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Cuidados éticos em pesquisas com bebês e crianças bem pequenas no campo da educação

NATUREZA PROGRAMA ANO TÍTULO AUTORIA ORIENTAÇÃO INSTITUIÇÃO Dissertação

3.2 Cuidados éticos em pesquisas com bebês e crianças bem pequenas no campo da educação

Atualmente, temos uma discussão cada vez mais avançada sobre metodologia de pesquisa com bebês e crianças bem pequenas na área da educação. Porém, se olharmos para trás, ou para os lados, podemos encontrar, em outros momentos da História da Humanidade e em outras áreas científicas, procedimentos questionáveis não somente com relação a seres humanos, mas também a outros seres vivos e, até mesmo, à própria natureza.

Podemos tomar como exemplo bastante claro as intervenções realizadas durante a Segunda Guerra Mundial em nome da ciência, em que talvez a melhor forma de defini-las seja retomando o conceito de barbárie de Walter Benjamin (1987), uma vez que a construção de uma ideia de [suposta] soberania científica parecia justificar atrocidades nos campos de concentração, como reflete Barbosa (2014). Foi se desencadeando, então, uma maior discussão sobre a ética em pesquisas nos seres humanos, sendo ampliada, cada vez mais para as pesquisas com seres humanos.

Gottlieb (2013) ao apresentar motivos pelos quais os bebês foram negligenciados na literatura antropológica nos dá elementos para analisar a ausência de preocupação ética para com eles nas pesquisas científicas. Como a autora coloca, os bebês foram vistos como seres pré-culturais, uma espécie de “biopacote”, aparentemente incapazes de se comunicarem e, portanto, cuja opinião não era considerada para tomada de decisões, inclusive porque depois de adultos pouco

lembramos desse período de nossas vidas, o que pode passar a impressão de que os bebês são indiferentes ao que se passa com eles (GOTTLIEB, 2013).

Somado a isso, a concepção da criança como sujeito de direitos – e, ultimamente, sendo destacado também o bebê como sujeito de direitos, que, embora sendo criança, possui suas especificidades – é assegurada somente recentemente pela legislação e ainda não totalmente pelas práticas sociais (SARMENTO, 2007), o que também incide nas formas como as pesquisas foram e vêm sendo realizadas. Dessa forma, eles muito foram vistos como se fossem objetos das pesquisas, e não, sujeitos, participantes. Ao não compreender seus modos de comunicação, nem considerá-los como válidos, como haver preocupação se os bebês desejavam ou não delas participar?

Além disso, a corrente tradicional de pesquisa analisava as crianças isoladamente (sem considerar contexto, aspectos histórico-culturais e demais categorias sociais), geralmente levando-as para laboratórios (GRAUE; WALSH, 2003), onde não sabemos se havia cuidado para que a criança se familiarizasse com o local e com os adultos neles presentes, nem se as atividades que realizavam tinham sentido para elas.

Hoje, no campo da educação, podemos considerar que já aconteceram muitos avanços nas discussões éticas relativas às pesquisas com crianças. Muito se deve a pesquisas desenvolvidas não mais sobre crianças, com o objetivo de observá-las, avaliá-las e julgá-las, mas sob uma perspectiva de pesquisas com crianças, por meio das quais os adultos tentam entrar nos seus mundos de conhecimento (MAYALL, 2005), ou, como podemos entender a partir da escrita da professora e pesquisadora Rita Ribes, pontos de vista que somente as crianças poderiam narrar (PEREIRA, 2015).

A necessidade de estarmos sempre pedindo permissão, de nos colocarmos à altura das crianças, de acolhermos suas demandas e de ingressarmos no campo progressivamente (GRAUE; WALSH, 2003) são princípios que podem contribuir para a construção de preocupações éticas que visem, como indica Barbosa, a proteger, mas, também a afirmar as capacidades das crianças, reconhecendo-as como sujeitos de direitos (BARBOSA, 2014). Outra indicação que vem sendo defendida nas pesquisas com crianças é a necessidade de autorização formal mediante consentimento, geralmente escrito, por parte dos participantes e dos responsáveis pelas crianças, e, quanto a estas, sobretudo aos bebês e crianças bem pequenas,

assentimento (FERREIRA, 2010), por meio das linguagens que utilizam (choros, sorrisos, abraços, expressões faciais, etc.).

Para além dos cuidados éticos supracitados, algumas outras ações se fizeram necessárias no desenvolver da pesquisa, sobretudo a partir da Resolução nº 510, de 07 de abril de 201623 (BRASIL, 2016). Essa Resolução dispõe, dentre outros pontos, sobre as normas relativas a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais que envolvam a utilização de dados obtidos diretamente com os participantes (BRASIL, 2016) e foi consultada tendo em vista a necessidade de submeter o projeto de pesquisa a um Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos.

A partir disso, então, o projeto foi submetido à Plataforma Brasil, que o encaminhou, primeiramente, ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da UFPel (por ser o Comitê responsável na instituição em que me vinculo enquanto doutoranda) e, na sequência, ao Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSC (por ser a instituição onde se localiza o campo investigado). Junto ao projeto, foram solicitados outros detalhamentos, como orçamento para a realização da pesquisa, cronograma, questões das entrevistas e Termos de Consentimento Livre e Esclarecidos para professoras e para responsáveis pelas crianças (Apêndices C e D, respectivamente).

Nos referidos Termos constavam possíveis benefícios e contribuições, como reconhecimento do trabalho desenvolvido pelas professoras e ampliação das discussões e das propostas de brincadeiras e atividades na/com a natureza para as crianças (participantes ou não). Também foram indicados possíveis riscos que foram previstos referentes à participação na pesquisa: às professoras poderia haver constrangimento ou rememoração de fatos desagradáveis ao responder as questões da(s) entrevista(s) e, para elas e para as crianças, poderia haver constrangimento com a minha presença enquanto pesquisadora ao observar e registrar por escrito, fotografias e/ou vídeos, o seu cotidiano na escola.

