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2. Técnicas de produção de filmes finos de silício policristalino

2.2. Cristalização de silício amorfo

2.2.1. Cristalização em fase sólida

A cristalização em fase sólida (SPC) foi a primeira técnica a ser usada para aumentar o tamanho de grão no silício policristalino, ou obtê-lo a partir de filmes amorfos [53,54]. Durante o processo de SPC, o silício é submetido a um tratamento térmico, normalmente acima de 600°C, valor próximo da temperatura intrínseca de cristalização [55]. Neste caso, são conseguidos tamanhos de grão que podem variar da dezena de nanómetros até cerca de 5 micrómetros, dependendo das condições iniciais de preparação dos filmes amorfos e do tratamento térmico [13,33].

Quando efectuada a altas temperaturas, esta técnica é também conhecida por tratamento térmico rápido (RTA), pois o tempo total de processo é reduzido, rondando a dezena de minutos. No entanto, para temperaturas superiores a 650°C (próximo da temperatura de amolecimento do vidro Corning 1737 por exemplo) o uso de substratos de vidro torna-se inviável, razão pela qual esta técnica está fora do âmbito deste trabalho.

Mais recentemente, emergiu uma variante da SPC, que recorre a alguns metais como catalisadores, permitindo baixar a temperatura e tempo de cristalização. Esta técnica é conhecida por cristalização induzida por metal (MIC) e será abordada na secção 2.2.2.

2.2.1.1. Nucleação

A força motriz para a cristalização do silício é a menor energia livre de Gibbs da fase cristalina, quando comparada com a fase amorfa. A transformação ocorre no estado sólido, podendo ser considerada como uma transição polimórfica irreversível e, como na generalidade das transformações no estado sólido, ocorre por nucleação e crescimento, onde ambos os processos são termicamente activados [56].

A cinética da transição entre as fases amorfa e cristalina no silício pode ser descrita pela teoria clássica da nucleação, que pode ocorrer homogeneamente no filme amorfo ou heterogeneamente em descontinuidades como precipitados, defeitos ou interfaces, entre outras. A nucleação heterogénea pode também acontecer devido à presença de cristalites formadas no filme amorfo, por exemplo, durante os primeiros momentos da deposição por

LPCVD [57]. De modo a simplificar a explicação do processo de cristalização, será ignorada,

para já, a nucleação heterogénea, posteriormente abordada na secção 2.2.1.3.

A estabilidade de um agregado cristalino, contendo i átomos, é determinada pela sua energia livre ΔGi, que é a soma de duas componentes: a energia livre de Gibbs entre fases

(proporcional ao volume, consequentemente a i) e a energia requerida para manter a interface amorfo/cristalino (proporcional à área superficial do agregado).

S i i i G AE

G = Δ +

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onde ΔG’ é a diferença de energia entre fases para um átomo, representada na Figura 2.5 a), Ai

a área da superfície do agregado e ES a energia livre da interface por unidade de área. Como

mostra a Figura 2.5 b), a função ΔGi aumenta com o tamanho dos agregados, atingindo um

máximo (ΔG*) para uma determinada dimensão crítica (i*), a partir da qual começa a

diminuir. Assim sendo, de modo a reduzir a sua energia livre, agregados com dimensões inferiores a i* (embriões) tendem a reduzir o seu tamanho e desintegrarem-se, uma vez que a elevada razão superfície/volume faz com que a energia da interface ultrapasse a diferença de energia por mudança de fase. Contudo, estatisticamente, alguns deles adquirem uma dimensão superior a i*, formando-se núcleos estáveis, que irão dar origem aos grãos.

a) b)

Figura 2.5 – Energia livre a) por átomo em função da fase em que se encontra e b) de um agregado em função do número de átomos que o constitui. Adaptado da referência [57].

Porém, a formação dos agregados não ocorre instantaneamente quando o silício amorfo é sujeito a um tratamento térmico, existindo um período de incubação, durante o qual se estabelece uma concentração de equilíbrio. Em geral, a incubação está associada a um tempo característico (ti), sendo inversamente proporcional à temperatura e dependente da taxa

de crescimento ou aniquilação dos agregados. Foi verificado por Kashchiev que esta dependência aproxima-se de uma lei de Arrenhius, com uma energia de activação empírica associada (Ein) [58].

Posteriormente, acontece a nucleação, cuja taxa será influenciada pelo tempo de incubação (ti) e a energia livre de formação crítica (ΔG*). A relação entre estes parâmetros foi

definida por Kelton através de simulação, resultando três conclusões principais [59]: a confirmação de que o tempo de incubação é termicamente activado, o tamanho crítico dos agregados é função da temperatura, aumentando com esta, o que resulta numa diminuição da

taxa de nucleação a temperaturas elevadas e, por último, a pré existência de embriões ou núcleos favorece a nucleação. Sendo dependente da temperatura, a taxa de nucleação (rn) é

também termicamente activada, com:

⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ − ∝ T k E r B n n exp (2.5)

onde En é a energia de activação para a nucleação que é dada pela soma de Ein com ΔG*.

Figura 2.6 – Variação da taxa de nucleação em função do inverso da temperatura. Adaptado da referência [59].

