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Os crimes internacionais são aqueles que possibilitam a responsabilização pessoal dos indivíduos (CASSESE, 2003, p.23), representando o novo paradigma do Direito Internacional de tratamento do indivíduo enquanto sujeito de prescrição normativa. A tipificação das condutas delituosas no âmbito internacional pode ser feita tanto através do direito convencional, pelos tratados e convenções, quanto pelo direito consuetudinário.

Nesse sentido, importante evidenciar que a positivação de tais normas surge no sentido de cristalizar as normas do direito costumeiro. Nesses casos, por mais que os tratados e convenções só sejam oponíveis aos Estados-parte, não implica dizer necessariamente que as condutas lá tipificadas não sejam oponíveis aos demais Estados. (JANKOV, 2005, p. 48 e 49) Esse processo atua, inclusive, em prol do princípio da legalidade, propiciando definições precisas que possibilitem uma aplicação mais coerente da jurisdição penal no âmbito dos crimes internacionais. Importante perceber, todavia, que o trabalho normativo dos tratados e convenções não é exaustivo e nem sempre as definições apresentadas são suficientes para aplicação e interpretação penal (COLANGELO, 2005, p.27).

Os costumes, portanto, possuem aplicação universal, independem de reconhecimento e aceite do Estado, e tais crimes não se sujeitam a prescrição (BROWNLIE, 1990, p. 538). Tais condutas, quando fundadas em normas de jus cogens, são chamadas de core crimes.

Essas normas consuetudinárias podem ser chamadas de normas de jus cogens, marcadas pela sua inderrogabilidade, só sendo afastadas por meio de um costume subsequente. Este conceito foi incorporado na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, em seu artigo 5310.

Apesar da sua conceituação em norma escrita, o enquadramento de diversos crimes como normas de jus cogens ainda é um campo incerto e envolto de muita divergência. O seu

10 Artigo 53. Uma norma aceita e reconhecida pela sociedade internacional dos Estados no seu conjunto como uma

norma que não permite qualquer derrogação, e que só pode ser modificada por uma norma subsequente de Direito internacional geral da mesma natureza.

propósito, contudo, é pacífico: assegurar a ordem pública internacional, daí o seu caráter de obrigação erga omnes, ou seja, aplicável a todos.

Com relação a esses core crimes é certo que, com o advento do Estatuto de Roma, os crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão, alçaram definitivamente ao status de normas de interesse de toda a sociedade internacional, reafirmando seu caráter de jus cogens (JANKOV, 2005, p.56).

Cassese (2003, p.24) apresenta sua contribuição sobre essa matéria, reconhecendo o caráter de jus cogens também do crime de tortura, devendo ser compreendido em sua forma autônoma, e algumas formas extremas de terrorismo, em que os atos são patrocinados ou tolerados por outros Estados.

Nessa esteira, para que um crime possa ser classificado como um crime internacional deve: a conduta violar norma consuetudinária, bem como haver um objetivo de proteção de valores comuns a sociedade internacional e de um interesse universal na sua repressão (JANKOV, 2005, p.62 a 64).

Sob essa égide, Cassese (2003, p.25) complementa que a pirataria não mais pode ser compreendida como crime internacional, uma vez que não está presente o elemento de proteção de um valor universal de humanidade, mas tão somente o interesse de proteção de um risco comum a todas as nações.

Outra consideração importante diz respeito a aplicação analógica de normas internacionais penais. A vedação a analogia na aplicação da lei penal está presente em diversos sistemas legais nacionais e no âmbito da lei internacional também se verifica essa vedação. Há, portanto, uma preocupação em proteger o indivíduo das arbitrariedades dos Estados e cortes, estando diretamente relacionada ao princípio da legalidade (CASSESE, 2003, p. 154).

3.2.1 Crimes submetidos ao exercício da jurisdição universal

Diante de todo o exposto acerca dos crimes internacionais, é possível de início afirmar que os core crimes estão sujeitos ao exercício da jurisdição universal. Sob esse viés, percebe- se que esse rol de crimes é aberto, evoluindo no compasso da prática internacional visando a proteção da humanidade.

