). Delgado e Nörnberg, ao narrarem sobre um estudo decorrente de pesquisa de doutorado, encontram relatos de acadêmicas em processo de estágio desencorajadas por falas de professoras das escolas comentando sobre as propostas das estagiárias: “’Ah, mas as crianças não vão conseguir fazer isso’; ‘Os pais não vão deixar as crianças fazerem isso, porque elas vão se sujar’; ‘Ah, mas isso não vai dar certo porque eles são muito pequenos’ (2013, p. 160). Segundo as autoras, “tais comentários desqualificavam o movimento de produção de práticas pedagógicas envolvendo as crianças – e desqualificavam as próprias crianças enquanto agentes potentes” (DELGADO; NÖRNBERG, 2013, p. 160).

Com relação à sujeira, mencionada pelas autoras, não presenciei, nas observações durante a pesquisa, restrições quanto à possibilidade de as crianças se sujarem, como registro no “Episódio nº 12 – Escorregando no papelão – e ficando “cheio de barro””. Isso não significava que, em algumas propostas não fosse tomado um cuidado maior com as suas roupas (por exemplo, em uma atividade de pintura em dia frio). Renata comenta como se dava essa questão com as famílias:

No geral, eu acho que as famílias já têm um critério que é de trazer as crianças pra escola com uma roupa que pode sujar... então, eu vejo, às vezes, algumas roupas de fato estão manchadas de tinta e a criança volta a usar aquela roupa e fica um pouco a roupa da escola. [...] essa é um pouco a condição do trabalho: permitir que as crianças se sujem [...] quando é coisa que lava e sai, tipo barro, areia, saem daqui bem sujos (Professora G3, entrevista).

A “sujeira” da natureza, muitas vezes malvista, é uma marca de que as crianças brincaram. Se, no contexto investigado as famílias costumavam compreender esse movimento, Tiriba (2005) encontrou em Blumenau evitação ao contato com a natureza para que as crianças não se sujassem, nem sujassem suas roupas. Guimarães, propondo uma ressignificação da ideia de cuidado, que não se restringisse aos hábitos de higiene e alimentação, assinala que o excesso de preocupação na busca pela limpeza e o próprio banho são alguns dos marcos da creche, remanescentes dos propósitos higienistas (2008).

Isso não significa que não se possa ou não se deva dar banho nas crianças na creche. Inclusive, nos dias em que estive presente durante a pesquisa, se necessário,

as crianças tomavam banho – e este, depois de uma pintura ao ar livre em um dia quente, poderia até ser de mangueira, como no “Episódio nº 17 – Quando a pintura termina em banho de mangueira”. Mas o banho não era vivido como uma obrigatoriedade da escola em manter as crianças assépticas, afastando-as ainda mais da natureza.

E, embora as crianças pudessem brincar com areia, água, barro e outros elementos da natureza, Renata destaca que acolheu o pedido de uma mãe para colocar uma camiseta [sobre a roupa da criança] nos momentos de pintura, indicando que “a preocupação dela mais é com a tinta, que ela diz que lava não sai [...]. Essa criança usa avental e a camiseta específica que ela manda. Então, quando a gente vai fazer alguma proposição com tinta eu procuro cuidar” (Professora G3, entrevista). Ainda assim, para a professora, a preferência é por atividades que as crianças possam experimentar pelo corpo:

Eu acho que eles são muito pequenos e a relação que eles estabelecem com a tinta, com esses materiais, com barro ainda é muito corporal. Então, às vezes colocar avental limita. Limita essa experiência que passa pelo corpo também. Que é de se lambuzar, que é lambuzar o corpo com esses materiais, com esse material que é viscoso. Então, acho que a goma, a tinta e o barro, a gente faz muitas experiências com... e vai pro corpo. E a gente quer que de fato a criança possa experimentar isso. Imagine que ali de zero a três é toda a questão da sensorialidade, ela está colocada, e a gente precisa dar possibilidades para que as crianças explorem isso. (Professora G3, entrevista).

E a natureza se coloca como uma dessas possibilidades para que as crianças estabeleçam relações corporais e sensíveis variadas. Porém, em muitos contextos, isso não permitido a elas, ou o é com pouca frequência, porque predomina, como analisa Tiriba (2005), uma associação da ideia de natureza enquanto lugar de doença, sujeira e perigo.

Voltando ao percurso histórico para analisar outros fatores que levaram ao distanciamento que hoje vemos entre a nossa sociedade e, consequentemente, entre as nossas escolas, e a natureza, cabe destacar que a proposição de condições sanitárias para cidades, instituições e residências não estava desassociada de outro processo moralizador que vinha ocorrendo no Ocidente há alguns séculos: a busca pela civilização individual e coletiva (ELIAS, 2011). Nas palavras de Elias, tratava-se de uma

mudança estrutural ocorrida em pessoas na direção de maior consolidação e diferenciação de seus controles emocionais e, por conseguinte, de sua experiência (como, por exemplo, na forma de um avanço do patamar de vergonha e nojo) e de sua conduta (como, por exemplo, na diferenciação dos utensílios usados à mesa) (2011, p. 216).

Uma mudança nos costumes e atitudes, um refinamento, como menciona o autor, que vai fazendo com que as pessoas [ditas civilizadas] se sintam embaraçadas ou desconfortáveis ao se depararem com pessoas que mencionam de forma mais aberta ou ocultam menos as suas funções corporais, e que, por isso, seriam consideradas incivilizadas, não-civilizadas ou bárbaras (ELIAS, 2011). Sob essa lógica, os bebês estariam na condição de seres em vias de civilização, pois não controlam suas funções corporais e ainda dependem dos adultos para lidar com elas. É a representação da imagem de criança, socializada por Sarmento (2007), de seres que precisam ter sua natureza suprimida.

Gottlieb (2013) propõe um outro olhar a essa condição, reconhecendo que os bebês passam, realmente, a maior parte do tempo envolvidos com processos corporais, mas que são processos caracterizados por formas de comunicação somática. Estas, por sua vez, são desvalorizadas no Ocidente devido à significação negativa dada à expulsão das substâncias corporais, como urina, fezes, lágrimas e vômito, o que a autora cita a partir de Bakhtin (1968), mas que, em outros contextos, são culturalmente significativos pela compreensão desses processos enquanto uma comunicação corporal.

Como as creches, então, são instituições nascidas no âmago da sociedade ocidental, as estratégias de higienização e civilização fizeram parte da sua constituição. Elas empenharam-se em afastar bebês e crianças bem pequenas da sua condição de natureza, promovendo um trabalho “de contenção dos desejos de movimento dos corpos infantis, dos choros, das manifestações de alegria e prazer, das frustrações, dos medos” (DELGADO, 2013, p. 248).

Guattari também percebeu o quanto as creches passaram a atuar na tarefa de preparar as crianças, desde o mais cedo possível, para aprenderem os códigos esperados pelo sistema industrial-capitalista – trata-se de uma iniciação, nas palavras do autor, a essa lógica do trabalho (1985), que incide na contenção dos corpos das crianças e no seu consequente afastamento da natureza (da sua natureza e da natureza ao seu redor). Esse distanciamento está relacionado ao afastamento de tudo

aquilo que o Ocidente considera primitivo e inferior (ELIAS, 2011). Assim, as relações diretas da e com a natureza são menosprezadas.

Embora a sociedade tenha se modificado muito, o ideal civilizatório ainda se faz presente, sendo expressado, muitas vezes, de forma sutil e em pequenas ações cotidianas. É nesse sentido que se encontram os resultados da pesquisa de Tristão (2012), que buscou investigar a educação do corpo nos momentos do parque em uma