• Nenhum resultado encontrado

Desenvolvimento afectivo e relacional

No documento As percepções e as práticas (páginas 40-44)

“Depois ele adormece e eu deito-o. Levo-o ao colo para dentro de casa E deito-o, despindo-o lentamente E como seguindo um ritual muito limpo E todo materno até ele estar nu.”

Eugénio de Andrade, 2002

Alguns investigadores acreditam que existe entre o bebé e a mãe um processo semelhante à cunhagem (imprinting) nas aves. Sprinthall e Srinthall (1994) referem que a este processo se chama Ligação afectiva, a qual produz uma forte vinculação emocional entre a mãe e o filho. Este processo requer um contacto físico directo entre o filho e a mãe, o qual deverá ser efectuado nos primeiros 3 dias de vida do bebé.

Hilgard e Atkinson (1979) referem que Erikson (1963) apresentou a hipótese de que a confiança básica de uma pessoa nos outros é uma característica que se desenvolve no primeiro ano de vida, através da afeição dos que cuidam dela.

A criança leva para a vida escolar as particularidades do seu comportamento em relação a outrem, tal como a vida familiar a moldou. Segundo Mauco (1975), para a criança, a vida escolar é uma primeira experiência de socialização, uma mudança de meio que traz consigo vivas reacções afectivas. A criança reage em relação a outrem, aos professores, aos companheiros, às obrigações da disciplina colectiva e do trabalho escolar, em função das suas primeiras experiências com os primeiros parceiros: mãe, pai, irmãos, etc. Todos os conflitos afectivos familiares que a puderam pôr à prova vão continuar a ressoar nas situações efectivamente análogas que a vida escolar pode apresentar.

Como sustenta Piaget (1945), tanto a vida afectiva como a vida intelectual constituem uma adaptação contínua, e as duas adaptações são “paralelas e interdependentes”, visto os sentimentos exprimirem os interesses e os valores das acções das quais a inteligência constitui a estrutura. Sendo adaptação, a vida afectiva supõe, por um lado, uma assimilação contínua das situações presentes às situações passadas (assimilação que gera a existência de esquemas afectivos ou maneiras relativamente estáveis de sentir e de reagir) e, por outro lado, uma acomodação contínua destes esquemas ao presente. Quando o equilíbrio entre assimilação e acomodação não é atingido, com prevalência da assimilação, poder-se-á falar de simbolismo inconsciente. A função do simbolismo inconsciente está estreitamente ligada à dos esquemas afectivos.

Ainda segundo Piaget (1945), os esquemas intelectuais e afectivos estão presentes em qualquer acção ou situação, embora com predominância de um ou de outro. Por exemplo, os esquemas afectivos dominam no jogo ou no sonho, embora também estejam presentes nos esquemas sensório-motores.

Em relação aos esquemas relativos às pessoas ou esquemas pessoais, Piaget (1945), observa que são esquemas como os outros, a um tempo inteligentes e afectivos: não se ama sem procurar compreender, e não se odeia sem um jogo subtil de julgamentos. Por isso, quando se fala de “esquemas afectivos” quer-se simplesmente referir o aspecto afectivo dos esquemas, que são também intelectivos. A linha essencial de demarcação é a que separa os “esquemas pessoais” (sentimentos interindividuais e inteligência intuitiva socializada pela linguagem) dos esquemas relativos aos objectos (interesses e inteligência), mas os esquemas afectivos ultrapassam em parte a esfera das pessoas. Em todo o caso, “todos são ao mesmo tempo afectivos e cognitivos”.

Tentemos definir afectividade. Mazet e Stoleru (2003) salientam que a afectividade está relacionada com as experiências subjectivas, e com o que é sentido e sofrido pelo sujeito no seu comportamento.

sobre as metas educacionais e as suas técnicas educacionais, concluindo que:

“O resultado foi inequívoco: as mães dos alunos aplicados, durante os primeiros oito anos de vida, tinham recompensado com amor, reconhecimento e ternura cada execução independentemente de tarefas” (Muller, 1977: 44).

Orth (1971) fala-nos da importância da afectividade para o desenvolvimento cognitivo, partindo da observação de que crianças deficientes mentais (constatando o mesmo em muitas crianças normais e até intelectualmente superiores à média) não obtêm sucesso devido a bloqueios afectivos. Orth (1971) coloca a afectividade no centro das operações da inteligência:

“É incontestável o papel acelerador ou perturbador da afectividade nas operações da inteligência,(...) não existem mecanismos cognitivos sem elementos afectivos,(...) não existe estado afectivo sem elementos cognitivos” (Orth, 1971: 9).

Vários estudos, nomeadamente feitos por Spitz e Bowlby, demonstram a importância da relação afectiva na saúde física, emocional, intelectual e social das crianças. Já Anna Freud e Dorothy Burlingham salientam que, para atravessar com êxito as fases da primeira infância, as crianças precisam de cuidados sensíveis e afectivos para assim formarem as capacidades de confiança, empatia e solidariedade (Citado por Brazelton e Greenspan, 2003).

Sabemos, através de estudos mais recentes, que interacções emocionais com bebés e crianças baseadas no apoio, carinho e afecto contribuem favoravelmente para o desenvolvimento adequado do sistema nervoso central. Os bebés aprendem a distinguir sons e a desenvolver a linguagem mais facilmente se ouvirem a voz da mãe. A interacção de gestos emocionais ajuda os bebés a aprender a tomar consciência e a reagir a estímulos emocionais e a formar a noção do “eu”.

Para Brazelton e Greenspan (2003), as relações emocionais afectivas são a base mais importante para o desenvolvimento intelectual e social. Estas fomentam o afecto, a

intimidade e o prazer; fornecem confiança, segurança física, protecção a doenças e danos, providenciando as necessidades básicas de alimentação e habitação. Quando existem relações sólidas, empáticas e afectivas, as crianças aprendem a ser mais afectuosas, solidárias, comunicam os seus sentimentos, sabem reflectir nos seus próprios desejos e integrar-se socialmente.

Segundo os mesmos autores, as inter-relações pessoais ajudam as crianças a distinguir quais os comportamentos mais adequados. Os padrões formam-se através do dar e receber entre as crianças e os adultos que cuidam delas. São também muito importantes as emoções, os desejos e a auto-imagem em formação.

“Estas relações que vão permitir à criança aprender a pensar. Nas suas interacções ela vai desde o desejar a presença da mãe até agarrá-la dizendo “mamã” e olhá-la com uma expressão de amor, o “concretizar” ou exprimir comportamentalmente os seus desejos, representando-os na sua mente e catalogando-os com uma palavra” (Brazelton e Greenspan, 2003: 29).

A criança aprende a relacionar uma imagem ou uma representação com um desejo e esta imagem serve mais tarde para pensar, através das brincadeiras de faz de conta ou da imaginação e que podem envolver dramas humanos, por exemplo, bonecos a abraçarem-se ou a lutarem (Brazelton e Greenspan, 2003).

“Beckwith (1971) conclui que são as crianças que tiveram mais contactos físicos e verbais com a mãe ou outros adultos e condições de se poderem movimentar livremente no solo, as que apresentam um nível de desenvolvimento global significativamente superior aos nove, dez meses de idade e uma maior capacidade de exploração do meio” (Ramos, 2004:172).

Somos levada a reafirmar que o papel da mãe no desenvolvimento afectivo e relacional da criança é determinante para o futuro desenvolvimento quer das capacidades físicas quer intelectuais da criança.

No documento As percepções e as práticas (páginas 40-44)