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Criar uma visão sobre a incorporação da espiritualidade na organização

No documento TESE FINAL Patricia Pacheco (páginas 115-117)

“Para mudar algo, constrói um novo modelo que torne o existente obsoleto” é uma citação conhecida de Richard Fuller. Neste estudo, poder-se-ia ler, se se pretende integrar a espiritualidade numa organização, construa-se uma visão antes de o fazer. Criar uma visão sobre o que se pretende realizar, evitando um processo mecanicista de pensamento, pode passar por responder-se a questões basilares e orientadoras, como diz uma AD de Tamera:

“to create a vision that we know where we want to go, what do we work on, what is the heal picture, what can we see already in contact with this in between human beings, what the animals, what the plants, what the soil, what the whole planet” (E4)

Outras perguntas podem ser sugeridas para a incorporação da espiritualidade, como: O que se quer atingir? Que valores guiam a ação? Que tipo de liderança se deseja? Serão necessárias normas? Como se vê a organização em relação à espiritualidade e à religião? Como lidar com os riscos relacionados com a religião e a espiritualidade? O que se sabe sobre as crenças e tradições dos beneficiários? Como assegurar que os responsáveis e AD desenvolvem a sua sensibilidade para a espiritualidade? (Holenstein, 2005) Criar uma visão é como traçar de um plano estratégico, mas também imaginar a partir da ligação com as fontes mais profundas do ser humano. “[A] imaginação é o passaporte que criamos para nos levar ao mundo real. É uma outra expressão daquilo que realmente somos. (…) Ensina-nos os nossos limites e como ir para além d[eles]” (John Guare, cit. por Zohar e Marshall, 2004, p. 29-30) Importa que esta visão seja completa, flexível e integrada, isto é, holística, como declara uma voluntária de Tamera a propósito da construção de um espaço de retenção de água:

“this is how you build a dam and, you know, but really looking holistically: (...) in this region, what is the situation and then what is water, how is it the water is a being, how is it a carrier of life (...) of information (…) of being connected to something bigger” (E1)

Modelar a espiritualidade a partir do exemplo dos líderes é uma estratégia apontada por Craigie (1998) e referida pelos participantes como um ponto de coerência e estímulo para outros trabalhadores da organização. Também é da responsabilidade dos líderes o planeamento das necessidades e atividades relacionadas com a incorporação da espiritualidade. Parece ser vantajosa a previsão dos recursos materiais, financeiros e temporais necessários e a elaboração de relatórios, como referem os AD no Centro Mar Thoma:

“Every year we have a budget also (…) in the next budget we plan for the next year whatever we’ll be done here in spiritual, spiritual camps, BVS, spiritual sketches, drama, plays, like that” (A1)

“ Every month I report, and spirituality is the main concern (...) we report everything out of 100% of skill, we concentrate 25% of the skill on spirituality” (A4)

Ter momentos que unam a comunidade sobre o mesmo teto espiritual e mental é uma forma de reunir a energia de conjunto para realizar aquilo que se deseja, como apresentam os participantes. Quando se é capaz de reunir os vários elementos da comunidade, é-se capaz de

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criar mais facilmente a mesma visão e compreensão sobre como se integra a espiritualidade. Estes momentos são também uma oportunidade de partilhar o desenvolvimento interno de cada um, a evolução dos trabalhos, como cada um se sente física, emocional e espiritualmente, o que fortalece laços entre os membros da comunidade, reforçando a construção da mesma:

“[Geistig hours] That is really to understand really the idea of a model in every detail. And it is not only about understanding intellectually, we say Geistig, because you need to have the experience in your body, you need to have it as a physically, you need to share, (...) and how this feels, (...) And therefore we share since 20 years the same vision, the same ideas (…) having forum, (…) social meetings, where we speak about our inner development, (…) our professions (…) we discuss and make team buildings, and having the possibility sharing this.” (E2)

Por isso, a partilha destes momentos em comunidade promove também a sua unidade, podendo ser um espaço de crescimento espiritual, suportado pelos restantes elementos, como defendem os participantes. Estes encontros comunitários ou de grupo assumem formas e estruturas variadas, como reuniões, fóruns, campo e retiros espirituais, visitas domiciliárias, concertos, dramatizações, orações de grupo ou comunitárias, de acordo com o observado no terreno. De modo a efetivamente se colher os benefícios que eles podem proporcionar é necessário, dizem os participantes, compromisso, envolvimento, dedicação, assim como verdade e transparência nas informações partilhadas, genuíno cuidado, empatia e respeito pelos caminhos diferentes. Um voluntário dos LD descreve o seu desejo de ser capaz de se colocar noutras perspetivas que lhe permitem outra visão e compreensão da realidade:

