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CAPÍTULO 4 UMA POSSIBILIDADE DE REFLEXÃO SOBRE A AÇÃO DO

4.1 As professoras frente a questões específicas da representação fracionária

4.1.7 O conceito de equivalência Ideia de proporção

No caso do trabalho realizado no episódio apresentado no item 4.1.7, o material desencadeou um novo conceito do Número Racional, a questão de equivalência. Percebemos que este significado não foi imposto e em momento algum foi citado pela pesquisadora. A proposição da atividade e sua articulação entre as professoras e a pesquisadora possibilitaram

a compreensão da relação lógica entre uma figura e outra estimulando o senso crítico e de iniciativa por parte do grupo, articulando o conceito relacionado à equivalência dos Números Racionais e a representação fracionária.

Buscando desenvolver este conceito com a utilização do material, o episódio 2 denominado “Equivalência” novo recorte do encontro 5 intitulado “O conceito de equivalência” nos traz outros posicionamentos das professoras.

Episódio 2: Equivalência

Psq:Representem na malha quadriculada dada as seguintes frações: 1/2 e 2/4

Todas iniciam a representação na malha quadriculada.

A1: Esses frações, no desenho, representam frações equivalentes. Psq: Como descobriste isso?

A1: Por que eu multipliquei ½ por 2. (Pausa, pensa e continua.) São duas partes de

1.

A4: Eu pensei assim que 2 / 4 é metade do todo e 1/ 2 também é a metade de uma

outra figura.

A2: É, e porque são figuras diferentes.

2/3 e 4/6

PRÉ: Eu não entendi nada disso aqui. A1: É a mesma coisa de antes? Psq: Por quê?

A1: Por causa da anterior, a representação. Duas partes aqui (Aponta para o

desenho da fração 2/3.) e aqui na outra tem 4 (Aponta para o desenho representando 4/.) Claro, uma é a metade da outra!!

A3: Também é fração equivalente.

Mesmo tendo iniciado a questão conceitual com o material concreto onde as professoras se sentem confortáveis em manipulá-lo e passando a utilizar a malha quadriculada, como forma de fazerem a representação figural, elas tendem a voltar à utilização de regras para a resolução do problema apresentado. A noção de equivalência é explorada por meio de regras da divisão e da multiplicação o que não diz praticamente nada ao aluno.

Para as professoras, encontrar uma fração equivalente significa multiplicar o numerador e o denominador da representação fracionária pelo mesmo número e encontrar a outra representação daquela fração, ou então, fazer o processo inverso, ou seja, dividir o numerador e o denominador por um único número para encontrar a fração equivalente. Este processo se torna perceptível na fala da professora A1 quando diz “porque eu multipliquei

2

1 por 2” e na fala da professora A4 ao afirmar “Eu pensei assim, que 2 4 é metade do todo e 21 também é a metade de uma outra figura”.

Nesta fala podemos perceber ainda que a questão de equivalência não vem a ser compreendida pela professora A4, uma vez que ao afirmar “ que 42 é metade do todo e 12 também é a metade de uma outra figura”, o que ela diz não representa necessariamente uma fração equivalente, pois eu posso ter 12e2 4de inteiros diferentes e estes não serem equivalentes.

O importante, neste caso, não é o uso de regras para encontrar as frações equivalentes, mas é compreender o porquê deste processo que utilizam, ou seja, o que significa encontrar uma fração equivalente? A fração equivalente é identificada como a mesma parte do todo? Para mostrarmos que esta compreensão não se faz presente no conceito de equivalência das professoras, analisamos as seguintes representações figurais feitas por elas, na malha quadriculada, quando solicitadas a representar frações equivalentes e como procedem.

Representação Figural das frações Equivalentes: Professora PRÉ:

Percebemos que a professora usa da estratégia da divisão para encontrar à fração equivalente a sugerida. Realiza este processo de forma correta, porém, a dificuldade centra-se no momento em que precisa fazer a representação figural na malha quadriculada. Vejamos o que esta professora fez:

Professora A1:

Percebemos que a professora A1 não usou da estratégia de divisão conforme a professora do PRÉ para encontrar a fração equivalente. Ela buscou a resposta de alguma maneira não explicitada por ela. Mas, ao observarmos os registros figurais, percebemos o mesmo engano cometido pela professora anterior. Observe:

Professora A2:

Nada de diferente podemos constatar na representação figural da professora A2. Veja:

Professora A3:

Neste caso percebemos de forma mais clara ainda que a representação figural das frações equivalentes não é explícito pela professora. Ela simplesmente desenhou as frações solicitadas. Não podemos perceber em momento algum que estes desenhos representam equivalência. Observe:

Professora A4:

O mesmo se pode observar também na professora A4. Apenas desenhou, não usou de nenhuma estratégia para encontrar as equivalentes ou para podermos compreender que estas representações tratavam-se de frações equivalentes. Verifique:

Percebemos claramente que a fração 2 4, exemplo utilizado no episódio anterior, na forma como foi representada na malha quadriculada, em nenhum dos casos, representa uma fração equivalente a 12 bem como as outras representações fracionárias solicitadas. A conversão da representação fracionária para a representação figural, não levou em consideração o princípio básico de termos o mesmo inteiro, ou seja, encontrar a fração equivalente pressupõe partir de um mesmo inteiro. Para Duval (1988, apud COLOMBO, FLORES e MORETTI, 2005), a existência na atividade proposta do registro fracionário a ser

convertido em registro figural sugere ao professor a utilização de uma mudança de registro que forneça um custo cognitivo na realização da atividade solicitada. Porém, no caso das professoras, como a memorização de regras para a resolução se faz presente de forma intensa, não há percepção por parte de nenhuma delas que a conversão destes registros não está sendo feita de forma adequada, pois não leva em consideração o princípio básico da equivalência, comparação de mesmos inteiros.

