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CAPÍTULO 3 – O OBJETO MATEMÁTICO EM QUESTÃO: NÚMEROS

3.2 O conceito dos Números Racionais e suas representações

Partindo do pressuposto de que o ato de aprender está ligado ao ato de ensinar e conscientes de que a especificidade do saber matemático encontra-se nos conceitos e na diversidade de registros que estes conceitos mobilizam, entendemos que o essencial do ato de ensinar não se refere somente ao conteúdo ou ao assunto a ser ensinado, mas pressupõe também o conhecimento e o domínio dos conceitos matemáticos, o conhecimento de como o aluno aprende e as diferentes estratégias que precisam ser utilizadas no processo de ensino.

Para tanto, as reflexões a seguir se direcionam no sentido da construção dos conceitos em matemática e sobre o pensamento cognitivo envolvido que é um processo essencial para a organização de atividades de ensino e para a aprendizagem. Com dedicação voltada a pesquisar acerca da representação semiótica enquanto forma de expressar o objeto matemático, Gerard Vergnaud (1993) e Raymond Duval (2003) concentram seus estudos na aprendizagem da matemática segundo aspectos cognitivos.

Franchi (1999), Duval (2003) e Vergnaud (1993), se apoiam em operações cognitivas do pensamento para entender como se processa a conceitualização. Portanto, para estudar e entender como os conceitos matemáticos se desenvolvem na mente dos alunos por meio de suas experiências dentro e fora da escola, conforme Verganaud (1983), precisamos considerar três fatores fundamentais: o conjunto de situações em que o sentido é constituído (referência - S); o conjunto de invariantes operatórios, conceitos-em-ato e teoremas-em-ato que intervêm dos esquemas de tratamento dessas situações (significado - I) e o conjunto de representações lingüísticas e não lingüísticas que permitem representar simbolicamente o conceito, suas propriedades, as situações às quais ele se aplica e os procedimentos de tratamento de que eles se nutrem (o significante - L). Assim, “[...] um campo conceitual é um conjunto de situações, cujo domínio progressivo exige uma variedade de conceitos, de procedimentos e de representações simbólicas em estreita conexão [...]”; o conjunto de conceitos que contribuem com o domínio dessas situações. (VERGNAUD, 1983).

A importância da teoria de Vergnaud, segundo Bittar e Muniz (2009) se dá em duas ideias fundamentais: a situação e o conceito, ou seja, um conceito se desenvolve mediante variadas situações – um conjunto de situações e um conjunto de conceitos desencadeiam o campo conceitual. Assim, a compreensão acerca do ensino está atrelada ao sistema conceitual do indivíduo que o permite captar, significar e posicionar-se diante de qualquer realidade.

Voltando-se também ao interesse no processo do desenvolvimento cognitivo, Vigostky (1993), complementa nosso pensamento quando enfatiza que tal processo ocorre ao longo da vida através de diferentes fases que envolvem diversos processos mentais, um deles é o processo de formação de conceitos que tem início na infância e amadurece e se configura na puberdade. No início, a formação de conceitos é um processo mediado por signos que constituem o meio para aquisição. Para Vigotsky (1993), ao longo do desenvolvimento cognitivo, a formação de conceitos passa por três fases básicas: o Sincretismo onde a criança agrupa objetos de forma desorganizada; Pensamento Complexo onde a criança já começa a organizar grupos de objetos orientando-se por semelhanças concretas visíveis e o último estágio denominado Pseudoconceito. Nele os resultados obtidos são semelhantes aos obtidos no pensamento conceitual no qual o indivíduo precisará sair do plano concreto, daquilo que lhe é mais palpável, visível e imediato e procurar fazer relações mais abstratas.

Portanto, podemos dizer que tudo o que está em sua volta, seus pensamentos, suas experiências, suas ideias, as situações,... o homem sempre buscou representar de alguma forma – seja através de figuras, desenhos ou linguagem falada. Assim, no processo de produção do conhecimento não é diferente. Criaram-se primeiramente os símbolos e em seguida a linguagem escrita, o que corrobora com o entendimento que o ato de representar se faz presente na atividade cognitiva do ser humano desde os primórdios e está ligado aos processos lingüísticos e, consequentemente, semióticos.

Conforme Colombo, Flores e Moreti (2005), a semiótica passa a ser, na modernidade, a ciência que explica os processos das representações do ato de conhecer. Em consequência disso, as representações enquanto parte concreta e que relaciona o objeto matemático e o sujeito que aprende, se estabelecem como elemento importante no processo de ensino e aprendizagem da matemática.