Com relação a tais crimes há não só o costume internacional como fundamento, mas também as disposições de tratados e convenções que tipificaram tais condutas e consagraram as normas consuetudinárias.

As violações das leis de guerra são puníveis por meio do exercício da competência universal (BROWNLIE, 1990, p.326), assim na I Convenção de Genebra, art. 4911; na II Convenção de Genebra, art. 5012; na III Convenção de Genebra, art. 12913; e na IV Convenção de Genebra, art. 14614, encontramos previsões que subsidiam esse exercício.

O crime de tortura positivado no Direito Internacional prevê a jurisdição universal em âmbito global, na Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes, de 1984, em seu artigo 7º15; como também em âmbito regional, na Convenção

Interamericana para Prevenir e Sancionar a Tortura, de 1985, em seus artigos 1216 e 1417.

11 Artigo 49. [...] Cada Parte Contratante tem a obrigação de procurar as pessoas acusadas de terem cometido ou

dado ordens para que se cometa qualquer uma dessas infrações graves e de remetê-las a seus próprios tribunais, seja qual for sua nacionalidade. Poderá também, se assim preferir, e segundo as disposições previstas em sua própria legislação, remetê-las para julgamento a uma outra Parte Contratante interessada, desde que esta possua elementos de acusação suficientes contra as referidas pessoas. Cada Parte Contratante tomará as medidas necessárias para que cessem, além das infrações graves definidas no artigo seguinte, também os atos contrários às disposições da presente Convenção.

12 Artigo 50. [...] Cada Parte Contratante tem a obrigação de procurar as pessoas acusadas de terem cometido ou

dado ordens para que se cometa qualquer uma dessas infrações graves e deverá remetê-las a seus próprios tribunais, seja qual for sua nacionalidade. Poderá também, se assim preferir, e segundo as disposições previstas por sua própria legislação, remetê-las para julgamento a uma outra Parte Contratante interessada na causa, desde que esta possua elementos de acusação suficientes contra as referidas pessoas. Cada Parte Contratante tomará as medidas necessárias para fazer com que cessem os atos contrários às disposições da presente Convenção, bem como as infrações graves definidas no artigo seguinte.

13 Artigo 129. [...] Cada Parte Contratante terá obrigação de procurar as pessoas acusadas de terem cometido ou

dado ordens para que se cometa qualquer uma dessas infrações graves e deverá remetê-las a seus próprios tribunais, seja qual for sua nacionalidade. Poderá também, se assim preferir e segundo as disposições previstas por sua própria legislação, remetê-las para julgamento a uma outra Parte Contratante interessada na causa, desde que esta possua elementos de acusação suficientes contra as referidas pessoas. Cada Parte Contratante tomará as medidas necessárias para pôr termo aos atos contrários às disposições da presente Convenção, além das infrações graves definidas no artigo seguinte.

14 Artigo 146. [...] Cada Parte Contratante tem a obrigação de procurar as pessoas acusadas de terem cometido ou

dado ordens para que se cometa qualquer uma dessas infrações graves e deverá remetê-las a seus próprios tribunais, qualquer que seja sua nacionalidade. Poderá também, se assim preferir e segundo sua própria legislação, remetê-las para julgamento a outra Parte Contratante interessada na causa, desde que essa Parte Contratante possua elementos de acusação suficientes contra as referidas pessoas. Cada Parte Contratante tomará as medidas necessárias para pôr termo aos atos contrários às disposições da presente Convenção, bem como às infrações graves definidas no artigo seguinte.

15 Artigo 7º. 1. O Estado Parte no território sob a jurisdição do qual o suposto autor de qualquer dos crimes

mencionados no Artigo 4º for encontrado, se não o extraditar, obrigar-se-á, nos casos contemplados no Artigo 5º, a submeter o caso as suas autoridades competentes para o fim de ser o mesmo processado.