O trabalho com frações equivalentes é uma das ideias fundamentais quando se ensina a representação fracionária, pois nos permite comparar, somar e subtrair, além de ajudar a entender como as frações se relacionam com razões e proporções, ideias que aparecem em outros conceitos da matemática escolar. “Quando a equivalência é considerada como pura definição, desprovida de significado, não proporciona avanço conceitual e inclusive não é reconhecida pelo aluno” (GIMÉNEZ e BAIRRAL, 2005, p. 14). Segundo os mesmos autores, a primeira ideia para trabalhar a equivalência são as distribuições. Uma vez descoberto que as partes em que se divide o todo devem ser iguais, o processo de partição leva à elaboração de respostas distintas.

A ideia de proporção, proveniente da sequência de conceitos desenvolvidos pelos Números Racionais, é a base para a compreensão de conceitos que dão sequência ao estudo das frações como porcentagem, densidade, velocidade, entre outros. Ela significa uma relação entre as partes de uma grandeza e consiste em relacionar duas razões dentro de uma mesma igualdade, criando assim um elo entre elas.

Para trazermos esta situação para o ensino dos Números Racionais relacionado aos Anos Iniciais, selecionamos o episódio 3 “ Aumentando a receita” recorte do encontro 5 denominado “Ideia de proporção” na qual foi solicitado às professoras para, a partir de uma receita estabelecida, aumentar e diminuir a receita de forma proporcional.

Episódio 3: Aumentando a receita

Psq: Determine, para cada item, a quantidade de ingredientes da receita de

bolinhos se:

Colocarmos no lugar de 450 g. de farinha, 1.800 g. de farinha. (A1 coloca a mão sobre a boca e fica apavorada.)

(A4 e A2 com a cabeça baixa fazem muitos cálculos num papel.) (A1 olha para a pesquisadora.)

(As professoras estão tendo muita dificuldade em descobrir qual o processo necessário a ser utilizado neste trabalho.)

A4: Eu fiz tudo vezes 4. (Após um longo tempo responde.)

PRÉ: Mas por que tudo vezes 4, eu não cheguei lá!(Questiona imediatamente sem entender.)

A4: Porque o 450 vezes 4 dá 1800, então eu sei que foi aumentada 4 vezes. (Tenta

explicar.)

A2: É mesmo, dá bem certinho isso!

(A1 apenas observa, parece não estar entendendo o que foi feito.)

PRÈ: Pêra aí, eu ainda não cheguei lá.

Psq: De 450 para 1800, aumentou quantas vezes essa mesma quantidade? PRÉ : Tá, 4 vezes.

PRÉ: Ah, entendi, então vai ficar, 1.800 de farinha, 4 xícaras de açúcar, vai ficar

280 gramas de chocolate, vai ficar 8 xícaras de leite, (Responde bem devagar. Neste momento A2 ajuda nas falas) vai ficar 8 colheres de fermento, ...

A1: interrompe dizendo 8 ovos...

PRÉ: Não vai ficar 8 ovos não!!! Vai ficar 16 ovos e 4 pitadas de sal. (Não

concorda e fala bem alto.) (Todas concorda.)

(A3 e A4 não participam das falas, apenas anotam as respostas dadas no seu papel.)

A2: Azeite não tem né? A4 : Tem sim, é meia xícara. A3 : Então vai 2 de azeite.

(Todas concordam.)

A propriedade fundamental na questão da proporção é que o produto dos meios é igual ao produto dos extremos, isto é, a.d = b.c. Num primeiro momento as professoras sentiram certo pavor, pois esta era uma nova situação a ser enfrentada. Para elas a relação das frações com as receitas estava pautada em colocarmos, por exemplo, 1 4 de uma xícara de açúcar,

3

2 de água..., e não na relação direta que podemos estabelecer com o quilograma, grama, milímetro na qual a mudança de um ingrediente acarreta a mudança de sabor de toda a receita. A dificuldade não se centrava nos números, uma vez que neste caso usavam-se apenas os números inteiros.

Neste caso a dificuldade encontrava-se em descobrir como proceder, que procedimentos deveriam adotar para encontrar a nova receita e o desafio era fazer com que as professoras percebessem que no ensino das proporções, ao mexer com um número da estrutura tenho que trabalhar com os outros números na mesma proporção para que a receita permaneça a mesma, porém alterando proporcionalmente as quantidades para mais ou para menos conforme a solicitação inicial.