Nesse sentido, Vergnaud (1998, apud BITTAR e MUNIZ, 2009), propõe que, para compreender a natureza do pensamento e obter suas constituições mais essenciais, devemos considerar todos os registros da atividade humana, não nos limitando somente aos registros científicos ou técnicos, mas considerando também os gestos, os diálogos, as interações sociais e afetivas. Portanto, conforme Colombo, Flores e Moretti (2005), a representação é

imprescindível na formação e construção de conhecimentos, uma vez que o conhecimento é veiculado e limitado pelas representações. Para os autores, limitado porque para se ter conhecimento é preciso que o objeto do conhecimento esteja em presença do sujeito do conhecimento, “[...] é preciso que o objeto do conhecimento seja dado a conhecer, o que ocorre por meio das representações. Estas possibilitam o acesso aos objetos do conhecimento”. (COLOMBO, FLORES e MORETTI, 2005, p. 41).

No que se refere especificamente à Representação fracionária em relação ao conceito dos Números Racionais, para Vergnaud (1983) este não é compreendido apenas como um conceito, mas como um dos elementos que compõem o campo conceitual multiplicativo. Complementando, Gomes (2006) afirma que o Número Racional é definido a partir das estruturas multiplicativas – conjunto de problemas que necessitam de operações de multiplicação e divisão, que apesar de serem dependentes das estruturas aditivas que é um campo específico, incluem as proporções simples e múltiplas.

Kieren (1976) acredita que os Números Racionais constituem a base para a educação matemática e científica. Entender frações impõe condições de incorporá-las dentro de um campo bem maior, o campo dos Números Racionais. O conceito de Número Racional possui diferentes subconstrutos nos quais esses números podem ser interpretados, tais como relação parte-todo, medida, quociente, razão e operador. Segundo esse pesquisador, os Números Racionais envolvem diferentes ideias: abrangem frações com as quais podemos comparar, adicionar, subtrair etc.; são frações decimais, extensões dos números naturais; são classes de equivalência; são números da forma p q nos quais p e q são inteiros e q0 expressando razões; são operadores multiplicativos, como exemplo, 2 3 de 12; são elementos de ordem infinita no campo dos quocientes.

Por isso, segundo Vergnaud (1985), uma determinada situação para ser compreendida necessita da mobilização de vários conceitos e cada conceito, isoladamente, pode ser mobilizado para a compreensão de mais de uma situação. Para o mesmo autor, sob o ponto de vista psicológico e didático da formação de conceitos matemáticos, estes precisam ser compreendidos contemplando um conjunto de invariantes que podem ser utilizados na ação do sujeito em diferentes situações na maioria das vezes pela via da linguagem oral do que das representações.

Duval (2003), cuja teoria vem ao encontro dos Campos Conceituais de Vergnaud, enfatiza que além da mobilização de vários conceitos em variadas situações problema tem justamente como uma das características importantes da atividade matemática a diversidade

dos registros de representação semiótica que ela mobiliza obrigatoriamente. Na perspectiva do autor, uma análise do conhecimento matemático é, essencialmente, uma análise do sistema de produção das representações semióticas referentes a esse conhecimento.

Os estudos de Duval (2003) inserem-se nas pesquisas atuais que concebem o educando como sujeito ativo no processo de sua aprendizagem ou, em outras palavras, como o sujeito que elabora conhecimento a partir da interação entre os vários elementos que compõem o ato pedagógico - o professor, o meio, a linguagem, o aluno, o saber matemático e suas representações semióticas, ou seja, o funcionamento cognitivo implicado na aprendizagem da matemática com vistas a desenvolver a capacidade de raciocínio, de análise e de visualização.

Amparadas nestas definições é que buscamos referenciais no que tange à preocupação com relação ao aperfeiçoamento dos professores mediante situações problemáticas do ensino voltadas a questões dos Números Racionais na sua representação fracionária, como possibilidade de ressignificação da prática docente, na qual o professor vem desencadear a busca pelo conhecimento em meio ao coletivo, utilizando de diversos elementos que compõem o ato pedagógico, como forma de compreender este amplo e complexo processo que compõe o ato de ensinar.

Duval (2003) procura justamente determinar o funcionamento cognitivo implicado na atividade matemática na perspectiva de explicar os problemas que surgem na compreensão de seus processos na aprendizagem, chamando atenção para a importância do uso da representação no ensino dessa disciplina. Neste aspecto, deixa claro que a diferença entre a atividade cognitiva requerida pela matemática e aquela requerida em outros domínios do conhecimento não deve ser procurada somente nos conceitos, mas na importância primordial das representações semióticas e na grande variedade de representações semióticas utilizadas na matemática.

