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CAPÍTULO 4 UMA POSSIBILIDADE DE REFLEXÃO SOBRE A AÇÃO DO

4.1 As professoras frente a questões específicas da representação fracionária

4.1.6 A crença no material manipulável

Cabe destacar que, ao resolverem determinadas situações, no momento em que as dúvidas emergem quanto à dificuldade na compreensão da representação fracionária, percebemos que dois pontos dão segurança às professoras. Um mediante a representação fracionária que passa a ser representação decimal pela divisão, cuja análise já foi desenvolvida anteriormente. O outro é o reforço da valorização da utilização do material concreto como uma forma de entendimento dos conceitos matemáticos.

Percebemos que a visualização e a manipulação de materiais permitem às professoras uma maior segurança no seu trabalho quando ensinam os Números Racionais. Dentre as falas das professoras nos relatos realizados através das entrevistas e pontuados no capítulo 3 desta pesquisa quanto às estratégias de ensino utilizadas no ensino dos Números Racionais, destacamos que elas têm a crença no material concreto. Também nos encontros este ponto se tornou significativo.

Pensando nisso, traremos em pauta o episódio número 1, denominado “Montagem dos círculos” recortado do encontro 5, denominado “ O conceito de equivalência”. Neste, ao entregar três círculos as professoras, um vermelho dividido em 4 partes, um amarelo dividido em 6 partes e um rosa dividido em 3 partes, solicitamos que as professoras observassem esse material, tentassem encontrar relações entre os mesmos e pensar em trabalhos que poderiam ser realizados com frações utilizando este material.

Episódio 1: Montagem dos círculos

A1: Agora o encontro vai ser legal! (Fala isso no momento que recebe o matéria.). Psq: Como podemos comparar estes materiais?

(As professoras montam as peças, tentam encaixar bem direitinho cada pecinha no seu luga.)

PRÉ: Agora é o nosso chão, podemos brincar de fração.

A3: Poderia inventar algum joguinho! (Responde de forma exclamativa.) PRÉ: Trabalhar as cores, formas, tamanhos,...

A2: Trabalhar frações demonstrando quantidades! (Fala em tom exclamativo.)

(Enquanto vão falando, as professoras mexem, manuseiam o material, observam, estão todas aparentemente muito satisfeitas por terem recebido um material que será utilizado no encontro.)

Psq: O que podemos dizer em relação aos círculos montados? A1: São inteiros! (Fala baixinho).

PRÉ: Os três são inteiros de cores diferentes. São iguais divididos em partes

diferentes.

(A1 e A2 concordam.)

A3: Cores iguais e tamanhos dos círculos diferentes.

A2: As partes é que são diferentes, não os círculos. Umas são maiores, outras

menores e outras divididas em mais partes. (A4 concorda com as falas.)

Psq: Quanto representa cada parte do círculo? A4: O vermelho, 1 quarto.

A2: Deu a parte de um inteiro, todas elas né. Azul são 3 partes, cada parte

representa um terço. A vermelha são 4 partes, cada parte representa 1 quarto e a amarela são 6 partes cada parte representa um sexto.

(Todas observam atentas a colega e concordam.)

Psq: Há diferença na representação da fração do círculo azul para o vermelho?

(A4 faz uma cara de espanto.)

(A1 olha para as figuras da colega, parece que nas suas não percebeu nada.)

PRÉ: No meu ponto de vista tem 2 diferenças. As cores, e divididos em partes

diferentes. O vermelho dividido em 4 partes, o azul em 3.

(As colegas permanecem em silêncio e ficam mexendo nas pecinhas.)

A4: (Tenta colocar duas peças vermelhas sobre 1 azul tentando encontrar alguma

relação, mas ao perceber que não dava desistiu.)

Psq:E do vermelho para o amarelo? A4: Também o número de partes? Psq: E do amarelo para o azul? PRÉ: O amarelo é menor que o azul. A2: Não, as partes são menores.

A3: O vermelho está dividido em 4 partes e o amarelo em 6.

PRÉ: Ah! Eu sei, se tu dividir o vermelho na metade e o amarelo na metade, o

vermelho vai ficar com 2 partes, e o amarelo também. (Todas concordam....)

Psq: E o que isso significa? PRÉ: Frações.

Psq: Tem mais algum significado, observem bem.

(Todas ficam pensativas por um tempo.)

A2: Ah! São equivalentes!!!!

Todas concordam e dão risadas...

A3: Agora sim, com o material a gente consegue entender bem melhor a

equivalência.

A4: É, esta é uma forma bem legal de trabalhar com os alunos, até para a gente fica

fácil!!!(Responde em tom exclamativo.)

A1: É porque é difícil achar uma forma de explicar equivalência, a maioria dos

alunos não entende.

