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Espiritualidade e Desenvolvimento

No documento TESE FINAL Patricia Pacheco (páginas 32-36)

1. ESPIRITUALIDADE, ENFERMAGEM E DESENVOLVIMENTO

1.3. Espiritualidade e Desenvolvimento

A espiritualidade é central nas decisões do dia-a-dia da maioria das pessoas em países em desenvolvimento dentro do contexto da Ajuda Internacional. Para muitas pessoas, a espiritualidade é fundamental na compreensão do mundo e na perspetiva do seu significado ou sentido de vida, afetando as decisões sobre o seu desenvolvimento ou o da comunidade onde vivem. (Beek, 2000)

De modo a compreender o conceito de Desenvolvimento, deve remontar-se à sua origem. Podem considerar-se, genericamente, duas vagas na história importantes para a formulação do conceito: o pós II Grande Guerra até 1970 e depois de 1970. (Amaro, 2004) Depois da II Guerra Mundial, viveu-se um período de grande crescimento económico com o apoio do Plano Marshall para a reconstrução europeia que se refletiu em melhores condições de vida nos países envolvidos. Esta foi a era do desenvolvimento, onde vários fatores contribuíram para esse progresso, como a reconstrução da Europa, as independências das colónias e o estabelecimento de políticas de mercado livre entre os ditos países desenvolvidos e os subdesenvolvidos, a Guerra

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Fria e o desejo de se evitar uma terceira guerra, a afirmação do Keynesianismo e as novas perspetivas da Organização das Nações Unidas (ONU) a favor do progresso e da paz de todos os povos. (Amaro, 2004)

Nesta primeira fase, no pós-guerra, o desenvolvimento foi altamente influenciado por uma visão economicista, onde se valorizou a produtividade em quantidade, o consumismo, o industrialismo e a tecnologia, o racionalismo, o antropocentrismo (onde havia uma desigualdade de poder e superioridade de umas culturas sobre outras) e o uniformismo (destruindo a diversidade de que é feito o homem, as culturas, os ecossistemas, em suma, a vida). Ou seja, confundiu-se desenvolvimento com industrialização e modernização. O desenvolvimento económico vivido nos países europeus foi considerado como um modelo a aplicar, diretamente, às colónias que tinham atingido a independência recentemente. (Amaro, 2004)

Contudo, já antes de 1970, começou-se a tomar consciência das consequências deste desenvolvimento. Nos países subdesenvolvidos, vivia-se uma certa frustração perante os modelos

importados da Europa, onde persistiam as carências na educação, na subsistência alimentar, na

saúde, baixas esperanças médias de vida e o aparecimento de novas doenças, como o HIV-SIDA, Hepatite, aí particularmente mortíferas. Nos países desenvolvidos, as revoltas populares, como a Revolta dos Negros nos EUA, o Maio de 68, a Primavera de Praga ou as crises económicas associadas ao petróleo, eram sintomas de mal-estar social. (Amaro, 2004) Surgiram os primeiros alertas sobre os custos ambientais marcados pela poluição e o excesso de consumo dos recursos naturais. Por fim, o crescimento económico desenfreado levou ao desemprego, à precariedade, ao stresse, à solidão, à perda de identidade e à insegurança social. (Amaro, 2004)

A Agência Suíça para o Desenvolvimento e Cooperação relata a origem da Cooperação para o Desenvolvimento a partir de outra perspetiva menos documentada. (Holenstein, 2005) Bem se conhecem as primeiras grandes missões cristãs que acompanhavam os Descobrimentos e as conquistas de novas terras com intenção de evangelizar novos povos. Contudo, a partir de 1950, as sociedades missionárias começaram a aprofundar a missão para a compreensão do trabalho em parceria com as novas Igrejas em África, Ásia e América Latina, alargando os seus esforços de desenvolvimento a um nível político, social e ecológico. (Holenstein, 2005) Foi neste período que o Papa Paulo VI redigiu duas encíclicas papais importantes e ainda atuais, como

Pacem in Terris e Populorum Progressio que pretendem promover o desenvolvimento dos povos

e a solidariedade internacional numa visão global.(Holenstein, 2005)