Neste sentido, é importante compreender o que seriam essas representações essenciais ao funcionamento e desenvolvimento do conhecimento matemático. A noção de representação é muito geral, então Duval (2004, apud MACHADO 2003) estabeleceu três perspectivas para essa noção: as representações mentais que têm por função a objetivação (expressão particular) a da comunicação (expressão para outro) e as representações computacionais que têm a função de tratamento e não podem ser completadas pelas funções mentais e as representações do cálculo que estão diretamente ligadas à utilização de representações semióticas.

Portanto, para Duval (2004, apud MACHADO, 2003) as representações semióticas representam um papel essencial no desenvolvimento das representações mentais, as quais permitem representações diferentes de um mesmo objeto. Para mencionar os diferentes tipos

de representação semiótica utilizados na matemática, Duval (2003) faz uso do termo registro de representação semiótica.

Essas representações semióticas são utilizadas para representar objetos/conteúdos/conceitos matemáticos como: língua natural, escrita numérica na qual encontramos situadas a fracionária, a decimal, a binária..., escrita algébrica, gráficos cartesianos, entre outras, permitindo uma diversificação das representações de um mesmo objeto aumentando a capacidade cognitiva dos sujeitos possibilitando apreensões conceituais. Duval (2004) considera os diferentes sistemas semióticos que produzem essas representações porque eles permitem uma diversificação das representações de um mesmo objeto aumentando as capacidades cognitivas dos sujeitos e, portanto, suas representações. (DUVAL, 2004, apud SOARES, 2007).

Duval (2004) confirma que não é possível separar os diversos registros de representação semiótica da função cognitiva do pensamento humano. Para ele não há noésis (apreensão conceitual de um objeto) sem semiósis (apreensão ou produção de uma representação semiótica). Exemplificando essas considerações apresentadas pelo autor, podemos considerar um Número Racional e seus diferentes registros de representação: representação fracionária ou decimal; representação pela língua natural e representação figural.

Nesta multiplicidade de representações referentes ao Número Racional, o fato de o aluno saber resolver uma atividade envolvendo o Número Racional na forma fracionária, denominada por Duval de semiósis, não garante que ele tenha o conceito do Número Racional desenvolvido, denominado de noésis. Por isso, conforme Duval (2003), um objeto matemático não pode ser confundido com seu registro de representação.

Para o autor, a análise do desenvolvimento cognitivo e as dificuldades encontradas na aprendizagem dos Números Racionais confrontam-se com três fenômenos interligados. Encontramos estes estudos em Catto (2000), a qual buscou identificar a dificuldade de alunos do Ensino Médio em fazer a conversão dos registros de representação dos Números Racionais partindo do confronto dos fenômenos apresentados por Duval:

1a) A existência de diversos registros de representação semiótica, o número racional quando introduzido no ensino fundamental aparece representado por três tipos de registros de representação apontados por Duval: registro simbólico-numérico (fracionário ou decimal), ou algébrico; no figural (representação de partes de grandezas discretas ou contínuas); e, evidentemente, no registro da língua natural.

2a) A diferenciação entre o objeto representado e seus registros de representação semiótica, gerando dificuldades na aprendizagem relacionadas ao fenômeno da diferenciação entre representado e representantes que podem ser detectadas nos exemplos que seguem. Catto (2000), na atividade lançada a alguns alunos do Ensino Médio, em que a tarefa era colocar os sinais de = ouentre (0,5)2 e ( 21 ) também ao quadrado, uma das estudantes deu como resposta: (0,5)2 = 0,25; 0,25( 41 ); e ( 41 ) = 0,25.

Segundo Maranhão (2003), o fato de a aluna responder (0,5)2 = 0,25; 0,25( 41 ); e ( 41 ) = 0,25 como resposta à atividade proposta por Catto, e não ter identificado as duas representações como sendo de um mesmo número é indício da decorrência do confronto dos fenômenos apresentados por Duval (2003). Segundo a autora, um tratamento no registro da língua natural favoreceria levar a aluna a perceber a identificação do objeto matemático (nesse caso o número) e a identificação de sua representação (aqui a forma fracionária e decimal).

