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Estar na natureza dentro e fora da escola: intensificando as relações de crianças bem pequenas e bebês com a natureza

NATUREZA PROGRAMA ANO TÍTULO AUTORIA ORIENTAÇÃO INSTITUIÇÃO Dissertação

4.4 Os riscos por trás dos riscos: limitações e possibilidades no contato de bebês e crianças bem pequenas com a natureza

5.1.2 Estar na natureza dentro e fora da escola: intensificando as relações de crianças bem pequenas e bebês com a natureza

Se os espaços no entorno da escola ampliavam as possibilidades de contato com a natureza, é preciso reconhecer que algumas diferenças se colocam no modo como as relações aconteciam dentro e fora da escola. Nos espaços abertos do interior da escola, as crianças já eram familiarizadas com o lugar, não havia trânsito e, por mais amplo que fosse, era um espaço fechado enquanto instituição. No entorno, havia pedestres e veículos (embora circulando com bem menos quantidade do que nas ruas da cidade) e não havia limites de demarcação do espaço. Essa característica também era percebida pelas professoras, que adotavam diferentes estratégias com relação ao uso dos espaços, como indica Natália:

Eu acho que o trabalho ganhou outro contorno depois que a gente começa a pensar a ocupação das áreas externas. Acho que para as crianças foi fundamental. Veja que eu estou com crianças de grupo 2 e eles têm uma autonomia. Acho que quando você se libera um pouco dessa lógica de controle, que foi como eu cheguei aqui no NDI, isso te dá um outro tom para o trabalho. E, claro, o tempo inteiro a gente tenta estar atenta, com essa visão periférica, tentando acompanhar o movimento das crianças. A gente tenta organizar os estagiários de modo: ‘olha, então... se eles estão mais pra cá, então a gente cobre mais aqui, agora o outro cobre mais aqui’. A gente tenta pensar um pouco isso. Se uma sai pra organizar material, a gente administra pra que tenha uma outra professora. Tem relações ali de cuidado que a gente faz. Mas também é importante deixar que as crianças façam esses movimentos de experimentação, de irem um pouco sozinhas, de transitarem um pouco sozinhas pelo NDI, de ver até onde eles vão fazendo essas experimentações com as coisas, com os espaços. Que eles possam ousar e se desafiar a fazer coisas que não têm sempre um adulto acompanhando. Acho que ali acontecem outras interações e outras brincadeiras que são bastante interessantes. E eu acho que isso tem acontecido, as crianças estão com muita autonomia. Eles vão e voltam do banheiro sozinhos – precisando de ajuda, eles pedem. E, às vezes, a gente está no parque de trás, aí vem alguém dizendo: ‘ah, fulano estava lá no parque da frente’. ‘Ah, está tudo bem, ele foi lá um pouquinho e já está voltando’. Pensando no trabalho um pouco assim. Acho que isso tem sido legal (Professora G2, entrevista).

Essas estratégias utilizadas no espaço externo eram adotadas não para restringir a circulação das crianças, mas, justamente, para possibilitá-las. Sair com as crianças da escola demanda um olhar mais próximo e atento, mas não é por isso que é preciso enrijecer essa vivência – é importante considerar um tempo significativo para que seja possível fazer o deslocamento com crianças tão pequenas e, também, para que o caminho possa ser apreciado, como no registro abaixo:

