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1. Criatividade: encontro com a diversidade teórica

1.2. Criatividade e ciência

Sob o olhar científico deslocam-se as explicações sobre criatividade de deuses e Deus para o ser humano. Diferente de contos e fé, a busca da verdade comprovada. Não basta falar da criação dos animais, do vento, das águas, terra. Com a ciência, criatividade ganha outro estatuto, inscreve-se numa outra lógica cuja argumentação se desprende dos argumentos mítico-religiosos e se inclinam sobre a comprovação diante de olhares céticos de homens e mulheres em criação. Criatividade passa a ser objeto da curiosidade de pesquisadores que a relaciona à condição de pensar, sentir, decidir, agir, analisar, sintetizar, avaliar, tantas vezes e em tantas situações enquanto se encontre o humano.

Aos poucos, a abordagem criacionista afasta-se do centro das reflexões dando lugar às teorias de argumentação científica. Não mais uma dádiva concebida pelos deuses ou por Deus. Criatividade passa a ser explicada como conseqüência da capacidade ‘intrinsecamente humana, com a qual se associam a ‘direcionalidade e intencionalidade’, ‘o caráter transformador’, ‘a comunicação’, ‘a originalidade ou novidade’, ‘o caráter ético’ e ‘o caráter emocional’, afirma De la Torre (2005, p. 57-64). Criatividade e inteligência humana ganham espaço na medida em que se procuram explicações sobre o comportamento característico de pessoas que se expressam com ação criativa.

Neste sentido, as contingências do cotidiano, fontes impulsionadoras de ações boas ou más entre os humanos em relações entre si, com os outros e com o mundo, irão orientar a discussão científica sobre a dinamicidade do agir criativo.

Para a ciência, a criatividade encontra-se envolvida por um movimento ousado de pensar, decidir e agir, capaz de inovar, transformar, diferenciar um fenômeno. Trata-se da ousadia humana em confrontar a realidade percebida, os problemas do cotidiano ou de situações elaboradas pelos homens e mulheres. Uma vez identificando problemas emergentes, homens e mulheres, pela força de sua produção, pelo trabalho, fazem prevalecer o novo, o inusitado, o original. É com o ser humano que a criatividade ganha forma, transforma-se em ação criativa.

A interpretação do fenômeno criatividade passou por acomodações influenciadas pela história e culturas. Aos poucos, nesta trajetória histórica e cultural da civilização humana,

criatividade será condicionada por diversos signos. Antes mesmo de lhe ser atribuída foco científico, houve um tempo em que criatividade e ação criativa estiveram identificadas como sinal de alta criatividade, desajuste mental, loucura e bruxaria. Neste sentido, Eunice Alencar, referindo-se aos trabalhos desenvolvidos por Witty e Lehman (1965), aponta “a relação entre criatividade e doença mental ou entre […] instabilidade nervosa” (ALENCAR, 1986a, p. 12).

Em ambas as situações, a mente humana encontrava-se tomada por uma força sobrenatural ou espontânea afastando, do ser humano, a condição da razão criativa. A ação criativa não sendo influenciada pela consciência humana, pela condição de tomar decisões responsáveis no social, orientadas pelo desejo de responder aos problemas regidos pela ética coletiva, delirava como respostas de uma mente perturbada, comprometida. A criatividade era associada ao estado patológico em que, o humano afastando-se da razão, afundava-se num mundo só dele. Isolado, permanecendo fora do real, numa realidade cuja percepção declinaria sob um estado de fantasia.

Também, não sendo sinal de doença mental, o comportamento de artistas e cientistas transgredia o comum, o esperado pela coletividade. Apresentava-se como ação singular. Tornava-se diferente. Neste caso, fantasia e imaginação tomavam outra extensão, assumia-se como ousadia inventiva.

Referindo-se ao processo de criação do artista, Kneller (1978) salienta que “sua aparente espontaneidade e sua irracionalidade são explicadas [por vezes] como fruto de um acesso de loucura” (Op.cit., p. 33/adaptação nossa). Com isto, não é de se estranhar as muitas vezes em que artistas e cientistas foram interpretados como loucos, lunáticos, quando suas produções, enraizadas na busca de sua superação, tendiam a “forçar ao extremo a própria natureza” (Op.cit., p. 34), colocando-se no limiar entre insanidade e “a resolução crucial de um conflito” (Ibid.).

