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A formação inicial de professores de Língua Materna se dá, via de regra, em Cursos de Licenciatura em Letras, no nível de graduação. Outros cursos, como o de Pedagogia ou Normal Superior, respondem pela preparação de docentes, neste caso polivalentes, que também atuam no ensino de língua portuguesa, sendo que na Educação Infantil e séries/anos iniciais do Ensino Fundamental. Para lecionar a disciplina nos anos finais do Fundamental e no Ensino Médio, há exigência de que o docente seja graduado em Letras, conforme disposto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN, nº 9394/96).

Apesar dessa exigência legal e da expansão da oferta de vagas nos cursos de Letras já existentes ou da criação de novos cursos que seguiu a LDB, existe ainda um vasto contingente de pessoas atuando como professores de língua materna sem a devida habilitação, muitas vezes em virtude da carência de profissionais habilitados. Isso, naturalmente, tem implicações para o ensino (provavelmente não muito positivas), visto que tais professores não tiveram uma preparação para atuar na área em que lecionam, o que os leva, na maioria das vezes, a basear suas práticas no que tradicionalmente se tem feito com ensino de língua, ou, nas palavras de Vieira (2007), projetando o modelo pedagógico em antigos professores, priorizando, com isso, quase exclusivamente o estudo de uma metalinguagem gramatical que muitas vezes eles próprios sequer dominam.

Além disso, muitos cursos de formação inicial e/ou continuada apresentam lacunas que podem comprometer o desempenho de seus formandos quando do exercício da docência.

Essas lacunas estão ligadas tanto às condições estruturais e humanas oferecidas pelas instituições que ofertam esses cursos, quanto ao desempenho e ao engajamento do formando ao longo de sua trajetória acadêmica.

Resultam disso professores mal preparados, sem maior embasamento teórico, muitos dos quais inclusive habilitados em cursos aligeirados, criados oportunamente para atender a exigências da Legislação Educacional Brasileira. Como consequência pedagógica, esses profissionais reproduzem em suas salas de aula um ensino de língua semelhante ao que tiveram em sua educação básica, conforme apontamos anteriormente.

Além disso, mesmo os que tiveram acesso a uma “boa” formação acadêmica, por vezes, enfrentam ainda problemas em sua prática docente devido, entre outros fatores, à dificuldade de levar à sala de aula aquilo que aprenderam na universidade. Trata-se, muitas vezes, da inabilidade desses profissionais para efetivar o processo de transposição didática, ou até mesmo de pouco domínio dos saberes necessários à prática docente.

Muitas vezes, a vontade de realizar mudanças no ensino de língua materna nos níveis fundamental e médio leva alguns professores a resultados pouco exitosos (às vezes, até frustrantes), pelo fato de eles procurarem inserir caoticamente em suas aulas novas teorias linguísticas ou materiais por elas inspirados. Ocorre, porém, que, conforme bem registra Costa (2004, p. 239), “é fundamental distinguir aquelas teorias que podem efetivamente ajudar o ensino daquelas que foram construídas visando a uma abordagem estritamente científica e que não podem redundar em aplicação pedagógica.”

Assim sendo, devemos levar em conta que os estudos linguísticos teóricos são resultados de reflexões, abstrações feitas e que podem explicar algumas concepções que subjazem às práticas pedagógicas ou que as fundamentam. Nesse sentido, há todo um caminho (bem sinuoso, inclusive) a ser percorrido até que se possam construir estratégias e/ou metodologias para o ensino da língua propriamente dito a partir do que se apreende das investigações teóricas.

Longe de querer dar conta das inúmeras questões envolvidas na formação dos professores de língua portuguesa, apresentamos aqui a contribuição que a presente pesquisa pode trazer a esse processo. Em primeiro lugar, destacamos o subsídio teórico, já que se trata de uma investigação científica e, como tal, colabora para a produção e divulgação de conhecimento e para o aprimoramento/desenvolvimento da ciência. Nesse aspecto, ressaltamos a concepção de linguagem como instrumento de interação social que aqui acolhemos, bem como a visão de que a língua desempenha funções que são externas ao

sistema linguístico em si e que essas funções, por sua vez, influenciam a organização interna do sistema linguístico.

Isso tem, naturalmente, implicações pedagógicas, tais como: a consideração das diversas variantes linguísticas; a visão de que a norma culta constitui uma forma de expressão tão eficiente como todas as outras que circulam na comunidade linguística e seu domínio passa a ser tomado como o aprendizado de uma prática que pode contribuir para a ocupação de postos de prestígio, uma ferramenta capaz de concorrer para a ascensão a lugares de maior visibilidade e mérito social; o entendimento de que um ensino produtivo da língua deva tomar por base a realidade linguística que o aluno domina, admitindo-a como forma genuína de expressão, e, a partir dela, apresentar as demais variantes sociolinguísticas do português, dentre as quais se destaca a norma culta em sua modalidade falada e escrita (por questões extralinguísticas: sociais, políticas, culturais, econômicas).

Quanto ao objeto de minha investigação, em particular, a relativa cortadora, o estudo ora desenvolvido pode ser de grande utilidade quando do tratamento da sintaxe do período composto, especificamente no que diz respeito às orações relativas, ou mesmo quando da abordagem da relação de regência. Essa utilidade consiste em aproveitar a investigação feita sobre as estratégias de relativização, com destaque às formas não-padrão de organização da oração relativa, das quais a cortadora é uma representante. As informações que levantamos nos corpora analisados, bem como as discussões feitas podem auxiliar os professores de língua portuguesa no sentido de disporem de uma constatação empírica de como os usuários do português brasileiro, com variados níveis de escolarização, utilizam estruturas da língua no tocante à construção relativa. Com isso, podem verificar que, mesmo em situações que envolvem mais formalidade, como é o caso da modalidade escrita, há predominância do uso de estratégias não-padrão (pelo menos entre os usuários de escolaridade fundamental e média), a despeito do que preceituam as orientações dos manuais de gramática mais conservadores.

Além disso, apresentamos as motivações de natureza sociointeracional e cognitiva que concorrem para o uso de formas que desviam do padrão. Isso pode contribuir significativamente para um embasamento teórico da formação acadêmica dos professores de língua materna, o que terá implicações para sua prática pedagógica, ou seja, as contribuições também podem estender-se à atuação em sala de aula propriamente dita desse profissional. A esse respeito, aliás, dedicamos a seção 4.4 para abordarmos possibilidades de aplicações práticas nas aulas de português das noções discutidas neste trabalho.

Dessa forma, acreditamos efetivamente que a presente pesquisa pode contribuir para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem da língua materna, uma vez que pode fundamentar a formação docente e, por consequência, a prática pedagógica.