“queria ter um pouco de permeabilidade de maneira a tentar compreender essas coisas que às vezes não compreendo e de aceitá-las (...) Tento ver doutras perspetivas (...) outros exemplos que tu possas dar ou outras pessoas (...) compreender essas perspetivas e ver a partir daí se, de facto, faz outro sentido (...) um desenho, vê-lo de um lado ou de outro e tentar compreender as coisas, as perspetivas (…) eu ponho-me desse ponto (…) olhando a partir daí se faz sentido.” (D3)

É característico de pessoas espiritualmente desenvolvidas a capacidade de assimilar e integrar diferentes formas de estar, representar e manifestar a vida. Esta capacidade desenvolve- se pelo exercício permanente de tentar observar a realidade a partir de outros pontos de observação. Estar atento ao que o rodeia, indo para além da zona de conforto do já conhecido e experimentado, estando aberto a construir e desconstruir constantemente o conhecimento acumulado, parece ser o caminho daqueles que procuram compreender e aceitar a realidade que se manifesta em laivos de criação infinita. (Zohar e Marshall, 2004)

A posse de informação e conhecimento pode ser considerada uma forma de poder, como diz o antigo provérbio alemão Conhecimento é poder. No sentido de se criar uma organização inclusiva, não discriminatória, capaz de criar igualdade de oportunidades, em particular àqueles que buscam o desenvolvimento espiritual, é importante que todas as pessoas tenham o mesmo acesso à informação. Esta deve ser acompanhada de uma verdadeira escuta das pessoas, onde se dá tempo para que estas a possam assimilar e integrar. Reconhecendo diferentes personalidades e formas de estar, naturalmente a disponibilização da informação acontecia em diferentes locais

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(ex. salas, jardins, escritórios), em contextos variados (ex. aulas, formações, Oráculo, cerimónias, reuniões), sob formas diversas (ex. suporte escrito ou através de experiências) e em vários momentos. Para esta diversidade muito contribui a criatividade, referem os participantes. Em Auroville, era costume encontrar-se nas mesas de restaurantes frases de pensamentos espirituais e filosóficos. Diariamente a responsável de um albergue escrevia pensamentos espirituais num quadro de lousa. Em Tamera, por vezes, encontravam-se brochuras com pensamentos espirituais nas casas de banho. Estas e outras pequenas estratégias, como explicam os participantes, ajudam a pessoa a manter-se focada no seu objetivo, pois funcionam a nível material e mental como lembretes. A um nível espiritual, eles são possuidores de energia e enviam mensagens subtis que ajudam a harmonizar a energia do ambiente e das pessoas. (Emoto, 2001; Sheldrake, 2009)

Neste sentido, considerando os rituais como momentos de expressão, vivência e obtenção de informação espiritual, os participantes advertem que a pesquisa sobre como os rituais podem expressar a espiritualidade de uma comunidade ajudará à formação de uma visão e vivência comum. Em Tamera, um AD explica como esta pesquisa é levada a sério:

“And then for sure there’s a research for the community how rituals look like and can express a spirituality of an entire community which is a very delicate research.” (E3)

Compartilhar preferencialmente uma base espiritual comum entre os membros da organização é uma estratégia clara nas ONG de caráter religioso e também nas OBC uma vez que a integração na comunidade passa por uma identificação com os valores e princípios da mesma. É importante, comentam alguns participantes, conhecer a sua religião e/ou espiritualidade e criar uma visão flexível da natureza humana, selecionando quem está interessado em partilhar objetivos e uma visão espiritual comuns, sem ser necessariamente igual, à organização.

Em suma, a criação de uma visão para incorporar a espiritualidade na organização, segundo os participantes, requer: 1. criar uma visão holística sobre aquilo que se quer realizar e a natureza do objeto em estudo, modelar a espiritualidade a partir do exemplo dos líderes, prever necessidades relacionadas com a espiritualidade no planeamento dos PD; 2. ter momentos que unem a comunidade sobre o mesmo teto espiritual e mental; 3. disponibilizar informação e conhecimento espiritual de várias formas, 4. pesquisar sobre rituais que expressem a espiritualidade de uma comunidade. 5. conhecer a sua religião e espiritualidade e criar uma visão flexível da natureza humana, e compartilhar de preferência uma base espiritual comum entre os membros da organização. Estes aspetos não são sequenciais, nem obrigatórios para a criação de uma visão, isso dependerá das características e escolhas da organização.

No documento TESE FINAL Patricia Pacheco (páginas 115-117)