3a) Momento a coordenação entre registros de representação semiótica. Uma atividade que requeira ao aluno que escreva 0,25 como1 4 envolve um mesmo registro numérico, porém com tratamentos diferentes. Veja que ao dizer que 0,25( 41 ) e ( 41 ) = 0,25, a aluna, num sentido de ( 41 ) = 0,25 identificou as duas representações como de um mesmo número. Creditamos isso ao tratamento de dividir 1 por 4. Já na resposta 0,25  ( 41 ), parece que a aluna não tinha à sua disposição uma atividade de tratamento que possibilitasse transformar 0,25 para 25100 (congruentes) exigindo a simplificação nesse registro para chegar a1 4.

Baseados na Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud, podemos dizer que, em relação aos três momentos apresentados, a aluna não se muniu de uma organização de invariantes do pensamento para a resolução do problema. Nesse sentido uma das propostas de Vergnaud é repensar as condições de aprendizagem com o objetivo de que esta se torne significativa para os alunos propondo condições para que eles identifiquem dentro dos saberes científicos e cotidianos elementos necessários para tal aprendizagem. Essa teoria tem como um dos seus aspectos relevantes o destaque dado ao tratamento do saber escolar situado entre o saber cotidiano e o saber científico.

Diante destas questões, destacamos que regras de conversão não são perceptíveis somente em situações de aprendizagem, mas também em situações relacionadas ao ensino. Para compreendermos como isso acontece numa situação real a partir de uma atividade relacionada ao ensino dos Números Racionais, tomemos como recorte o episódio 2 “Unidades de medida-subdivisão” do primeiro encontro intitulado “Relação decimal e fração” cuja

ênfase se dá justamente na dificuldade da questão da conversão de uma mesma representação apresentada por Duval numa situação de aprendizagem, no caso das professoras.

Episódio 2: Relação decimal e fração Psq Qual é nossa unidade?

A2: O metro, essa fita.

Psq: O que é essa nossa unidade, como a vemos? A3: 100 cm. (Pensa um pouco e responde.)

A1: Eu penso em algo dividido em 100 partes iguais. (A2 concorda.) Psq: De quanto?

A3: 1 cm corresponde a cada parte. (Novamente pensa um pouco e responde.) A1 e A2: (Balançam a cabeça concordando.)

Psq: O que cada uma destas partes representa em relação a nossa unidade de

medida – o metro?

A4: 1 centésimo. (Responde de imediato.) A2: É o que eu iria responder. (Concorda.) Psq: Por quê?

(Todas silenciam...pensam...olham umas para as outras.)

A2: 1 por que o metro está dividido em 100 partes iguais? (Responde timidamente

em forma de questionamento não tendo certeza da resposta.)

A1: É, o 1 porque é uma parte e o 100 porque são 100 pedaços. (Interrompe a fala

da professora A2.)

(A1 e A4 concordam com o que as colegas falaram.)

Psq: Como podemos registrar cada uma destas partes em relação ao metro?

(Novamente as professoras silenciam, olham para os lados, para a mesa, ninguém se arrisca em dar uma resposta.)

A4: Um cem avos!

Psq: Há outra forma de fazer este registro? Qual?

A4: Um centésimo! (Responde de forma exclamativa um tempo após a pergunta.) A1 e A3: (Não falam nada, apenas olham para a pesquisadora para ouvir a

resposta.)

A2: 100 centímetros. (Responde em seguida.)

(Todas param! Apenas gesticulam. A1 passa a mão na cabeça, A2 passa a mão na fita, estica, reconta os pedaços, como tentativa de nela encontrar a resposta.)

A3: Ah, é aquele 0,01.

A1: É 1 centésimo. (Concorda, mas inicia-se um processo de confusão e

insegurança.)

A4: 0,01!!! (Responde em tom exclamativo e novamente usa papel e caneta para

anotar e responder.)

A1: Não, é 0,001.(Discorda.)

A4: Não mesmo, porque são 2 casas decimais, então é sim 0,01. Psq: E agora, certeza?

A4: Eu acho que sim.

A1: Eu continuo achando que é 0,001. PRÉ: Pra 100 não é assim!

A3: Não porque se não vai ser... (Apenas inicia uma fala inconclusa, balança a

cabeça e pára de falar, não tem mais certeza do que está afirmando.)

Psq: Como vocês chegaram até isso?

A1: É que nós temos um conhecimento já construído a respeito disto. Porque nós já

aprendemos esse conceito e é a partir dele que a gente tenta e o aluno agora vai ter que construir diferente, então eu não sei, o aluno vai aprender diferente daquele conceito que nós tínhamos até então.