2.2.1.2. Crescimento dos grãos

Depois de formados os núcleos que irão originar os futuros grãos, acontece o crescimento dos mesmos por transição de átomos da fase amorfa para a fase cristalina. À razão a que esta transição ocorre dá-se o nome de taxa de crescimento (rcg), que depende do

fluxo de átomos que atravessa a fronteira silício amorfo/cristalino. Esse fluxo é também dependente da temperatura, com uma energia de activação dada pela barreira de potencial entre a energia livre das duas fases (ΔG’). Contudo, para que esse fluxo aconteça é necessário

que ocorra a difusão de átomos de silício na matriz amorfa, a que está também associada uma energia de activação (Ead). A taxa de crescimento é então descrita pela equação 2.6, com a

energia de activação (Ecg) a ser determinada pelos dois fenómenos descritos anteriormente.

⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ − ∝ T k E r B cg cg exp (2.6)

Valores de energia de activação característicos para os mecanismos de incubação, nucleação e crescimento dos grãos, obtidos da literatura, são mostrados na Tabela 2.I. Sobressai que a energia de activação para o crescimento é menor que para a nucleação e que a energia de activação para a incubação é relevante, não podendo ser ignorada.

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Tabela 2.I – Valores de energia de activação para as diferentes etapas do processo de SPC.

Incubação Nucleação Crescimento Tempo de

cristalizaçãoA Referência

2,7 eV 5,1 eV 3,3 eV 3,9 eV [60]

4,9 eV 2,4 – 4,9 eV 3,5 eV [61]

2,8 eV 4,9 eV 2,9 eV 3,1 eV [62]

3,4 eV 5,3 eV 3,1 – 3,4 eV [57]

Com base no exposto, o aumento da dimensão dos grãos passa pela maximização da relação crescimento/nucleação. Idealmente, tendo em conta as conclusões de Kelton, a cristalização deveria ocorrer a temperaturas extremamente altas, com uma rampa de aquecimento instantânea, de onde resultaria uma taxa de nucleação reduzida, devido ao aumento do tamanho crítico dos núcleos, acompanhada por uma alta razão de crescimento. Contudo, isto requereria que o aquecimento fosse instantâneo, o que na prática é impossível. Mesmo rampas muito acentuadas conduzem à formação de uma elevada densidade de núcleos durante o aquecimento. Assim sendo, e de um ponto de vista prático, as melhores condições para conseguir filmes finos de silício policristalino com grãos de dimensão elevada, ocorrem a temperaturas mais baixas, onde a nucleação é substancialmente menor que o crescimento dos grãos. A grande desvantagem desta opção está relacionada com o longo tempo necessário para a cristalização.

Figura 2.7 – Representação da variação da taxa de nucleação e de crescimento dos grãos em função do inverso da temperatura.

A

2.2.1.3. Fracção cristalina e influência do filme precursor

A evolução da densidade de grãos e da fracção cristalizada é descrita, normalmente, pela relação de Mehl-Johnson-Avrami (MJA) [63], de onde é possível obter os valores da razão de nucleação e crescimento dos grãos. Este modelo baseia-se na inexistência de nucleação e crescimento durante o tempo de incubação, período após o qual a densidade de núcleos por unidade de volume atinge um determinado valor, que se mantém constante. Assumindo também que a razão de crescimento é constante, e desprezando o tempo necessário para que a dimensão dos grãos iguale a espessura do filme (o que pode ser válido para filmes finos), a fracção cristalina relaciona-se com o tempo da seguinte forma:

⎥ ⎥ ⎦ ⎤ ⎢ ⎢ ⎣ ⎡ ⎟⎟ ⎠ ⎞ ⎜⎜ ⎝ ⎛ − − − = 3 exp 1 c i t t f τ (2.7)

onde τc é o tempo característico de cristalização, dado por:

3 1 2 3 ⎟ ⎟ ⎠ ⎞ ⎜ ⎜ ⎝ ⎛ = π τ cg n c r dr (2.8)

sendo d a espessura do filme. Esta expressão adapta-se bem aos resultados experimentais obtidos por vários autores para descrever a evolução do processo de SPC [60,64,65].

Porém, quando o filme precursor possui algumas heterogeneidades, a utilização da expressão MJA para descrever o processo de cristalização pode conduzir a desvios significativos em relação ao observado experimentalmente. Como foi já referido, a nucleação assume-se como homogénea, o que na realidade pode não acontecer devido à presença de interfaces e defeitos no interior ou superfície do filme amorfo [66]. Estes defeitos têm como consequência o aumento do tempo de incubação [13]. Além disso, a nucleação depende também do grau de desordem estrutural do filme amorfo, diminuindo à medida que esta aumenta. O crescimento dos grãos, por outro lado, é mais lento com a presença de contaminantes como oxigénio, carbono ou azoto no filme amorfo [66].

Um outro factor que faz com que a expressão MJA conduza a resultados imprecisos é a preexistência de cristalites no filme amorfo, que irá influenciar, em grande medida, as cinéticas de incubação e nucleação [57]. Se o tempo de incubação for longo, a formação de novos núcleos será insignificante comparativamente aos preexistentes no filme precursor, sendo o tamanho final de grão inversamente proporcional à sua densidade. Por outro lado, se o tempo de incubação for curto, a preexistência de cristalites não irá ter grande influência no tamanho de grão final.

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