O termo Projeto de Desenvolvimento (PD) foi introduzido por McMichael numa perspetiva económica aliada à educação. Neste contexto, os PD assentaram em dois pilares, a transferência tecnológica e a educação, e foram implementados por organizações internacionais através de programas de assistência. (Teodoro, 2003) Atualmente, o conceito de PD apresenta-se,

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também, como uma forma prática para distinguir os projetos de emergência, que atuam, por exemplo, em catástrofes naturais ou epidemias, numa permanência no terreno mais curta do que os projetos que permanecem a médio e longo prazo do terreno com objetivos de desenvolvimento.

Um outro conceito de projeto largamente aceite pela sua abrangência definido pela Comissão Europeia (2004) é aquele que considera o projeto como uma série de atividades que clarificam objetivos e os colocam em prática num tempo definido e com um orçamento determinado. O ciclo de projeto4 é uma forma de visualizar os elementos principais que os projetos têm em comum, formulando várias fases a percorrer. Este tem o objetivo de melhorar a gestão dos projetos, assegurando que questões, condições e riscos importantes são tidos em conta, durante o desenho e implementação do projeto. (European Comission, 2004)

Na década de 70, assiste-se a uma maior reflexão caracterizada pela diversidade de visões sobre o desenvolvimento, sendo as mais significativas e validadas as seguintes: desenvolvimento sustentável, local, participativo, humano, social e integrado. Amaro (2004) organizou estes cinco primeiros conceitos em três fileiras, segundo os respetivos conteúdos e contextos: a fileira ambiental, das pessoas e das comunidades e dos direitos humanos e da dignidade humana. A

fileira ambiental apela à consciência ambiental pelo primeiro conceito de Ecodesenvolvimento e

mais tarde pelo Desenvolvimento Sustentável, ganhou destaque com o relatório Brundtland em 1987, intitulado Our Common Future. Este relatório definia o Desenvolvimento Sustentável como a resolução das necessidades atuais sem comprometer a sobrevivência das gerações futuras (Neves, 2005). A fileira das pessoas e das comunidades coloca as pessoas e comunidades locais no centro do desenvolvimento pela participação, exercício da cidadania e participação ativa de todos. O seu início nos anos 60 concretizou-se com a metodologia do Desenvolvimento Comunitário, sendo atualmente mais associado aos conceitos de Desenvolvimento Local e Participativo. (Amaro, 2004)

Sobre abordagens participativas na promoção e planeamento em saúde, Rifkin et al (2000) apresentam três tipos de participação num contexto de pobreza. O primeiro é a

participação marginal que está limitada à oportunidade e focada num objetivo particular, tendo a

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Para um ciclo completo a mesma Comissão considera cinco fases principais, a programação, identificação, formulação, implementação e avaliação e auditoria. Na programação estabelecem-se as diretrizes e princípios, escolhem as prioridades dos programas o tipo de assistência e as modalidades de financiamento. A identificação procura determinar a relevância do projeto de acordo com as necessidades locais e a consistência política local, pelo que é a fase de identificar problemas. A formulação é a fase para se considerar a exequibilidade do projeto, estudando-se a sustentabilidade e planeando todas as atividades e recursos necessários. A implementação é o momento de pôr em prática o planeado, ao mesmo tempo que se avalia o cumprimento dos objetivos e adapta o projeto às circunstâncias. Por fim, a avaliação e a auditoria debruçam-se sobre a análise dos resultados e impactos relevantes para cumprimento dos objetivos, eficácia, eficiência e sustentabilidade. (European Comission, 2004)

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população uma reduzida influência no processo de desenvolvimento. O segundo tipo é a

participação substantiva onde os beneficiários dão algum contributo na determinação de

prioridades e algumas atividades, mas não têm capacidade de decisão. O terceiro tipo é a

participação estrutural, onde as pessoas têm um papel directo e activo no PD, “there is a shift in power and decision-making which allows a greater role for the community with support of external people (…) therefore takes control over the factors that control health” (Rifkin, et al, 2000,

p. 14)