A atividade de tratamento entre registros fracionários e decimais não é muito explorada em situações de ensino. A confusão gerada no momento em que a questão do tratamento entre o registro fracionário para o decimal se faz presente provém da não identificação dos tratamentos necessários à representação decimal e fracionária no registro numérico. As dúvidas geradas quanto à questão decimal são de natureza conceitual, ou seja, o reconhecimento e a preocupação se desencadearam novamente com relação à questão de lacunas existentes entre a sua formação e a prática que não possibilitou a conceitualização dos Números Racionais.

Vejamos como os autores em questão levam em consideração episódios como este e o tomam como premissa para complementar o ensino dos Números Racionais numa perspectiva conceitual. Para Vergnaud (1993), o processo de desenvolvimento cognitivo em situações de aprendizagem por estar fortemente ligado a situações a serem enfrentadas pelo sujeito, tem como cerne a construção dos conceitos, ou seja, a conceitualização. Assim, para que ocorra o surgimento do conhecimento conceitual, esse deve emergir dentro de situações-problema, isto é, fornecer situações problematizadoras que possuam significação e que essa tenha como objetivo fornecer potencialidades para o surgimento e aquisição do conceito e sua estrutura mediante a sua resolução.

Neste sentido, a problematização de situações reais de ensino que envolveu os Números Racionais na sua representação fracionária possibilitou a estas professoras a elaboração inicial, ou seja, o conhecimento conceitual do Número Racional que emergiu mediante a situação-problema apresentada. A relação existente entre os registros decimal e fracionário e a compreensão em haver necessidade de identificação de tratamentos diferentes para o mesmo registro é fundamental para que haja um ensino e aprendizagem significativos, e isto se fez presente nos encontros.

Assim, retomamos a perspectiva de Vergnaud (1993), na qual não podemos estudar um novo conceito matemático de forma isolada, mas relacionando-o com outros conceitos através de situações problematizadoras. Duval (2003) complementa voltando sua atenção para a forte ligação entre “semiósis” e “noésis” no funcionamento cognitivo do pensamento e analisa diferentes atividades cognitivas ligadas à semiósis. Para tanto, conforme os dois autores, as conexões entre os conceitos são fundamentais. No entanto, se fazem aqui necessárias definições mais precisas do que faz com que um sistema semiótico seja considerado um registro de representação. Para Duval (2004, apud SOARES, 2007, p. 28), ele deve permitir três atividades cognitivas ligadas a semiósis:

 A formação da representação identificável como uma representação de um registro dado estabelecida na relação de um texto ou esquema, enunciado compreensível no escrito de uma sentença de um gráfico, desenho de uma figura geométrica. Esta formação se faz em função de unidades de regras de formação que são próprias do registro semiótico em que a representação é produzida. As regras já estão estabelecidas na sociedade não sendo competências do sujeito criá-las, mas sim utilizá-las para reconhecer situações.

 O tratamento de uma representação é a transformação dela no próprio registro do qual ela foi elaborada.

 A conversão de uma representação é uma transformação dessa representação em outra representação conservando a totalidade ou uma parte do conteúdo da representação inicial.

Para exemplificarmos o que acabamos de citar, vejamos a seguinte atividade:

Luana plantou morangos em três oitavos de sua horta, alface em um quarto, beterrabas em sete quarenta avos e cenouras em um quinto da horta. Portanto, a parte que Luana plantou os morangos é maior que a parte em que plantou alface? Qual é o número que representa a diferença entre essas partes?

Resolução: Morangos: 38; Alface: 14 (Conversão do registro da língua natural para registro numérico).

Morangos: 3 x 2 / 8 x 2 = 616; Alface: 1 x 4 / 4 x 4 =416;

Logo: 616 > 416, então M > A. Portanto: 616 - 416 = 216 (tratamento: transformações dentro de um mesmo registro numérico).

Nessa situação, a identificação da representação se faz presente uma vez que para fazer a conversão do registro da língua natural para o registro numérico é necessário identificar o objeto matemático: número racional. Conforme Duval (2003, p.14), a diversidade de registros de representação semiótica necessários ao funcionamento matemático assume a seguinte classificação:

QUADRO 5: Classificação dos diferentes registros mobilizáveis na atividade matemática. REPRESENTAÇÃO DISCURSIVA REPRESENTAÇÃO NÃO- DISCURSIVA REGISTROS MULTIFUNCIONAIS (não-algoritmizáveis) Língua Natural Associações verbais (conceituais) Formas de Raciocinar:  Argumentos a partir de observações, de crenças;  Dedução válida a