De outra maneira, mas que também concorre com os equívocos associados à criatividade, houve um tempo em que o produto inventivo fora considerado conseqüência do acaso, de ocorrências provenientes de “lampejos de inspiração que ocorre em determinados indivíduos sem uma razão explicável, como um toque de mágica” (ALENCAR, 1993, p. 16). Menos comum, no entanto não menos distante do que hoje a ciência tem apontado, fora a idéia associada tanto à dimensão de ser ou não ser indivíduos criativos quanto os olhares que afirmavam criatividade combinada aos “fatores intrapessoais, subestimando-se a enorme contribuição da sociedade como um todo no processo criativo” (Ibid).

Com as exigências do mundo emergente, as relações humanas passaram a delimitar competências e rigor na superação dos desafios que a vida moderna começava a impor. A

produção industrial, ao mesmo tempo em que fazia modificar hábitos da sociedade rural, promovia novo ritmo ao modo de vida na cidade. A industrialização tornava-se, simultaneamente, palco e conseqüência da ação criativa humana provocando mudanças em todas as áreas do comportamento humano. Criatividade, inserida neste contexto, também vai ser influenciada pelo que Fouquette (1973) chamou de ‘modelo econômico da produção criativa’. Para este, o modelo social introduzido à criatividade com o processo de industrialização “propõe uma representação dinâmica em que o objeto da investigação não é revelado por um aventureiro mas engendrado por um trabalhador” (Op.cit., p. 16). Já não se associa criatividade ao espírito revelador, mágico, mas encontra-se delimitado pela relação de trabalho e produção em que o homem se envolve. Escreve o autor: “a relação do trabalho para o resultado já não é uma relação transcendente de ascese, mas uma relação direta de construção. O criador tornou-se um produtor” (Op.cit., p.17).

No entanto, como já mencionado por Alencar (1986a) e Nicolau (1997) a característica científica associada à criatividade vai ganhar força com os avanços de estudos em psicologia articulando criatividade e inteligência. Neste contexto a participação de Jean Paul Guilford foi fundamental. Com ele, salientam-se operações cognitivas que até então os testes de inteligência não haviam sido eficientes em identificar. Com Guilford, as produções científicas em criatividade fortaleceram-se em argumentos disponibilizando um estatuto novo à criatividade.

Este aspecto influenciou, diretamente, a discussão aqui proposta sobre criatividade na educação, fundamentalmente, pela especificidade do tema que esta pesquisa se inclinou abordar, criatividade em educação popular a partir do pensamento filosófico educacional de Paulo Freire. Neste sentido, apesar de se ler na obra paulofreireana elementos que articulam criatividade às idéias que formulara sobre religião, foram os argumentos da ciência sobre criatividade aqueles que delimitaram o seu modo de pensar e agir.

De início, criatividade esteve associada à conotação de transcendência, de diálogo com o Criador. Porém, na continuidade de suas reflexões, será o debate sobre consciência transitiva ingênua ou crítica que dará sustentação argumentativa à criatividade em educação popular. Sua práxis dialética de pensar-fazendo, centrando suas idéias no conceito de homem como ser de relações, o conduziu a assumir criatividade como capacidade humana, influenciada pelas dimensões de história e cultura. De acordo com Paulo Freire (2001, p. 10) “essa transitividade do homem faz dele um ser diferente. Um ser histórico. Faz dele um criador de cultura”; “criando novas disposições mentais” (Op.cit., p. 30).

em aprendizagem no séc. XX, influenciaram o modo do pensamento paulofreireano em educação.

1.3. Criatividade sob o olhar da psicologia

Durante o século XVIII, com o Laboratório de Psicologia Experimental de Leipzig, Alemanha, coordenado por Wundt (18797), com estudos sobre sensação, a psicologia ganha novo contexto associando-se as áreas métricas, adotando a dimensão cientifica. Seguiram-se investigações sobre memória e atenção, caracterizadas pelas formas de medida.

A partir da primeira metade do século XX, através de Freud e Brower, entre outros, a psicologia passará por mudanças revolucionando o processo investigativo com a descoberta do inconsciente promovendo comportamentos. Desde então emergiram escolas introduzindo novos paradigmas às abordagens em psicologia. Behaviorismo, humanismo, Gestaltismo e a dimensão psicanalítica são exemplos que remontam esta época.

Muitos dos estudos em psicologia, entre meados do século XIX e séc. XX vão contribuir com a criação do estatuto atribuído por Guilford à criatividade. Investiu-se, no início, na busca de explicações referentes aos ‘lampejos de inspiração’ presentes em alguns indivíduos privilegiados (gifted ou talentosos8), nos estudos sobre características individuais, traços de personalidade, bem como identificação de características orientadas à produção e produto criativos.

