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Até os anos sessenta, o Paraná pôde constituir, com a ocupação do norte do estado, ligada especialmente ao cultivo e beneficiamento do café, uma agricultura dinâmica e diversificada, características que se devem às relações capitalistas de produção que dominam essa região, tornando-a apta a responder a estímulos de preços e de mercado, bem como ao impulso à acumulação de lucros. A constituição de uma indústria de máquinas na economia brasileira, de equipamentos e insumos agrícolas relacionados à revolução verde, bem como estímulos governamentais de

créditos e de incentivos à exportação fazem com que essa agricultura passe a ser também moderna e tecnificada nos anos setenta. Essa modernização provoca novas formas de organização da produção, afetando a estrutura fundiária, a pauta dos

principais produtos e a sua comercialização.17

No que se refere à pauta de produtos, observa-se o rápido incremento da área cultivada com soja, logo transformada no principal cultivo no estado. Ela é o principal vetor

17Carneiro (1991, p.24-26)) explica o pano de fundo que alavancou as grandes transformações nos

seguintes parágrafos:

Quanto à agricultura, os anos setenta, em particular a segunda metade, testemunham importantes transformações. (...) a década é marcada pelo trinômio tecnificação/ agroindustrialização/ exportação. A composição da produção sofre significativas modificações, em especial pelo crescimento das atividades ligadas às exportações – soja, laranja, carnes de aves, pinus, eucaliptus –, ao mesmo tempo em que aumenta o grau de processamento industrial da produção. Nessa década, as atividades que não estavam vinculadas a um dos eixos dinâmicos- agroindustrial e/ou exportador – tiveram um desempenho medíocre, como o da produção de alimentos não-comercializáveis. Tal desempenho contrasta com o dinamismo das atividades ligadas às exportações, que se confundem em grande parte com atividades com algum grau de processamento. (...) indicam que entre os produtos não-comercializáveis apenas o milho – que é uma cultura intimamente associada à produção de rações – e o trigo – que contou com uma ampla política de subsídio para internalizar a oferta – revelam crescimento significativo. No caso dos exportáveis, além do desempenho da cana-de-açúcar, o destaque fica para os produtos não-tradicionais, como soja e laranja.

Consolida-se, assim, nessa década, uma forma peculiar de inserção da agricultura brasileira no comércio internacional. Além da elevação do coeficiente exportado, a participação dos novos produtos passa de 15% para 30% na pauta, entre 1971 e 1980, enquanto o grau de processamento vai de 22%, em 1975, para 34% em 1980. É essa inserção que explica a sustentação e dinamismo da agricultura em face da perda de dinamismo da indústria no período considerado.

Quanto à tecnificação da produção, os anos setenta podem ser considerados como um período de transição de um padrão extensivo para um padrão intensivo. Embora a incorporação de novas áreas – com destaque para a fronteira do Centro-Oeste – explique a maior parcela do aumento de produção, os ganhos concentrados em regiões e produtos são decisivos. Essa modernização desigual também ocorre quanto ao grau de integração da agricultura à indústria, que também se concentra em regiões e produtos.

Do ponto de vista da estrutura produtiva, assiste-se a uma concentração da produção nos grandes estabelecimentos, o que está associado ao tipo de modernização, em especial, à mecanização, que exige uma escala mínima de produção. O suporte para isso tudo foi sem dúvida a política de crédito subsidiado, que por definição privilegia o acesso desigual aos seus benefícios, tendo como requisito fundamental a propriedade e/ ou o controle da terra.

da modernização agrícola, na medida em que pôde dispor de tecnologia moderna para sua produção e de preços atraentes. A expansão da soja, bem como a do trigo, não desloca, entretanto, outras culturas e não reduz a importância da produção agrícola paranaense no plano nacional no que tange a outros produtos. Ao contrário, mesmo esses produtos experimentam também processos menos intensos mas concomitantes de tecnificação, a exemplo do milho, da cana-de-açúcar e do arroz. Assim cresce como um todo a importância da produção agrícola ao nível do país.18

