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Desenvolver individual e internamente a sua espiritualidade

No documento TESE FINAL Patricia Pacheco (páginas 118-121)

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Ainda que uma organização tenha criado um plano ou visão para integrar a espiritualidade no processo de desenvolvimento, esse só pode acontecer a partir de um espaço: o interior de cada pessoa. Deste modo, outra estratégia que integra a espiritualidade na reflexão e ação do desenvolvimento apresentada em todas as organizações foi desenvolver individual e internamente a espiritualidade de cada membro.

As motivações muitas vezes percecionadas através de sentimentos e emoções são energia e estímulo para a ação, movem potencialidades do centro do Eu para a superfície ou camada do ego. (Zohar e Marshall, 2004) Várias são as motivações que levam as pessoas a aproximar-se da ONG ou da OBC e a querer promover o desenvolvimento. Contudo, de modo a não confundir motivações mais profundas com desejos temporários que não se coadunam com o desenvolvimento a médio e longo prazo, os futuros AD são convidados a aprofundá-las, como explica a diretora executiva dos LD:

“Porque há muita gente que vem com o desejo de aventura, com o desejo de conhecer realidades novas, um desejo de se testarem a si mesmo, um desejo de generosidade de dar aquilo que têm e sabem, mas podem não ter a componente da fé. Nos LD, nós convidamos a que a pessoa equacione nas suas motivações e que perceba se o que a faz partir é o chamamento de Deus.” (D5)

Neste processo espera-se que a pessoa seja capaz de procurar a realidade que se esconde por detrás de qualquer desejo superficial. Segundo o tipo de personalidade, podem predominar motivações para responder a um instinto gregário, buscar intimidade, exploração, criatividade, construção ou afirmação pessoal, como referem Zohar e Marshall (2004). As motivações de fundo que levam a pessoa a inverter as tendências e normas socioculturais são, segundo os mesmos autores, as motivações primárias do centro do Eu, como a motivação de sentido, inteireza ou integridade, evolução e de transformação durante toda a vida. A fim de as satisfazer a este nível é necessário responder continuamente ao desafio socrático, conhece-te a ti mesmo, a um nível cada vez mais profundo.

O autoconhecimento e reconhecimento das suas motivações são promovidos pela consciência, que toma decisões e as põe em prática de forma mais eficaz, quando a pessoa é capaz de aceder à sabedoria e às aspirações mais profundas do seu subconsciente e harmoniza o seu agir com a sua íntima vontade. (Peck, 2005) Trabalhar internamente a consciência é fundamental no trabalho para a paz, na opinião destes dois AD de Tamera, para que a pessoa se possa libertar de contradições, reconhecendo as suas próprias estruturas internas e evitando projeções e julgamentos de outros ao seu redor:

“ you need to work on inner quality, in the inner resonance and persistence in the work when you want create a morphogenetic field, a peace information field, it’s clear that you have to be free of all inner contradictions.” (E3)

“Spirituality (…) it’s finding the right ways of contact (…) we have to work with ourselves, so you have to discover your own structures, so that you can approach others without judging them (…) not projecting”

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Para aceder a um conhecimento intuitivo e transracional, podem usar-se vários estados ou modos de consciência, como a meditação, oração, contemplação, intuição ou a interpretação de sonhos. (Amram, 2007) Uma voluntária de Tamera acrescenta a importância dos momentos de descontração, quando a pessoa não está muito ocupada, por exemplo simplesmente a caminhar sem intenção. Os LD exercitam regularmente a sua atenção ao estarem atentos aos fenómenos internos e externos através de um exame de consciência, mobilizando a mente consciente para analisar a realidade vivenciada, tendo como pano de fundo um Todo de que se faz parte.Os problemas e conflitos surgem quando a vontade consciência diverge e resiste à vontade inconsciente, segundo Peck (2005), a vontade de Deus. De acordo está o diretor de projeto Mar Thoma que aconselha, por isso, a manter uma boa relação com Deus e ser agradecido por todas as graças recebidas:

“I would say, from my experience: number one, you have to keep a very good relationship with God (…) And at last, always as a Christians or as a human being, we are always giving “Thank to God”. Praise the Lord.” (A2)

Outro aspeto referido pelos participantes para desenvolver a espiritualidade internamente foi a oportunidade de vivenciar momentos e experiências de real contacto a nível espiritual. Estes podem ocorrer de forma mais ou menos espontânea, contudo parecerem necessitar de uma certa abertura e disponibilidade da pessoa, daí a importância de uma prática disciplinada e integrada na diária. Cada organização disponibiliza estruturas que permitem aos seus membros experimentar estes momentos através, por exemplo, de retiros espirituais individuais ou em grupo, os EE e a VQ, encontros para a equipa da organização ou cursos variados. Por exemplo, Tamera disponibiliza cursos de arte, com o objetivo de se conectar às energias de criação através da pintura, que são tempos intensivos de uma experiência de comunidade, sem se focar em problemas pessoais:

“art courses where (...) you feel how the flow of creation through the art goes and comes to human life and move us instead of us controlling all our movements and there you suddenly have this coming together (...) deeply connected to a profound joy of life.” (E3)

O contacto com a natureza é citado pelos participantes também como uma forma de desenvolver a espiritualidade, nomeadamente quando a pessoa é capaz de dar tempo para estar, observar e interagir, alcançando um conhecimento que vai além do visualmente observado. Baldacchino e Draper (2001) referem que o apreciar a natureza e os seus eventos podem ser estratégias de coping. Do tempo de observação das diferentes organizações, em particular em Auroville e Tamera, concluiu-se que:

“o contacto com a natureza, através da agricultura, pode ser uma forma de se encontrar consigo próprio e aumentar a consciência sobre si, a natureza, os outros seres e o mundo. Aprendendo a respeitar e a ler a natureza, encontramos respostas ou pelo menos perguntas que nos ajudam a encontrar caminhos sustentáveis para problemas mundiais, e ao mesmo tempo a paz de espírito perante as vicissitudes que lembram as cíclicas estações do ano.” (Diário de Campo de Auroville)

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O desenvolvimento individual e interno da espiritualidade seja feito através de um trabalho de tomada de consciência interna por uma análise transracional, tomando consciência das suas motivações, contradições e projeções; de experiências a nível espiritual, contactando com a natureza e com a transcendência; seja através do estudo e reflexão, é apresentado pelos participantes como uma peça fundamental para integrar a espiritualidade.

No documento TESE FINAL Patricia Pacheco (páginas 118-121)