Posteriormente, com Guilford e depois dele, criatividade será articulada à inteligência. Derivam pesquisas confrontando criatividade e alta inteligência (gênio9). Na continuidade, o termo superdotação substituirá a idéia de gênio expressando a capacidade de indivíduos com talento diferenciado da maioria em sua época. Nas palavras de Passow (1981), superdotação refere-se ao desempenho expresso por “habilidade significativamente superior quando comparado com a população geral” (apud ALENCAR, 1986b, p. 22). Esta relação vai provocar debate em criatividade e aprendizagem. Inúmeros aspectos tomaram corpo através de pesquisas que pretenderam responder questões até então não resolvidas. Se criatividade é

7 Para Nuno de Sá Teixeira, a perspectiva científica atribuída à psicologia tem início com a publicação da obra Elementos de Psicofísica de Gustav Fechner (1860), introduzindo a psicofísica nos estudos sobre processos

mentais.

8 Estes termos estiveram comumente atrelados aos estudos que relacionam criatividade, produção criativa, características de personalidade com indivíduos classificados como gênios ou superdotados.

9 Gênio é termo aplicado aos indivíduos que revelam níveis de alta inteligência em teste de coeficiência de inteligência (QI). Contudo, este conceito não é consensual. Para uns, alta inteligência está associada à idéia que se faz de gênio (MOSER-WELLMAN, 2001; JOHNSON, 2006), para outros, de superdotados (Alencar, 1986b; Sabatella, 2005).

condição da natureza humana, proveniente da capacidade de inteligência, será comum à todas as pessoas? Será, criatividade, exclusiva aos gênios, àqueles ou àquelas cuja inteligência se expressa com maior intensidade que a grande maioria dos humanos? Aos superdotados e talentosos? Aprende-se a ser criativo(a)? Aprende-se a agir criativamente?

Kneller (1978), referindo-se à relação criatividade e gênio, a partir de Hallman (1963), vai afirmar que criatividade não pode ser ensinada formalmente, por se tratar de uma capacidade humana. O que se ensina e aprende são elementos do processo de criação. Não se aprende criatividade, mas a agir de forma criativa. O que está em causa quando se pensa a relação criatividade e aprendizagem é menos a identificação do lugar comum da capacidade humana de criar, do que as habilidades fundamentais que conduzam homens e mulheres, pela tomada de consciência, assumirem-se como sujeitos criativos(as), orientando suas habilidades à ação criativa, à superação de seus desafios.

Nesta direção, pesquisas preocupadas em associar alta inteligência e criatividade, superando a dimensão de superdotação, vão delimitar seu campo de investigação assumindo criatividade como característica humana e não apenas de humanos (supertalentosos) com níveis de inteligência superior à maioria de indivíduos. No entanto, pesquisas reunindo fragmentos atitudinais de homens e mulheres que se destacaram pela característica de alta inteligência e criatividade continuam inquietando curiosos neste campo de intervenção.

A pesquisa desenvolvida por Moser-Wellman (2001) pode representar termo de transição entre as dimensões de gênio e genialidade criativa. Ressaltando a importância da imaginação no desempenho de ações criativas de artistas e cientistas altamente criativos e alta inteligência, a autora propôs a seguinte classificação: a) os que expressam sua criatividade, produzindo novas idéias, a partir da visualização mental de imagens propulsoras de idéias geniais – “as pessoas altamente criativas acatam suas imagens, as estudam e se perguntam que idéias virão delas” (Op.cit., p. 24), ...”enquanto permanecem com uma imagem em sua mente, [...] analisam o quadro de modo mais amplo e encontram idéias novas” (Op.cit., p. 28) -, a estes classificou como gênio criativo Visionário; b) os que demonstram “habilidade de admirar-se com o mundo, perceber pequenas coisas e realizar contribuições criativas a partir dos detalhes” (Op.cit., p. 53), foram denominados de gênios criativos Observador; c) outros gênios tiveram suas características associadas ao modo de criar motivado pelo desejo de “juntar domínios separados – interesses, disciplinas ou sistemas de pensamento diferentes e os une de um modo único para desenvolver um avanço” (Op.cit., p. 84), a esses chamou de Alquimista. Na continuidade, dois outros grupos foram identificados pela autora, d) os que convencionou chamar de Tolo, apresentam características que os aproximam da idéia quase

absurda, no entanto que se expressam com solução triunfante. “Os Tolos adoram provocar uma reversão de expectativas, identificar o surpreendente e, ao agir desse modo, criar idéias avançadas” (MOSER-WELLMAN, 2001, p. 110); e) os que chamou de Sábio – cujo elemento diferencial encontra-se na condição de que o ato de criar se constitui em reduzir “uma idéia à sua essência, removendo o que é superficial e alcançando o núcleo [...] ao dar relevância ao essencial, [...] pode investigar os grandes mistérios e encontrar a força da inovação” (Op.cit., 2001, p. 143).