A expansão agrícola, particularmente a da soja, ocorreu basicamente através da incorporação de áreas no interior dos estabelecimentos, áreas não-produtivas ou ocupadas com pastagens, já que praticamente inexistiam áreas legalmente não- apropriadas nos fins dos anos sessenta e não houve, como se disse, deslocamento de culturas. A incorporação de áreas de lavouras foi mais intensa nos estabelecimentos menores, mas, apesar do seu esforço em ampliar a produção, ocorreu nos anos setenta uma progressiva concentração da produção nos estabelecimentos médios e grandes,

perdendo importância relativa aqueles com menos de 50 ha19. A concentração das

áreas de lavouras nos estabelecimentos maiores associa-se à ampliação das áreas desses mesmos estabelecimentos. Nos anos sessenta, era crescente o número de estabelecimentos agrícolas no Paraná, mas na década de setenta a quase inexistência de terras legalmente livres e a modernização agrícola induzem a uma rápida diminuição do número de produtores rurais. Os estabelecimentos menores vêem dificultada a exploração dos seus imóveis dadas as escalas mínimas de produção e o volume de recursos financeiros relativamente elevado associados à modernização agrícola.

18Ver Ipardes (1982, p. 26-28).

Isso provoca uma rápida redução do número de propriedades menores, incidindo sobre pequenos proprietários, parceiros, colonos e arrendatários. Esse quadro revela também uma dispensa de força de trabalho agrícola pelos maiores estabeleci- mentos, substituída pela utilização intensa de tecnologia e trabalhadores assalariados participantes de um mercado nacional de trabalho agrícola, incluindo trabalhadores permanentes e temporários ou volantes. Todavia, é singular que, nesse processo, os estabelecimentos mais bem-sucedidos sejam os médios, com tamanho entre 50 e 200 ha, contando com mão-de-obra familiar, que ao mesmo tempo demandam mais rapidamente adubos, sementes e inseticidas e expandem sua participação no valor da produção praticamente sem aumentar sua área total.

A modernização da agricultura atingiu fortemente a comercialização de produtos agrícolas. Ao mesmo tempo em que cresceu a importância das cooperativas de agricultores, fazendo frente aos grandes compradores e avançando mesmo na industrialização da produção, a indústria processadora passou também a comprar diretamente dos agricultores e das cooperativas, perdendo importância os pequenos comerciantes locais, como o caminhoneiro e o bodegueiro, diante das novas escalas de produção e do surgimento, nas cidades, de novas opções de comércio.

Essas transformações, dramáticas e concentradas no tempo, têm duas conse- qüências sobre a população que merecem destaque. A primeira é a queda brusca da população estadual nos anos setenta devido à redução da população rural. Assiste-se no período a um rápido processo migratório para fora do estado, na direção sobretudo da grande São Paulo e cidades industriais do interior paulista e na direção da Amazônia. A migração ocorre de forma caótica, sem amparo dos governos estadual e federal, isto é, sem uma política de reassentamento dos migrantes e sem políticas de emprego e habitação nas cidades, do Paraná ou de outros estados. Por outro lado, ocorre um

acelerado processo de urbanização no estado, com a população urbana saltando de 36,1% para 58,6% como proporção da população total entre 1970 e 1980. O mercado urbano de trabalho mostra-se bastante dinâmico, graças à expansão da indústria e dos

serviços, mas não pode acomodar todos os que deixam o campo (LEÃO, 1989, p.49).

Por tudo isso, 1,2 milhão de emigrantes deixam o estado nos anos setenta, e 1,9 milhão engrossam as florescentes cidades da maior parte do estado, fazendo com que, embora a população total do Paraná quase não crescesse na década, seus centros urbanos com mais de 100 mil habitantes passassem de um para quatro, e os centros com população entre 50 e 100 mil habitantes, de três para sete. Curitiba teve um aumento populacional absoluto de 440 mil habitantes, e é nesse período que se constitui a sua região metropolitana, como integrante da rede de grandes regiões congêneres que se estende do nordeste ao extremo-sul do Brasil (LEÃO, 1989, p.49).

