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2.2 Caracterização da oração relativa no Português Brasileiro (PB)

2.2.2 Critério semântico

Com relação a esse critério, os gramáticos consultados destacam o valor adjetivo dessas orações. Assim, por exemplo, encontramos, em Rocha Lima (1994, p. 268), o

26 As construções múltiplas envolvem deslocamento de um SN que contém relativo modificador para o início da oração, conforme ilustra o exemplo I abaixo [(90) em PERINI, 1998].

I. a) O uniforme, do qual o Ministério especifica o feitio dos bolsos b) O uniforme, dos bolsos do qual o ministério especifica o feitio c) O uniforme, o feitio dos bolsos do qual o Ministério especifica

Conforme explica o próprio Perini, em (a) temos um SN contendo o relativo, e que está no início da oração relativa; em (b), são dois SNs, um dentro do outro: os bolsos do qual, que contém o qual, tendo sido o SN os bolsos deslocado para o início da oração; por último, em (c), temos três SNs, cada um dentro do outro: o feitio dos bolsos do qual, que contém os bolsos do qual, que, por sua vez, contém o qual, numa estrutura que remove dois SNs (o feitio e os bolsos) para o começo da cláusula relativa.

Cabe observar, entretanto, que, apesar de existir a possibilidade de tais construções serem elaboradas, no uso espontâneo da língua elas praticamente não se realizam.

seguinte: “Estas orações, que valem por adjetivos, funcionam [...]”27. Vejamos um exemplo apresentado pelo autor:

(65) “A água é um líquido / que não tem cor.” (ROCHA LIMA, 1994, p. 268)

Notemos que a oração destacada equivale ao adjetivo incolor, que expressa a mesma ideia que ela.

Outros gramáticos também fazem alusão ao aspecto semântico no trato das relativas, mas apenas quando abordam a classificação delas em restritivas e explicativas. Em Cunha e Cintra (1985, p. 588-589), por exemplo, encontramos as seguintes definições para esses tipos de orações relativas:

As explicativas acrescentam ao antecedente uma qualidade acessória, isto é, esclarecem melhor a sua significação, [...] por isso mesmo, não são indispensáveis ao sentido essencial da frase.

[...]

As restritivas, como o próprio nome indica, restringem, limitam, precisam a significação do substantivo (ou pronome) antecedente. São, por conseguinte, indispensáveis ao sentido da frase.

Assim, no exemplo (66), a oração destacada limita/restringe a significação do antecedente, no caso o vocábulo homem (o qual, por sua vez, já vem delimitado pelos determinantes os e raros); desse modo, a oração em negrito passa a ser necessária à compreensão da cláusula principal no sentido de que informa ao leitor/interlocutor a que grupo de homens se está referindo: aqueles que têm o mundo nas mãos. Em (67), porém, a situação é outra: o antecedente do relativo (Tio Cosme) já tem seu campo de significação restrito, por se tratar de nome próprio de pessoa, o que faz com que a relativa que a ele se liga torne-se acessória, servindo apenas para apresentar uma informação a mais, podendo ser suprimida sem prejuízo ao sentido da oração principal.

(66) “És um dos raros homens / que têm o mundo nas mãos.” (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 589)

(67) “Tio Cosme, que era advogado, confiava-lhe a cópia de papéis de autos.” (CUNHA; CINTRA, 1985, p. 589)

Ainda sob uma perspectiva tradicional da classificação das orações relativas, Bechara (2004, p. 467) faz notar que “a adjetiva explicativa alude a uma particularidade que não modifica a referência do antecedente e que, por ser mero apêndice, pode ser dispensada sem prejuízo total da mensagem.” E apresenta o seguinte exemplo:

(68) “O homem, que vinha a cavalo, parou defronte da igreja.” (idem, ibidem)

Ao comentar o exemplo, o autor afirma que a oração adjetiva que vinha a cavalo denuncia haver um só homem em questão, de modo que a declaração contida na oração destacada pode ser dispensada. No caso de (68a), porém, a situação é outra, como diz o próprio Bechara, pois a relativa demonstra que havia mais de um homem na narração, mas apenas aquele que vinha a cavalo parou diante da igreja. Neste caso, a oração seria restritiva, já que delimita ou define melhor seu antecedente.

(68a) “O homem que vinha a cavalo parou defronte da igreja.” (BECHARA, 1997, p. 228, grifo nosso).

Quanto à caracterização semântica apresentada por linguistas, ela também se baseia no que apresentam os gramáticos. Kenedy (2002, p. 2) mostra que

“a cláusula relativa é uma construção de valor adjetivo ou apositivo que faz referência a um elemento nominal, com o objetivo de lhe delimitar a extensão significativa, restringindo ou comentando o conteúdo semântico nele contido”.

Oliveira (2002), em oposição à tradicional classificação das relativas em categorias prototípicas bem definidas (restritivas e explicativas), opta pelo tratamento não-discreto delas. Segundo a autora, “as duas classes – explicativas e restritivas – passam a ser interpretadas como eixos centrais em torno das quais se situam, em maior ou menor grau, o vasto contingente das adjetivas” (p. 8). Propõe ela uma análise das categorias relativas numa escalaridade, partindo-se de uma estrutura com maior nível de integração sintático- semântica, que apresentaria um maior grau de encaixamento – a restritiva –, até uma estrutura menos integrada do ponto de vista sintático-semântico, e por isso com menor grau de encaixamento em relação à oração principal – a relativa explicativa.

Neves (2000) registra que a oração relativa restritiva introduz uma informação que serve para identificar um subconjunto dentro de um determinado conjunto, como ocorre, por exemplo, em (69); já a explicativa encabeça uma informação que é suplementar, não

servindo para identificar nenhum subconjunto dentro de outro conjunto, conforme se verifica em (69a).

(69) “De acordo com um levantamento da Trevisan, as empresas que trabalham em setores mais competitivos conseguiram reduzir seus preços entre 15% e 22% nos últimos dois anos.” (NEVES, 2000, p. 375)

(69a) De acordo com um levantamento da Trevisan, as empresas, que trabalham em setores mais competitivos, conseguiram reduzir seus preços entre 15% e 22% nos últimos dois anos. (NEVES, 2000, p. 375)

Podemos notar que, em (69), não se faz alusão a quaisquer empresas, mas a um grupo específico delas: as que trabalham em setores mais competitivos; ou, nas palavras da própria autora, “dentre todas as empresas existentes, só teriam conseguido reduzir seus preços, nos últimos dois anos, as que trabalham em setores mais competitivos.” (p. 375). Já em (69a) o mesmo não ocorre: “não se predica um grupo determinado (particular) de empresas, mas (se) introduz uma informação adicional [...] acerca daquelas empresas de que se fala”. Na verdade, o conteúdo da oração relativa, neste caso, não está servindo para caracterizar um tipo de empresa em relação a outros, mas para opor as empresas a outra(s) instituição(ões).

Podemos observar, então, com relação ao aspecto semântico, que a caracterização apresentada tanto por gramáticos quanto por lingüistas converge. O tratamento dado à relativa, porém, representa o diferencial.