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Durante a década de noventa, dois governadores marcaram a gestão pública estadual. O governo de Roberto Requião contrastou com o de Jaime Lerner. As opções de Requião pela disciplina fiscal e pelo gasto social em muito se diferenciaram das de Lerner, que exerceu o poder por duas vezes, entre 1995 e 1999 e entre 1999 e 2003. A partir da segunda metade dos anos noventa, o estado presenciou uma gestão que passava pelo uso abusivo do endividamento (em parte gerado por uma política de gasto que parecia desconhecer a existência de restrições orçamentárias), pela privatização enquanto mecanismo de compensação ao endividamento e, não menos importante, pela redefinição das relações com o setor privado, indicando que a todo momento acordos e acertos poderiam ser realizados com atores do setor privado, sem qualquer preocupação de, antes, definir as regras e as condições de acesso às áreas abertas pelo governo. A combinação de endividamento e privatização propiciou um avanço dos interesses privados, na forma de empresas específicas, sobre o conjunto da agenda

cenário para as políticas estaduais ao professor Carlos Lessa; no paper produzido por ele foram reforçadas as linhas “defensivas” propostas pelo professor Cano.

pública. Para essas empresas, o governo estadual desempenhou um papel central, capaz de cobrir os riscos financeiros derivados da opção por realizar investimentos em países emergentes. Nesse ciclo de governo, enveredou-se pela implantação de políticas de promoção industrial agressivas e autônomas para atrair investimentos da indústria automobilística. Sob a ótica estadual, esses caminhos não foram estéreis, já que os investimentos alavancados provocaram impactos dinâmicos na estrutura produtiva estadual, tanto pelo avanço de segmentos pesados sobre os setores de bens salários quanto pela maior internacionalização do espaço econômico com a presença de novas empresas estrangeiras.

Nos dois mandatos de Jaime Lerner, houve um esforço permanente de alinhamento com o governo federal. O governo estadual manifestava publicamente

endosso à política econômica durante todas as fases do Plano Real.49 Em alguma

medida, é possível afirmar que essa “aliança” entre a esfera estadual e a federal foi responsável pelos desequilíbrios inéditos que as finanças estaduais tiveram de enfrentar. Não se sugere aqui que a responsabilidade maior pela saúde financeira do Paraná não fosse do governo estadual; no entanto, o governo federal estabelecia as coordenadas maiores da política econômica e da abertura da economia, acompanhava as finanças públicas estaduais e, politicamente, o presidente da República e o governador do Estado mantinham-se alinhados.

A privatização do Banco do Estado do Paraná (Banestado), em 1998, coroou um processo de crise das finanças públicas estaduais cujo desenrolar resultou de uma combinação de fatores bastante singular. Por um lado, a política monetária de juros elevadíssimos como a da primeira fase do Plano Real, entre 1995 e 1999, pôs em xeque as condições de endividamento dos estados que não podiam mais beneficiar-se

49Durante a etapa da sobrevalorização cambial e queda das exportações, entre 1995 e 1999, o

apoio do governador à política federal gerava o descontentamento dos fortes setores exportadores de

commodities agrícolas e industriais do estado. Entre 1995 e 1996, a queda das exportações foi

de ganhos financeiros decorrentes da inflação e, assim, camuflar desequilíbrios fiscais. Por outro lado, o governo estadual executou uma política fiscal e financeira imprudente que, paradoxalmente, ignorou os riscos do endividamento e suas graves conseqüências intertemporais, confiando, talvez, enquanto aliado político, que um pacote de

alternativas saneadoras seria oferecido a posteriori pelo governo federal.50

A partir de 1995, o intenso processo de alteração dos aparelhos públicos estaduais, mais do que refletir uma estratégia de desenvolvimento, mostra a existência de uma nova filosofia de ação no âmbito do setor público estadual, passando por uma profunda revisão das relações entre o governo e o setor privado. Ao mesmo tempo, muitos dos novos aparelhos criados visavam maior agilidade e autonomia operacional para captar recursos e, numa linha complementar, liberdade para demitir e contratar funcionários, fugindo das limitações impostas pela estabilidade do funcionalismo público. Na ótica dos defensores dos novos modelos, esses aspectos permitiriam auferir maiores ganhos de produtividade.