Episódio nº 9 – Muitas coisas pelo caminho

Estou acompanhando G2/G3 no parque de trás. As professoras convidam as crianças a saírem da escola: comentam que passaríamos pela casa da torre, por onde haviam passado em outros passeios. Algumas crianças lembram do local, fazendo referência à torre da Rapunzel. As professoras indicam que vão coletar algumas coisas e, assim que todos estão prontos, saímos pelo portão lateral. As professoras avaliam que somente um carrinho de bebê seria levado para ajudar no deslocamento. Após cruzarmos o estacionamento e seguirmos em direção ao entorno do Departamento de Botânica, o passeio inicia pela passagem por uma ‘ponte’, como indicou Rodrigo (G3), para poder cruzar uma pequena vala. Algumas das crianças se interessam em passar pela ponte e outras em pular a vala, o que era possível com o auxílio de algum adulto. Depois da ponte, algumas coisas são coletadas pelo trajeto: folhas, flores e sementes caídas e até pitangas no pé (estas, para comer). Seguindo mais um pouco, encontramos um labirinto no meio do caminho, com plantas aquáticas! As professoras mostram as raízes das plantas e algumas crianças tocam nas plantas para ver de perto. Ao sair do labirinto, as professoras mostram muitas flores caídas e convidam a coletá-las. Algumas crianças contemplam as flores de outra árvore. Ao sairmos dali, passamos pelo ‘castelo da Rapunzel’, como chamado pelos grupos. O caminho é repleto de falas, tanto das crianças, quanto das professoras, com relação a bruxas, lobos e outros personagens que vão transformando o percurso em um universo diferente. Após o ‘castelo’, nos deparamos com uma escada longa e estreita, que parecia sem fim. Descemos por ali, rodeados de árvores e outras plantas, e chegamos a um espaço amplo e aberto, mas com uma cerca separando-o da rua principal. Ali o grupo permanece de forma mais fluida: algumas crianças acompanham e participam da coleta de pitanga, outras contemplam uma árvore colorida, algumas se interessam pelo que restou de uma construção, outras coletam coisas, ou brincam com gravetos. As professoras mostram a semente do Garapuvu, que é uma árvore símbolo da cidade, e como a semente sai de dentro de uma casca. Isso fascina as crianças. Elas passam a procurar pelas sementes caídas no local, transformando-as em itens da coleção que vão juntando no bolso dos seus coletes. Interessante que a proposta não objetivava uma competição entre as crianças, nem elas apresentaram interesse em coletar mais sementes (ou outros elementos) do que as outras, mas se envolveram bastante com a proposta. Mesmo no retorno com o grupo pela escada comprida, as crianças conseguiam ver sementes caídas nos seus degraus, parando para coletá-las. Ao chegarmos na escola, os elementos são reunidos para serem retomados em outros momentos e as crianças vão para o lanche (Registro de observação, 05/10/2018).

Figura 14 – Fotografia de uma das crianças tocando na planta aquática. Fonte: A autora.

Figura 15 – Fotografia de uma paisagem encontrada pelo caminho I.

Fonte: A autora.

Figura 16 – Fotografia de uma paisagem encontrada pelo caminho II.

Figura 17 – Fotografia de uma das crianças tocando na planta que lhe chamou a atenção no passeio.

Fonte: A autora.

Figura 18 – Fotografia de uma das crianças mostrando as sementes coletadas no passeio. Fonte: A autora.

O planejamento para esse momento previa uma visita ao espaço externo do entorno do Departamento de Botânica, localizado próximo à escola, no próprio campus da Universidade, buscando recolher elementos da natureza e investigar texturas, cheiros e sons desses materiais, que depois viriam a compor o espaço de uma casa sensorial que estava sendo construída pelos grupos (Planejamento G2/G3, 2018). Porém, isso não foi impeditivo para que as crianças pudessem brincar no parque antes de sair da escola, nem que, no caminho, enquanto coletavam os elementos, fosse dada abertura àquilo que emergia por parte do ambiente, das crianças ou dos adultos. Pelo contrário, o passeio era aproveitado sem a necessidade de apressá-lo.

Como a natureza propõe muitos convites (a tocar, cheirar, colher, contemplar, descobrir...), estender o tempo que as crianças podem passar na natureza complexifica a sua experiência no mundo, sobretudo quando as professoras também consideram esses convites no seu trabalho. Assim, de um objetivo inicial, foram possibilitadas diferentes vivências, conferindo outros significados ao entorno e ao que nele foi encontrado: a partir da proposta de recolher elementos da natureza no terreno vizinho à escola, as crianças aprenderam sobre as sementes coletadas, conheceram plantas aquáticas, contemplaram a beleza de algumas flores e desafiaram-se a novos movimentos (passar por uma pequena “ponte”, subir e descer a escada, movimentar- se em um espaço amplo sem os “muros” da escola).

Frequentar os espaços externos à escola também permitia recriar e ampliar seus conhecimentos, dos quais, alguns seriam difíceis de serem vivenciados dentro da escola, pois, apesar de a instituição investigada ter espaços privilegiados de contato com a natureza, a natureza carrega uma diversidade tão grande que nem tudo é possível encontrar dentro da escola, como ver o funcionamento de plantas aquáticas, ou de plantas dormideiras, como ocorreu com o G1 em outra ocasião:

Episódio nº 10 – Visitando os girassóis e conhecendo as dormideiras G1 é convidado para sair da escola para ver como está o desenvolvimento dos girassóis. Logo ao sair, a professora do G1 vê uma planta dormideira e chama a atenção das crianças para que vejam o seu funcionamento, pois, ao ser tocada, ela se recolhe. Isso desperta a curiosidade das crianças e quem está a pé se aproxima para vê-la de perto (Registro de observação, 16/08/2018).