16 Artigo 12. Todo Estado Parte tomará as medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre o delito

descrito nesta Convenção, nos seguintes casos: a. quando a tortura houver sido cometida no âmbito de sua jurisdição; b. quando o suspeito for nacional do Estado Parte de que se trate; c. quando a vítima for nacional do Estado Parte de que se trate e este o considerar apropriado. Todo Estado Parte tomará também as medidas necessárias para estabelecer sua jurisdição sobre o delito descrito nesta Convenção, quando o suspeito se encontrar no âmbito de sua jurisdição e o Estado não o extraditar, de conformidade com o artigo 11. Esta Convenção não exclui a jurisdição penal exercida de conformidade com o direito interno.

17 Artigo 14. Quando um Estado Parte não conceder a extradição, submeterá o caso às suas autoridades

competentes, como se o delito houvesse sido cometido no âmbito de sua jurisdição, para fins de investigação e, quando for cabível, de ação penal, de conformidade com sua legislação nacional. A decisão tomada por essas autoridades será comunicada ao Estado que houver solicitado a extradição.

Além desses, também temos os demais crimes considerados core crimes pela doutrina, os quais não foram objeto de tratado nem convenção, de modo que sua aplicação e enquadramento depende tão somente do costume e dos precedentes judiciais de sua aplicação ao longo dos anos. São eles: genocídio (artigo 6º), os crimes contra a humanidade (artigo 7º) e os crimes de agressão, todos previstos no Estatuto de Roma.

Importa evidenciar que as sucessivas menções ao Estatuto de Roma, para além do seu importante papel na normatização dos core crimes, também se dão em razão de seu preâmbulo que legitima a atuação na repressão das condutas lá tipificadas por meio de medidas no âmbito nacional e da cooperação internacional. Legitima, em razão de sua subsidiariedade, a jurisdição universal como alternativa para a responsabilização de tais crimes.

Para além do enquadramento de tais condutas sob o campo de aplicação da jurisdição universal, o Princípio 2 (1) dos Princípios de Princeton (2010) traz também, em rol exemplificativo, a pirataria e a escravidão como crimes sujeitos a universalidade da jurisdição. Posteriormente, os Princípios de Madrid-Buenos Aires trouxeram novos tipos penais, em seu Princípio 2, ainda em rol exemplificativo: desaparecimento forçado, tráfico de seres humanos e execuções extrajudiciais.

Em que pese não ser objeto do presente estudo, cumpre observar que os Princípio de Madrid-Buenos Aires também apresentaram os crimes econômicos e contra o meio ambiente como sujeitos a universalidade da jurisdição. Assim, não só há a possibilidade de julgamento de pessoas naturais, como também de pessoas jurídicas por meio da aplicação deste princípio.

A despeito das condutas acima mencionadas, eventuais tratados e convenções podem vir a determinar a incidência do princípio da universalidade da jurisdição sob outros crimes. Com relação a esses casos, leciona Anthony Colangelo (2005, p.19) que não haveria uma verdadeira jurisdição universal, uma vez que o exercício desta estará limitado aos Estados-parte. Ato contínuo, no âmbito da legislação interna dos países acerca dessa matéria, segundo Anne Lagerwall (2009), há um processo gradativo de modificações legislativas visando ampliar materialmente o exercício da jurisdição universal, incluindo infrações para além dos core

crimes. Evidencia também o paradoxo que é essa ampliação material frente ao processo de

condicionamento do exercício desta jurisdição, havendo um cerceamento de sua aplicação formal (MELLO, 2017, p.113).

Importante lembrar que a aplicação do princípio da universalidade independe de sua previsão na legislação interna, bem como independe de normas nacionais acerca da tipificação criminal da conduta, uma vez que o fundamento do processo advém de uma norma de jus

3.3 A RESPONSABILIDADE E A CULPABILIDADE NO DIREITO INTERNACIONAL