Acompanhando ou, antes, estimulando o crescimento da produção agrícola, o panorama na indústria paranaense altera-se profundamente nos anos setenta, confor- mando-se um moderno complexo agroindustrial e um embrião da indústria metal- mecânica na Região Metropolitana de Curitiba, parte dela na Cidade Industrial de Curitiba. Note-se, em primeiro lugar, o vigor do crescimento industrial, que deixa para trás a agricultura na geração do produto e renda estaduais e atinge 6,35% do valor da produção industrial brasileira em 1980.

Nessa expansão, perdem importância atividades tradicionais como benefi- ciamento de café e madeira em favor de novas, em gêneros como fumo, química (óleos vegetais em bruto e refino de petróleo, especialmente) e metal-mecânica. Embora gêneros tradicionais se mantenham no período como os mais importantes da indústria, sua composição interna muda, ganhando peso os grupos que implicam maior elaboração de matéria-prima, como em produtos alimentares, em que surgem atividades ligadas a

café solúvel, frigoríficos e óleos refinados; madeira, onde se desenvolvem as produções de aglomerados e chapas; e minerais não-metálicos, ganhando destaque os artigos de cimento e fibrocimento (LEÃO, 1989, p. 35).

Embora essa moderna agroindústria domine, articulada à agricultura, o eixo fundamental do dinamismo econômico da década, assiste-se também à montagem de

um embrião da metal-mecânica centrado principalmente na RMC e ao surgimento de

um processo de relações interindustriais especialmente dentro do próprio setor, ainda

que as relações mais importantes do Paraná ocorressem com a agricultura20 e com

São Paulo.21

A expansão industrial dos anos setenta introduziu no estado a grande empresa moderna, com amplas escalas de produção e uso de tecnologias modernas, muitas vezes concorrendo no âmbito nacional e internacional. Essa estrutura industrial

20“Em primeiro lugar, essa agricultura ao modernizar-se, expande rapidamente o mercado para

indústrias produtoras de máquinas e equipamentos agrícolas, bem como o de insumos para este setor. Assim surgem condições para a instalação de setores da indústria mecânica ligada a esta produção, bem como para a implantação da química, dos corretivos, fertilizantes, inseticidas, etc. Por outro lado, o dinamismo agropecuário possibilita a expansão de setores processadores de seus produtos, tais como: óleos vegetais, frigoríficos, alimentos em geral, madeira, rações, fibras vegetais, etc. Em suma, acoplada à agropecuária, quer fornecendo máquinas e insumos, quer processando sua produção, desenvolve-se a principal vertente da indústria paranaense, diversificando a produção nos gêneros anteriormente existentes bem como implantando novos gêneros industriais” (IPARDES, 1982, p.51).

21Segundo o Ipardes (1982, p.46-47), mencionando uma pesquisa realizada junto a 37

empresas do ramo metal-mecânico da Cidade Industrial de Curitiba:

Dessa forma, das 37 empresas pesquisadas, 28 tinham como principal fornecedor de matérias- primas o parque industrial paulista e 20 abasteciam-se de componentes também em São Paulo. O próprio Paraná aparece como fornecedor principal de apenas 2 empresas no tocante à matérias-primas e de 6 no referente ao fornecimento de componentes.

Estes dados atestam, portanto, que, em relação às compras de matérias-primas e componentes industriais da Metal-Mecânica, o aparelho produtivo do Paraná ainda se relaciona basicamente com o mercado paulista. Mesmo com relação às vendas, são predominantes as empresas (15) que dirigem sua produção ao mercado paulista. Entretanto, nesta área já ganha importância o mercado local, já que 14 empresas vendem principalmente no próprio Paraná. É importante também o número de empresas (11) que têm seus principais mercados em outros estados e no exterior.

nasceu bastante concentrada, com as dezesseis maiores empresas do estado gerando um quarto do valor agregado da indústria. Nesse processo, os capitais de origem local não acompanharam senão excepcionalmente a expansão e ganho de importância do capital de outros estados e do capital estrangeiro, dada a debilidade da acumulação prévia em grande parte dos setores industriais. Na atração de empresas industriais, foi decisiva a importância da proximidade com o mercado paulista e o apoio político e

financeiro do estado (IPARDES, 1982, p.50-51).