O trabalho com a matemática em sala de aula representa um desafio para o professor na medida em que exige que ele conduza o ensino de forma significativa e estimulante para o aluno. Geralmente as referências que o professor tem em relação a essa disciplina provêm de sua experiência pessoal e da sua formação inicial como já vimos anteriormente. Com o ensino dos Números Racionais é preciso evitar a memorização de definições de regras sem compreensão. Neste sentido, o uso de material concreto em sala de aula pode auxiliar, porém, conforme Fiorentini e Miorim,

[...] o professor não pode subjugar sua metodologia de ensino a algum tipo de material porque ele é atraente ou lúdico. Nenhum material é válido por si só. Os materiais e seu emprego sempre devem estar em segundo plano. A simples introdução de jogos ou atividades no ensino da matemática não garante uma melhor aprendizagem da matemática (FIORENTINI E MIORIM, 1996, p. 30).

Ao aluno deve ser dado o direito de aprender. Não um “aprender” mecânico, repetitivo, de fazer sem saber o que faz e por que faz. Muito menos um “aprender” que se

esvazia em brincadeiras, mas um aprender significativo, do qual o aluno participa raciocinando, compreendendo, reelaborando o saber historicamente produzido e superando, assim, sua visão ingênua, fragmentada e parcial da realidade.

O material ou o jogo podem ser fundamentais para que isso ocorra em alguns níveis de ensino da Educação Básica. Nesse sentido, o material mais adequado nem sempre será o visualmente mais bonito e nem o já construído. Muitas vezes, durante a construção de um material o aluno pode ter a oportunidade de aprender matemática de uma forma mais efetiva e de já iniciar a exploração dos seus conhecimentos a respeito do que está fazendo. Já em outros momentos o mais importante não será o material, mas sim a discussão e resolução de uma situação problema ligada ao contexto do aluno, ou ainda, à discussão e utilização de um raciocínio mais abstrato.

No caso das professoras, podemos levantar duas questões: será que o material concreto serve como suporte no ensino pela própria dificuldade que as professoras têm com relação aos Números Racionais possibilitando assim uma melhor compreensão e mais facilidade na explicação por parte das mesmas? Ou o material concreto é utilizado como forma de tornar as aulas mais agradáveis, tentando facilitar a aprendizagem por parte dos alunos e na forma de ensinar, sem conseguir de fato estabelecer um vínculo com os conceitos trabalhados?

Pelas dificuldades apresentadas no decorrer dos encontros acreditamos que a primeira questão seja a mais conveniente no ensino dos Números Racionais no caso das professoras participantes da pesquisa. Realmente lacunas e dificuldades na própria compreensão são relevadas e no momento da utilização de materiais concretos traz uma maior segurança para elas. Percebemos isso nas falas entre a professora A1, PRÉ e A3 no início do episódio quando dizem: A1 “Agora o encontro vai ser legal”, PRÉ “Agora é o nosso chão, podemos brincar de fração” e A3 Poderia inventar algum joguinho”. Parece que, para as professoras, o ensino com materiais concretos está vinculado ao “brincar” ao tornar a aula agradável, prazerosa, ou seja, a intenção é tornar a aula divertida no momento do ensino, porém cabe destacar que quando temos uma intencionalidade didática, precisamos de fato considerar o conceito que vamos trabalhar.

O que acontece muitas vezes é que o professor estando consciente de que não consegue alcançar resultados satisfatórios junto aos seus alunos e tendo dificuldades de por si só repensar o seu fazer pedagógico, procura novos elementos para o ensino. Estes elementos, muitas vezes, se detêm a meras receitas de como ensinar, e o professor não tendo a clareza necessária das razões fundamentais pelas quais os materiais ou jogos são importantes para o

ensino e aprendizagem da matemática, munem-se destas estratégias sem questionar se estes realmente são necessários e em que momentos podem ser utilizados e como podem ser usados.

Nesse sentido, costuma-se justificar a importância dessas estratégias apenas pelo seu caráter “motivador” ou pelo fato de se ter “ouvido falar” que o ensino da matemática tem de partir do concreto ou ainda porque através deles as aulas ficam mais alegres e os alunos passam a gostar da matemática.

Temos vários pontos positivos em relação ao material concreto quando utilizado de forma a se identificar com o conceito matemático explorado. É importante o professor compreender que o conceito matemático não esta no material, mas nas possibilidades de exploração propostas pelo professor aos seus alunos, articulando processos de generalização e abstração.

Não é simplesmente a utilização e apresentação de um material que garante a aprendizagem e não é a manipulação sobre o material que garante a compreensão, mas sim os processos reflexivos estabelecidos pelos sujeitos em processo de aprendizagem. Quando estes materiais provocam uma reflexão e o estabelecimento de relações lógicas por parte dos alunos, ou seja, desenvolvem o pensamento reflexivo, contribuem para estimular o senso de iniciativa.

Neste sentido entendemos que o material pode ser um desencadeador da aprendizagem a partir de ações devidamente planejadas e mediadas pelo professor. Sem uma intencionalidade, sem objetivos conscientes e bem planejados, este passa a ser um mero material utilizado e não traz para a sala de aula os objetivos fundamentais de uma aprendizagem matemática: os processos de abstração e generalização.