Volto a destacar, portanto, o papel da professora, enquanto ser mais experiente e dotado de intencionalidade pedagógica, ao auxiliar as crianças a ampliarem seus olhares e conhecimentos sobre a natureza, bem como as possibilidades de affordances na sua relação com a ela, como na vivência acima e nas que seguem, tanto dentro quanto fora da escola:

Episódio nº 11 – Muitas formas de subir nos troncos

Depois de um trajeto com coletas e observações, G2/G3 chegam ao Bosque localizado no entorno da escola. Enquanto a professora do G2 está com algumas crianças coletando e brincando com alguns galhos, a professora do G3 está acompanhando as demais crianças, que tentam subir em grandes troncos deitados61. Algumas crianças fazem força com o corpo para conseguir

impulso e subir nas árvores. Outras esticam uma perna até que consigam lançar-se sobre elas. A professora auxilia as crianças que desejam ficar de pé sobre as árvores e ajuda também Bernardo (G3) a sentar-se sobre o tronco. Como ele precisa de apoio para se manter em cima da árvore, a professora senta junto a ele para facilitar que se equilibre. Ele sorri, demonstrando apreciar a experiência, sentir o vento e a textura da árvore (Registro de observação, 09/08/2018).

Episódio nº 12 – Escorregando no papelão – e ficando “cheio de barro” Quando chego no parque de trás, local onde as crianças se encontram, me deparo com algumas delas brincando de escorregar sobre um papelão disposto no declive ao lado do Módulo IV. A professora do G3 está viabilizando a brincadeira, junto com outros adultos. Há um combinado de que é preciso subir pela grama para não obstruir o caminho de quem está escorregando (e para evitar que as crianças se machuquem ao se chocarem) e é necessário respeitar quem está prestes a descer, não escorregando na sua frente. Algumas crianças estão com seus calçados e, outras, descalças.

61 O Bosque passou um processo de substituição de árvores não-nativas, o qual está detalhado no

link: https://noticias.ufsc.br/2018/01/ufsc-vai-substituir-arvores-nao-nativas-do-bosque-do-cfh-fazenda- da-ressacada-e-barra-da-lagoa/. Acesso em: 24 jun. 2019.

Luís (G2) escorrega e, ao chegar lá embaixo, pega o seu pé (calçado com um tênis) e diz ‘tá cheio de barro’. Sua calça também está, pois estão brincando em uma área onde há trechos com grama e trechos mais barrentos. Mas isso não é motivo nem para ele, nem para a professora para que ele precise parar de brincar – aliás, nem para as outras crianças, que também estão com um pouco de barro em suas roupas ou calçados, ou ainda nos próprios pés, pois algumas estão descalças. Interessante observar que, por mais simples que possa parecer, um escorregador feito com papelão sobre um morro permite às crianças uma boa variedade de movimentos e sensações: descer no escorregador sentados, de costas, de barriga, formar trenzinhos sobre o escorregador, subir de pé (utilizando bastante a força), subir com os apoios das mãos... (Registro de observação, 08/11/2018).

Figura 19 – Fotografia de uma das crianças escorregando com os pés descalços. Fonte: A autora.

Ocupar espaços externos à sala e à escola pressupõe, assim como se faz necessário nos espaços internos, um planejamento: pensar tempos, materiais, condições para realizar determinadas propostas, objetivos. E implica, ainda, um olhar atento e aberto por parte da professora para fazer mediações e ampliar os conhecimentos das crianças a partir daquilo que vivenciam, aproveitando as affordances que podem surgir dos espaços, como uma ladeira, ou um tronco de árvore, para propor algo junto às crianças.

Também da natureza podem vir elementos para a construção do próprio trabalho pedagógico em termos de propostas desenvolvidas com o grupo. Os elementos coletados pelos grupos (folhas, galhos, pedras, sementes....), que colocam a possibilidade de as crianças serem ativas nesse processo, também eram utilizados para a criação de casas/caixas e de uma grande casa (Planejamento G2/G3, 2018). Essa é uma escolha das professoras em construir junto às crianças (em vez de levar

propostas prontas ou estereotipadas) e em utilizar materiais que ultrapassassem os industrializados ou os já concebidos como materiais escolares, para partir aquilo que a natureza fornece. É sobre a especificidades desses materiais e dos brinquedos que me debruço a seguir.

5.2 Repensando materiais e brinquedos na educação infantil para promover