O conceito de Desenvolvimento Local (DL) surge de uma viragem radical, segundo Amaro (2004), preocupando-se com o meio ambiente numa dupla perspetiva: a sustentabilidade da própria intervenção e como recurso que efetivamente promovesse o desenvolvimento. O DL caracteriza-se por um processo de mudança, de transformações sociais de uma dada comunidade, numa área territorial definida pela construção da identidade regional de um passado étnico e histórico comum, bem como de uma consciência de futuro comum. O DL é desencadeado pelas necessidades não satisfeitas da comunidade, que procura responder a partir das capacidades locais e endógenas, adotando-se programas que se baseiam nas condições e potencialidades históricas, culturais, institucionais dos recursos locais. (Amaro, 1993) Para tal privilegia-se a participação dos atores locais da população em todo o processo, reconhecendo-se também a importância dos recursos exógenos para potenciar os endógenos. Assim, o DL segue uma lógica de integração, implicando uma abordagem multidisciplinar com redes e relações de parceria. Sendo caracterizado por grande diversidade de processos, soluções, caminhos e resultados, deve ter um impacto em toda a comunidade, gerando um efeito de imitação de boas práticas nas zonas envolventes. (Amaro, 1993; Baptista, 2009)

Por fim, segundo Amaro (2004), a terceira fileira dos direitos humanos e da dignidade

humana procura o respeito pelos direitos humanos e a satisfação das necessidades básicas para a

sobrevivência e dignidade humanas. Mais recentemente traduz-se nos conceitos de Desenvolvimento Humano e Social, do qual surgiu o Índice de Desenvolvimento Humano. (Amaro, 2004) Este índice é uma medida comparativa usada para classificar o nível de desenvolvimento dos diferentes países, baseada nas três dimensões básicas do desenvolvimento humano: dimensão da saúde, vida longa e saudável (expectativa de vida ao nascimento); a dimensão da educação (anos médios de estudo e anos esperados de escolaridade); e a dimensão dos padrões de vida, nível de vida digno (pelo PIB). (PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO, 2010)

O conceito de Desenvolvimento Integrado tem sido referido transversalmente a todas as outras fileiras e prevê uma abordagem interdisciplinar e uma metodologia copulativa (do e e não do ou), sendo um processo que conjuga as diferentes dimensões da vida e os percursos de

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mudança e melhoria, articulando, por exemplo, o económico, social, cultural, político e ambiental; a quantidade e a qualidade; as várias gerações; a tradição e a modernidade; o endógeno e exógeno; o local e global; os vários parceiros; a investigação e ação; o ser, estar, fazer, criar, saber e o ter, consideradas dimensões existenciais do desenvolvimento; o feminino e masculino; as emoções e a razão, etc. (Amaro, 2004)

Podem, ainda, encontrar-se inúmeros caminhos para o desenvolvimento, todavia parece ser possível, segundo Amaro (2004), sintetizar sete contributos importantes às conceções tradicionais de desenvolvimento, a saber: 1. O carácter multidimensional e a complexidade do desenvolvimento (ao contrário da disciplinaridade) apelam à inter e transdisciplinaridade; 2. A atenção à satisfação das necessidades passa para a realização das capacidades das pessoas (empowerment); 3. Novos sistemas democráticos associados a processos de cidadania e metodologias participativas; 4. Uma relação de interdependência sistémica com a Natureza; 5. Uma multiterritorialidade que inclui os níveis Estado-Nação, supranacional, transnacional (global) e infranacional (local); 6. A associação a múltiplos protagonistas (para além, do Estado, dos cidadãos organizados nas mais diversas formas); 7. A diversidade de caminhos exigindo criatividade (assumindo a teoria do caos, da instabilidade e fractabilidade, como matrizes da dinamização da vida).

Após se explorar os conceitos de espiritualidade e desenvolvimento, passam a descrever- se os desafios que surgem à integração da espiritualidade na prática, quer da enfermagem, quer mais especificamente no contexto do desenvolvimento.

No documento TESE FINAL Patricia Pacheco (páginas 32-36)