Quanto aos dados, foi previsto o seu armazenamento, sob minha responsabilidade, por, no mínimo, cinco anos, mas que, embora tomando todos os cuidados necessários com o material físico e digital da pesquisa, não haveria como dar garantia que o mesmo não possa ser roubado, furtado, ou perdido em caso de incêndio ou outro incidente indesejado. Ainda assim, na sua divulgação por minha

parte, seriam tomados cuidados com a privacidade dos participantes, substituindo os seus nomes ao mencioná-los na tese e publicando nela e em trabalhos subsequentes somente imagens que não mostrassem seus rostos ou vídeos/áudios que não apresentassem as suas vozes24.

Tal questão com relação a não publicação dos seus rostos me levou à necessidade de cortar algumas das fotografias inseridas neste trabalho, evitando a sua exposição. Isso ocasionou a perda da qualidade estética de algumas fotografias, pois o seu enquadramento se modificou e a sua resolução foi diminuída. Do mesmo modo, procurei tomar cuidado com a publicação de informações pessoais muito específicas, que poderiam comprometer o anonimato, dentre elas a data de nascimento dos participantes.

Além de aprovação no Colegiado do NDI para realização da pesquisa e nos Comitês de Ética em Pesquisa, antes de iniciar o processo de geração de dados, reuni-me com as professoras que foram convidadas para participar da pesquisa. Realizei o mesmo movimento com relação às famílias, estando presente nas reuniões de apresentação do Projeto Pedagógico (G1) e do Plano de Trabalho (G2 e G3) das professoras às famílias para conversar com elas. Com algumas famílias não presentes nesse momento foi possível conversar posteriormente.

A intenção desses momentos foi apresentar a pesquisa, indicando que sua participação era voluntária, sem custos, nem compensações financeiras25. Procurei deixá-los à vontade para conhecer melhor o trabalho e desejar, ou não participar (no caso das professoras) ou autorizar a participação das crianças (no caso dos responsáveis), explicando que tanto crianças quanto adultos participantes tinham direito, sem nenhum tipo de ônus ou prejuízo, a sair da pesquisa durante qualquer momento da sua realização.

Um desafio que tive com relação aos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, além da dificuldade em encontrar as famílias que não participaram da reunião coletiva, foi o desconhecimento com relação ao funcionamento da Plataforma Brasil. Assim que obtive a aprovação do Comitê da UFPel, pensei estar liberada para dar início à geração de dados e, então, fiz a apresentação às professoras e

24 Outras indicações com relação à ética na pesquisa estão dispostas nos Termos de Consentimento

Livre e Esclarecido entregues (Apêndices C e D).

25 Ainda que não haja compensações financeiras aos participantes, os demais custos que foram

previstos para a realização da pesquisa estão apresentados, como requerimento para submissão do projeto ao Comitê de Ética, no item “Orçamento previsto” (Apêndice F).

representantes das crianças. Entretanto, pouco tempo depois recebi um e-mail indicando pendências no meu projeto: como a pesquisa seria realizada na UFSC, ele foi encaminhado para o Comitê desta Universidade. Precisei, então, aguardar mais um tempo para iniciar a pesquisa de campo, retificando e imprimindo novos termos e buscando conversar novamente com as famílias.

Junto a isso, além do consentimento de responsáveis pelas crianças, busquei estar atenta a estratégias de assentimento utilizadas pelas crianças e pelos bebês (FERREIRA, 2010): gestos, movimentos e expressões não-verbais que demonstrassem aceitação ou não à pesquisadora e, consequentemente, sua pesquisa. No geral, encontrei boa aceitação de famílias e crianças (além das professoras), mas alguns bebês não se aproximavam de mim, não buscavam conhecer os instrumentos que eu carregava, nem me convidavam para alguma ação conjunta.

É possível que fatores como ausências ou tempo prolongado de sono justamente em vários dias em que estive presente tenham contribuído para que não me vissem ainda como pertencente ao grupo. Mas, ao não me darem abertura para estar em interação com eles, busquei acolher e respeitar esse afastamento, compreendendo que, neste momento, não desejavam participar do que eu estava propondo por ainda não terem desenvolvido uma relação de confiança com relação a mim.

Essa experiência investigativa reforçou o quanto pesquisar é percorrer um caminho em que muitas escolhas precisam ser feitas. Minha intenção foi procurar com que eu melhor me adequasse às possibilidades de acolhida da instituição e dos participantes. Ainda assim, foi um desafio enquadrar a pesquisa em alguns parâmetros éticos e formulários que nasceram no campo da saúde. Como defende Barbosa (2014), não podemos perder as nossas especificidades e os nossos avanços em termos metodológicos frente às outras perspectivas.

Nesse sentido, Rita Ribes Pereira (2015) analisa que a indagação filosófica de Borheim sobre “o que devemos fazer”, que deve inaugurar a relação ética, tem sido tomada pelos limites protocolares atualmente convencionais, que buscam nos responder de antemão “o que podemos fazer”. Pereira (2015) ainda defende que adotar um compromisso ético implica ter clareza dos motivos “para que pesquisamos” e complementa a discussão refletindo que, quando escolhemos pensar (ou não!) sobre um tema, uma determinada realidade se instaura. Assim, quando escolho

pesquisar com bebês/crianças bem pequenas e suas professoras nas suas relações com a natureza, estou apostando que eles e elas e a própria natureza merecem mais atenção.