Observa-se que o estado do Paraná é inteiramente absorvido pelo espetacular processo de concentração e centralização do capital da economia brasileira. Num só golpe instalam-se a agricultura intensiva, a agroindústria e outros setores industriais em bases modernas, focadas para os mercados nacional e internacional.

Essa indústria nascente é concentrada também espacialmente, com o valor agregado da produção dos cinco centros mais industrializados detendo quase 80% da produção do Paraná, o que se evidencia com o avanço da indústria localizada na Região Metropolitana de Curitiba, tendência que não arrefeceria nas décadas seguintes. As cidades do interior concentram os gêneros da agroindústria mais dependentes da proximidade dos centros produtivos de matérias-primas, concentrando-

se na RMC, e em especial na Cidade Industrial de Curitiba, gêneros ligados a

transporte, comunicação, eletrônica e outros mais distantes da agricultura (IPARDES,

1982, p.48). Desde essa época setores políticos da cidade de Curitiba, envolvidos com o processo relativamente original de planejamento urbano, estabeleceram vínculos importantes, principalmente, com o ramo de transportes, solidificados nas políticas envolvendo zoneamento e vias para o transporte coletivo.

Existem três razões de ordem local que explicam o dinamismo da indústria paranaense nos anos setenta:

a) a oferta de uma infra-estrutura básica para recepção de indústrias, como rede rodoviária moderna, ferrovias, porto marítimo e energia elétrica; a

dotação desses serviços de infra-estrutura permitiu potencializar economi- camente a proximidade geográfica com o estado de São Paulo e sua capital; b) existência de mecanismos institucionais de apoio à indústria, princi-

palmente financiamento centrados no Banco de Desenvolvimento do Estado do Paraná (Badep) e em uma série de órgãos públicos voltados à promoção industrial;

c) a agricultura dinâmica e modernizante presente no estado, permitindo a instalação de agroindústrias.

Contudo, há ainda outra razão mais fundamental para a expansão industrial dos anos setenta, a saber, a existência de condições favoráveis para a indústria em nível nacional, após a crise dos anos sessenta, e a retomada dos investimentos a partir do início da década e que, mesmo após o esgotamento do milagre, permaneceram elevados na esteira desconcentradora do II PND, sob o qual foram realizados no Paraná vultosos

investimentos em energia elétrica, transportes, petroquímica e papel e celulose.22

Pode-se constatar, portanto, que os anos setenta foram um divisor de águas na economia do Paraná. Seu ingresso na nova divisão do trabalho regional que a integração produtiva impôs significou passar rapidamente a incorporar as caracte- rísticas do capitalismo em vigor: altamente concentrado e capaz de alterar, sem limites, a distribuição territorial da população. Os efeitos contraditórios desse singular processo de modernização foram possíveis num cenário de desconcentração espacial das atividades econômicas ancoradas no núcleo dinâmico da economia brasileira (São Paulo); esse processo de articulação produtiva percorre os anos setenta e abrange parte dos anos oitenta. Durante sua vigência a economia estadual reafirma seu caráter

22É interessante notar que os autores do estudo do Ipardes (1982, p.52) afirmam que, exceto a

refinaria da Petrobras em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, não era marcante a presença de empresas estatais industriais.

complementar ao núcleo dinâmico situado em São Paulo. Ao mesmo tempo, o Estado em suas três dimensões, federal, estadual e municipal, exerceu um papel central na condução do processo de modernização, principalmente viabilizando seu financiamento com recursos públicos, sejam recursos para crédito agrícola, sejam recursos para

atividades industriais.23 Nesse sentido, o Paraná e suas transformações foram

claramente alavancadas pelo Estado em sua difícil missão de produzir horizontes para os investimentos e a centralização financeira que o mercado não foi capaz de realizar ao longo da história para promover a acumulação de capital.