Essas mudanças refletiram-se na proliferação de aparelhos paraestatais, denominados na estrutura pública como “órgãos de regime especial” ou “serviço social

autônomo para-administrativo”, segundo o documento já citado (INFORMAÇÕES...,

2004), resultantes da desconcentração administrativa das secretarias de Estado. Entre as características mais notáveis desse ciclo de governo, encontra-se a multiplicação de canais de gasto sem a concomitante transparência sobre sua origem e destino nem o esclarecimento sobre os limites entre a esfera pública e a privada.

A partir dos dados obtidos do referido documento, mostram-se a seguir algumas das principais mudanças nos aparelhos e funções públicas que traduzem a nova filosofia de governo.

50Da renegociação da dívida pública estadual junto ao Banco Central, em 1998, resultou a

No campo da administração direta, as mudanças no organograma das secre- tarias ocorreram em 1995 com a criação de mais quatro: Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Secretaria de Estado da Criança e Assuntos da Família, Secretaria de Estado da Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico e Secretaria de Estado de Obras Públicas. O que chama a atenção, ao longo dos anos examinados, é o movimento de criação e extinção de secretários especiais ligados ao governador.

Nesse ano foi recriada a Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec), vinculada à Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral. Para além do reconhecimento da existência de graves problemas metropolitanos, o ressurgimento desse órgão traduz uma questão importante: as bases políticas do governador originam-se na década de setenta, quando foi prefeito da cidade de Curitiba e implantou um importante processo de planejamento urbano envolvendo zoneamento e transporte público. Quase trinta anos depois, no comando do governo estadual, sua política de desenvolvimento concentrou-se na Região Metropolitana de Curitiba, que aumentou bastante sua participação no valor adicionado estadual, mostrando que a industrialização promovida foi altamente concentrada.

Também em 1995 foram criados, de uma longa série de órgãos de regime

especial paraestatal, primeiramente, a PARANÁESPORTE, ligada à Secretaria de Estado

de Esporte e Turismo, e o Serviço de Loteria do Estado do Paraná (Serlopar), ligado à recém-criada Secretaria de Estado de Governo.

Em 1997, foram criadas a Agência de Fomento do Paraná, a Paraná Desenvolvimento S/A e a Paraná Investimentos S/A, ligadas à Secretaria de Estado da Fazenda. Em relação a isso, duas questões chamam a atenção. A primeira está em que a criação desses órgãos mostra que a ação pública visualiza uma função qualitativamente diferente para a área fazendária, ligada à promoção do desenvol- vimento econômico e captura de oportunidades de negócios, e a segunda se refere ao fato de que o estatuto jurídico, as funções, as fontes de recursos e suas aplicações nunca

foram transparentes e de conhecimento público. Nesse ano, foram criadas, também, a

PARANÁCIDADE – em lugar da Fundação de Assistência aos Municípios do Estado do

Paraná (Famepar) – a qual passou a assinar contratos de gestão com o governo e a gerenciar junto aos municípios recursos de empréstimos internacionais, e a

PARANÁEDUCAÇÃO, vinculada à Secretaria de Estado da Educação, com a missão de

realizar a gestão do corpo docente do estado.