Ainda com Moser-Wellman (2001), referindo-se ao termo gênio, ao sugerir genialidade como condição qualitativa à ação criativa termina por diferenciar um gênio de uma pessoa comum pela possibilidade de ampliar as condições de aprendizagem de técnicas com as quais desenvolva habilidades favoráveis à aplicação de idéias geradoras de novas idéias. Portanto, “dominar esse poder é o primeiro passo para dominar sua imaginação” (Op.cit., p. 24). A ação criativa que a autora atribui à dimensão da genialidade humana perpassa pela condição de aprendizagem, requisitando de todos e todas, desejo e empenho na busca das soluções aos desafios que, como sujeitos curiosos, expressam habilidades em criação. Neste sentido, Sabatella (2005) lembra a importância das pesquisas sobre a natureza e funcionamento do cérebro desmistificando a crença de que alta-inteligência fosse decorrência exclusiva de características inatas. Experiências e plasticidade cortical, estímulo intelectual e aumento da densidade do córtex, aprendizagem e aumento na velocidade de resposta, são situações que conduziram investigações cujos dados analisados apontam mudanças de paradigmas frente ao processo de ensinar-aprender em educação com indivíduos superdotados.

Referindo-se aos indivíduos superdotados no contexto do ensino-aprendizagem, Sabatella (2005) comenta sobre o processo pelo qual informações são retidas no cérebro. Adverte sobre a relevância que as metodologias de ensino exercem sobre a sinapse, como instrumento de incentivo ao “crescimento das ramificações dos dendritos, a complexidade de rede de conexões entre neurônios” (Op.cit., p. 25) e ao aumento de célula glia10. Para Nicolau (2007) a dinâmica das interações e aprendizagem humana tanto requisitam articulações neurais quanto expressam a relevância das células glias e astrócitos11. De um lado, com as

10 Diz-nos Maria Lúcia Sabatella(2005) “Sua função é sustentar e nutrir os neurônios, isolar os axônios e regular a composição química do espaço extracelular, assim como, tem o papel determinante na formação e reforço da bainha de mielina [...] além de retirar [...] elementos que podem prejudicar o desempenho neural, bem como das demais células auxiliares” (Op.cit., p. 23).

11 Astrocitos são células com função reguladora de neurotransmissores que ativam “a maturação e a proliferação de células-tronco nervosas adultas, proporcionando ainda, através de seus fatores de crescimento, a regeneração de tecidos cerebrais ou espinhais danificados por traumas ou enfermidades” (NICOLAU, 2007, p. 16).

células glias as informações neurais podem ser modificadas nas conexões sinápticas e com as astrócitos as sinalizações entre as sinapses são controladas, “fazendo com que o cérebro reveja suas respostas a estímulos a partir da experiência acumulada, influenciando a forma como se aprende” (NICOLAU, 2007, p. 17).

Criatividade e inteligência

Como lembrou Nicolau (1997), criatividade ganhou estatuto científico a partir de Guilford, na década de 1950, quando utilizando a técnica de análise fatorial definiu as bases do comportamento criativo sob a interpretação da estrutura tridimensional do intelecto. Por este mesmo motivo, Guilford vem sendo considerado pioneiro no emprego do termo criatividade. No entanto, pesquisas foram elaboradas focando produto e processo pelo qual o ser humano envolveu-se ao investir esforço em resolução de problemas. As investigações sobre inteligência, comportamento inteligente ganharam força conduzindo mudanças sobre os argumentos psicológicos em criatividade.

De acordo com Brown (1989), interessado em classificar abordagens dirigidas à relação criatividade e inteligência, vai superar as questões teóricas mais antigas, frente às novas descobertas. Alencar (1986a), já havia reforçado esta perspectiva afirmando que as idéias que articulavam criatividade e dom, lampejo de idéias, loucura ou bruxaria haviam sido superadas pelos argumentos de criatividade como capacidade humana. De acordo com a autora, criatividade, diferente dos anúncios elaborados pela abordagem criacionista, ou das que tentaram explicá-la pela particularidade de certo estado patológico da mente humana, ou mesmo pelos que identificaram criatividade como elaboração fortuita decorrente do acaso, foram superadas pelos argumentos científicos que articulam comportamento criativo e inteligência.

