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Crenças maternas

No documento As percepções e as práticas (páginas 106-111)

CAPÍTULO III – REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA EDUCAÇÃO E

3. Representações sociais e o desenvolvimento da criança

3.1. Crenças maternas

Quando eu nasci, minha mãe Pediu à Virgem Maria Que nunca me abandonasse

E que um anjo me guiasse E uma estrela alumiasse A minha noite e o meu dia.

Raul de Carvalho, 2004

A origem das ideias, ou concepções dos pais sobre a educação e o desenvolvimento dos filhos, baseia-se em duas posições: uma nas experiências dos sujeitos e a outra na sua localização social.

De acordo com Goodnow e Collins (1990), a primeira é a mais antiga:

“(…) espera-se que as ideias dos pais fossem construídas com base na experiência ou prontamente modificada pela experiência” (Goodnow e Collins, 1990: 74).

Algumas evidências podem permitir pôr em causa este papel primordial concedido à experiência pessoal dos indivíduos na construção das suas crenças, ideias ou concepções.

São notórias as variações históricas nas concepções da criança, como estabelecem, por exemplo, Ariés (1960) e Borstelmann (1983). Socorrendo-se desses autores, Gerden e col. referem que:

“ Não aprendemos cada vez mais sobre as crianças, com cada geração que passa. Em vez disso, corremos incessantemente atrás de padrões em constante movimento” (Gerden e col., 1990: 109).

As crenças genéricas que mais frequentemente aparecem relacionadas com o tema do desenvolvimento das crianças são os valores dos pais; os valores que os pais mais

desejam que os seus filhos desenvolvam, ou aqueles que mais se esforçam por lhes transmitir. A identidade da mãe é fundamental. De acordo com Taifel e Turner (1982), a nossa identidade resulta da conjugação de uma entidade pessoal, que engloba os nossos atributos únicos, com uma identidade social, que engloba as nossas pertenças sociais e a valorização atribuída a estas. A tais pertenças estão associadas crenças, uma vez que os grupos se definem também segundo um conjunto de ideias a que atribuem maior ou menor importância. Assim, partimos da ideia de que a variabilidade nas crenças específicas que as mães terão sobre as crianças estará dependente dos valores e das identidades destas, e estes valores e identidades estarão relacionados com a inserção dos indivíduos na sociedade e com o estatuto socioeconómico (Monteiro e Castro, 1997: 83).

As mães que apoiam os valores de auto-regulação, quanto mais se identificam como “supermulheres”, e quanto mais velhas são, mais tendem a ter crenças progressistas sobre o desenvolvimento e a educação dos filhos; mais rejeitam as ideias tradicionais e mais apoiam as de auto-regulação, o que depende principalmente do seu nível de escolaridade, seguindo-se a sua identidade (Monteiro e Castro, 1997: 99).

Quanto mais velhas as mulheres são, mais provável é que lancem um olhar mais progressista e benevolente sobre os seus filhos:

“(..) descobrimos que a idade da mãe tinha influência significativa nos comportamentos atitudinais e comportamentais do papel materno” (Ragozin et al., 1982: 632).

Os pais identificam, como mais relevante para a construção das suas ideias educativas, a experiência com o próprio filho, seguindo-se a leitura de artigos e revistas sobre crianças e das conversas com amigos e profissionais de saúde. Como menos importante para as suas ideias sobre as crianças, apresentam as experiências formais, aulas de puericultura e as conversas com o respectivo cônjuge (Monteiro e Castro, 1997).

Para compreender as crenças dos pais sobre a educação e desenvolvimento dos filhos, é necessário considerar as suas origens, concebidas como o factor que

influencia a estrutura e o conteúdo das ideias, factor este que pode ser ou não conhecido pelos pais. A origem das ideias actua como um primeiro filtro, ou fornece o enquadramento, o contexto, que explica as variações do conteúdo das ideias dos pais (Monteiro e Castro, 1997).

Martin e Johnson (1992) encontraram uma relação directa entre as crenças maternais sobre o desenvolvimento e a percepção materna da competência infantil: mães com um conhecimento mais sofisticado sobre teorias do desenvolvimento infantil e da aprendizagem tenderiam a perceber as crianças como mais competentes, embora não sejam evidentes mecanismos subjacentes a esta relação. É possível que as mães com teorias mais sofisticadas sejam estimuladas, como efeito das suas crenças, a tornarem-se mais observadoras das suas crianças.

Lighfoot e Valsiner (1992) advertem para a natureza complexa das relações entre cultura, crenças parentais, práticas de cuidados e comportamento da criança. A existência de um efeito da variável A sobre a variável B não significa que A é causa de B. Não se pode deduzir que as crenças parentais tenham efeitos directos nas práticas de cuidados parentais, nem que essas práticas tenham efeitos directos no desenvolvimento infantil. Contudo, tem sido observada uma sistemática ligação entre estes três termos, no que se poderia descrever como uma cadeia de influências, embora as direcções dessas influências, bem como as interligações entre elas, não sejam evidentes. Os mesmos autores informam-nos:

“(…) qualquer efeito é sempre interactivo, porque emerge no curso da interacção entre diferentes partes de um sistema holístico. Todos os efeitos, neste caso, tornam-se produtos colaterais do sistema – nenhum efeito pode ser atribuído somente a uma causa que exista além da relação sistémica. Se A e B constituem um sistema que gera um efeito X, então nem A nem B podem ser considerados como causadores de X, ao contrário, uma descrição da interdependência entre A e B é que nos dá uma explicação da emergência do efeito X” (Lightfoot & Valsiner, 1992: 395).

SÍNTESE

É considerado um marco importante no estudo das representações sociais Moscovici (1961), ao divulgar o estudo sobre a apropriação da psicanálise nos diferentes grupos sociais.

Ao longo das últimas décadas, têm surgido várias definições para representações sociais, sendo a definição mais consensual, entre os pesquisadores do campo, a de Jodelet (2002) – as representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente elaborado e compartilhado, com um objectivo prático, e que contribuem para a construção de uma realidade comum a um conjunto social.

As ideias ou concepções dos pais sobre a educação e o desenvolvimento dos filhos, baseiam-se em duas posições: uma nas experiências dos sujeitos e a outra na sua localização social.

É necessário considerar as origens dos pais, concebidas como o factor que influencia a estrutura e o conteúdo das ideias, factor este que pode ser ou não conhecido pelos pais. Para compreender as crenças dos pais sobre a educação e desenvolvimento dos filhos é fundamental conhecer as fontes dessas ideias.

II PARTE

CAPÍTULO IV – METODOLOGIA

“Oh tempo tempo tempo, tempo de colher o que temos maduro

(…)” Eugénio de Andrade, 2000

No documento As percepções e as práticas (páginas 106-111)