Passado este primeiro impacto da atividade, de como fazer para chegar ao resultado final, outra situação deste mesmo encontro 5, o recorte do episódio 4 denominado “ Diminuindo a Receita” , nos traz a situação de impasse no momento em que a receita passa a ser representada por Números Racionais.

Episódio 4: Diminuindo a receita

Psq: A receita original apresenta 1 xícara de açúcar, transformem em um quarto de

Reclamação geral!!!

A1: Mas eu tenho que pegar, por exemplo, o 450 e dividir por 4, então tem que

dividir tudo por 4 e deu.

(Todas calculam concentradamente.)

A1 e A4: Ih! Mas agora não vai dar exato! (Se olham, e A1 di.).

(Ao perceber que a pesquisadora sorri para a resposta, sorri junto, está feliz por ter concluído algo correto.)

A1: 112,5 farinha, chocolate era quanto? Também não vai dar exato!

(Silêncio. Todas calculam concentradas para encontrar as resposta.).

A1: Chocolate dá 17,5, e azeite...ai meu Deus, A2: É 0,4. (olha para os lados. Pensa.)

A1: (Não concorda, mas não dá outra resposta.)

A2: Ah não, meia xícara é 0,5!!!! (Retorna a responder com entonação.) A1: Então podemos partir do 0,5!!!

A3: (Pede explicação para A4, não está compreendendo o que está sendo feito.)

(A2 apenas observa as duas conversando.)

A3: Então vou partir de 0,5, vai dá 1 parte da meia xícara dividida em 4 partes. A2: Eu já terminei de calcular, para mim deu farinha 112,5 e 17,5 chocolate,

açúcar 1 parte de 4, um quarto, ovos, um ovo e o azeite...

A3: Eu imaginei 1 xícara dividida em 4 partes e eu pego só uma parte do azeite, fiz

até o desenho.

A2: Leite 1 quarto, será...

A3: Eu peguei uma xícara e dividi ao meio, aí deu meia xícara e a pitada de sal,

também dividi em 4 pitadinhas e pego só uma.

Psq: O que foi importante observar neste trabalho?

A2: Uma das coisas assim, como nunca foi trabalhada desta forma conosco, a gente

sente uma grande dificuldade, a gente também não trabalha com os alunos desta forma, há uma seqüência lógica nisso aí que eu nunca pensei em explorar desta forma. (Observando a folha com as respostas inicia falando tranquilamente.) (A1, A3, A4 e PRE, observam a colega falando e todas concordam gesticulando com a cabeça.)

A1: Nós até já trabalhamos com receita, eu e a professora do PRÉ, mas não com

fração, só fazer a receita de gelatina com as crianças, mas nunca pensei isso!!!Eu nunca imaginei essa ligação.

PRÉ: Para trabalhar litro, já pensou em fazer gelatina nos potinhos, metade...isso é

uma coisa que a criança não esquece ...

Esta situação pode marcar a grande dificuldade das professoras e ao mesmo tempo o pavor em trabalhar com números não inteiros. A1 demonstra isto por diversas vezes durante este episódio. Os Números Racionais na representação fracionária não foram citados nesta receita, nem quando foi colocado meia xícara de açúcar, onde A2 diz “ah não, meia xícara é 0,5”, a maioria das professoras passou a relacionar todo seu trabalho apenas com registro decimal. Apesar de ser mais comum aparecer em uma receita 1 2 de xícara de alguma coisa, elas insistiam em dizer que era 0,5.

Por outro lado, podemos perceber que estavam tentando facilitar o trabalho relacionando os decimais com a questão dos quilos, gramas, milímetros..., porém a relação que é feita pela professora A3 quando diz “Eu imaginei 1 xícara dividida em 4 partes e eu pego só uma parte do azeite, fiz até o desenho”, é fundamental neste processo.

Percebemos também que, novamente, a dificuldade em compreender a relação deste tipo de trabalho com a situação que envolve os Números Racionais na questão da proporção,

se detém ao fato de apresentarem dificuldades conceituais. Percebemos que no ensino, as professoras do PRÉ e A1, trabalham com a receita da gelatina em sala de aula, mas não perceberam a relação existente com os Números Racionais.

Esses modos diferenciados que proporcionam a reflexão e a conscientização das professoras de que Números Racionais envolvem diferentes situações e diferentes conceitos, possibilitam vivências práticas que buscam inovar o ensino e a prática docente e desenvolvem a criatividade conforme a professora do PRÉ relatou “Para trabalhar litro, já pensou em fazer gelatina nos potinhos, metade...isso é uma coisa que a criança não esquece nunca.”

Isto indica mais uma vez que a formação continuada, trabalhada no coletivo, apresenta maior possibilidade de desenvolver a criatividade, buscar novos conceitos e sensibilizar-se de que no exercício solitário, muitas vezes não conseguimos dar conta de tudo. Mas o reconhecimento das dificuldades e a busca de alternativas para a superação das mesmas são processos que fazem parte da profissão de professor.

4.2 UMA VIVÊNCIA DE FORMAÇÃO CONTINUADA COM ÊNFASE NOS NÚMEROS