Neste sentido, vai afirmar que “todo ser humano apresenta certo grau de habilidades criativas e que estas habilidades podem ser desenvolvidas e aprimoradas através da prática e do treino” (ALENCAR, 1986a, p. 12). Semelhante ao assinalado por Nicolau (2007) as ações criativas sofrem influências das aprendizagens, das experiências acumuladas, na medida em que sejam compreendidas sob a dinamicidade do reconhecimento do ser humano como ser histórico e de cultura. A este respeito, Paulo Freire já escrevera nos anos 1960 sobre a condição humana de captar desafios e decidir mediado pelas conotações de pluralidade, transcendência, criticidade, conseqüência e temporalidade. Introduzia reflexões em educação popular centrado, no homem, como sujeito histórico e de cultura, domínio que atribuiu

exclusivamente ao ser humano.

Nesta direção, criatividade deve ser compreendida como fenômeno humano mediado pela inteligência, pelo pensamento e influenciada pela aprendizagem, pelo modo de estar nas relações que elabora e participa. Com isto, distanciando-se das antigas interpretações, a ação criativa poderá ser tanto mais enriquecida pela experiência, quanto mais as relações humanas sejam estimuladoras da aprendizagem de habilidades variadas e diversificadas. Habilidades, com as quais homens e mulheres corporificam criatividade, dão visibilidade à criatividade pela força de sua produção, expressa como ação criativa.

Bouillerce e Carré (2004), escrevendo sobre desenvolvimento da criatividade, iniciam seu livro destacando criatividade como “caminho mental” com o qual o ser humano descobre “novas relações entre coisas”, produz “idéias úteis e originais” (Op.cit., p. 13). Criatividade, diz-nos, “constitui uma maneira de ser e de pensar. É uma atitude individual corriqueira, acessível a cada um de nós e independe da inteligência medida pelo Quociente de Inteligência” (Op.cit., p. 13). Articulam, Brigitte Bouilerce e Emmanuel Carré, criatividade à condição humana de produção de idéias e ações, portanto, trabalho é categoria fundamental à descoberta de novas criações.

Sob esta interpretação pode-se especular a aproximação entre, Alencar (1986a), Brown (1989) e Bouillerce e Carré (2004) quando delimitam criatividade à condição humana. A relação criatividade-inteligência vai, com isso, possibilitar aos homens e mulheres modos diferentes de estar em ação criativa. Assim, será através das aprendizagens que os indivíduos interagem, de forma criativa, com o mundo, motivada pelos problemas do cotidiano. Segundo Assmann (2004), este aspecto pode ser intensificado com incentivo à curiosidade que remete à ampliação de oportunidades. Incentivando curiosidade à atitude de ousadia supera a inércia da resposta certa. Ampliam-se as oportunidades de pensar diferente, de fazer diferente.

Retomando Brown (1989) e as pesquisas sobre criatividade e inteligência, será no início do século XX que se verifica maior ênfase nos trabalhos que procuram explicar criatividade como condição associada ao humano e inteligência. Apesar de apontar dificuldade em conceituar criatividade, de delimitar uma definição consensual, o autor faz uma revisão na literatura americana identificando características comuns nas produções da época. O resultado de seu levantamento possibilitou a visualização dos antecedentes históricos sobre criatividade. Propôs Robert Brown:

a) como aspecto da inteligência (an aspect of intelligence), a exemplo dos testes de Quociente de Inteligência (QI) de Binet e o Modelo de Estrutura da Inteligência de Guilford;

respeito, o autor menciona o trabalho de Henri Poincaré (1913) ao concluir que “a consciência de fracasso na resolução de um problema, coloca em ação o processo inconsciente que leva a uma combinação randômica de idéias, algo que pode emergir como uma apropriada solução criativa” (BROWN, 1989, p. 5). Para Kneller (1978), também comentando Poincaré, o conceito ‘novidade’ introduz um tempo diferente entre os estudos que orientam a relação criatividade-inteligência; “a novidade criadora emerge em grande parte do remanejamento de conhecimento existente – remanejo que é, no fundo, acréscimo ao conhecimento” (Op.cit., pp. 16-17);

c) como elemento da solução de problema (as an element of problem solving) – refere-se aos estudos que procuram identificar os passos desenvolvidos durante o processo de resolução de problemas. Para Brown (1989), são exemplos os estudos de Dewey (Problem solving, 1910); Wallas (Createve production, 1926); Rossman (Invention, 1931). Os trabalhos de J. Wallas são referências quando se pretende debater o processo de descoberta e criatividade. Para Wallas (1926), comenta Brown (1989), o processo criativo pode ser explicado através de cinco passos, seleção de um problema; amplo esforço para resolver o problema; concentrar-se