Em 1999, foi criado o Conselho de Reestruturação e Ajuste Fiscal do Estado (Crafe), o qual deriva do processo de renegociação da dívida estadual junto ao governo federal. Não deixa de ser paradoxal sua existência no organograma da Secretaria de Estado da Fazenda, que, dois anos antes, pareceu abraçar a causa do desenvol- vimento econômico; certamente, não caberia o paradoxo entre o ajuste fiscal e a promoção de investimentos, caso os aparelhos criados em 1997 apenas gerissem recursos privados e, se assim fosse, não haveria como justificar o exercício dessa função, mesmo que de supervisão, no âmbito da fazenda estadual. Na verdade, trata-se de um misto de falta de transparência e incoerência administrativa. Além da criação desse conselho de reestruturação e ajuste, foi extinto o Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado do Paraná, transformado num ente de cooperação

com o estado, o PARANÁPREVIDÊNCIA (tal operação gerou impactos financeiros

importantes, como será visto no próximo capítulo). Finalmente, para completar a lista de

órgãos criados, citem-se a ECOPARANÁ e a PARANÁTECNOLOGIA.

Em 2001, percebe-se que, sem mudar as suas características básicas, marcadas pela falta de transparência e uma filosofia de gestão fortemente impulsionada à realização de negócios com áreas do setor privado, o governo estadual enfrentava dificuldades financeiras, as quais vinham se explicitando desde pelo menos 1998, que o obrigaram a alterar um pouco o desenho institucional do setor público estadual. Entre os órgãos ou cargos diretamente ligados ao governador (geralmente na forma de conselhos, secretários especiais ou até mesmo secretarias), muito numerosos em 1999,

foram extintos os seguintes: Secretaria da Chefia de Gabinete do Governador, Secretário Especial para o Desenvolvimento Educacional, Secretário Especial para Assuntos da Previdência e Secretário Especial para Proteção e Defesa do Consumidor. Em compensação, foram criados o cargo de Secretário Especial de Representação do Paraná em Brasília e o Conselho Estadual de Esporte e Lazer.

No campo da administração direta, passou-se de 15 secretarias de natureza substantiva, em 1999, para 13 com a extinção da Secretaria de Estado de Esporte e Turismo (a pasta de Turismo foi incorporada à Secretaria de Indústria, Comércio e Desenvolvimento Econômico) e a fusão da Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania com a Secretaria de Estado da Segurança Pública na “nova” Secretaria de Estado da Segurança, da Justiça e da Cidadania.

No âmbito da administração indireta, as autarquias passam para 14, sendo criada a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Infra-estrutura do Paraná (Agepar). Essa agência não foi regulamentada até o período de realização do presente trabalho (2005).

Pode-se fazer uma leitura de que os novos aparelhos atendiam aos desígnios de agilidade financeira e operacional necessários para fechar os novos circuitos sem, contudo, deixar de estar fortemente centralizados no poder executivo estadual, mais especificamente na figura do governador.

Uma parte relevante das mudanças registradas nos aparelhos e nas funções públicas estaduais voltou-se para a promoção de atividades econômicas, fortemente concentradas na Região Metropolitana de Curitiba. Essas práticas de governo, apesar dos aparelhos que as impulsionam, não são novas, pois em todo o país a cultura da acumulação a qualquer custo e o julgamento de que governos bem-sucedidos são aqueles que sabem promover negócios e avanços econômicos, é enraizada e ligada às etapas de industrialização acelerada do regime autoritário. A nosso ver, como já foi colocado, a quebra e privatização do banco público estadual foi uma “morte anunciada”,

produto de um cálculo político prévio que envolveu uma avaliação do tamanho do endividamento possível e os limites da ousadia financeira para bancar as apostas

econômicas realizadas.51

De certa maneira, é possível afirmar que os arranjos que possibilitaram a gestão de Lerner não obedeceram a um paradigma reformista e, sim, às necessidades de potencializar o volume de negócios, moldando os aparelhos públicos para esta política de governo. Nesse sentido, há um espaço amplo de volatilidade das mudanças, na medida em que, dificilmente, um novo ciclo de governo aceitaria ficar refém dos interesses que balizaram a gestão do governador, independentemente da facilidade, ou não, de quebrar os arranjos políticos institucionais realizados com os grupos privados.

No futuro, a avaliação desse ciclo de governo entre 1995 e 2003 terá que colocar na balança, de um lado, o desajuste do setor público e, de outro, o ímpeto das mudanças econômicas propiciadas.