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2.1 Oração relativa como universal lingüístico

2.1.1 Tratamento da relativa em outras línguas

Feitas as considerações sobre o caráter universal das relativas, passemos agora ao tratamento delas com base na literatura linguística em língua inglesa sobre estudos tipológicos. Vejamos, inicialmente, o que temos em termos de definição desse tipo oracional para, em seguida, discutirmos as estratégias de relativização em algumas línguas, bem como a classificação dada às relativas.

Em busca de uma definição translinguística da oração relativa, Comrie (1989) procura elucidar, através de um contraste entre o turco e o inglês, que elementos caracterizam este tipo de construção sintática. Primeiro, o autor observa algumas diferenças estruturais entre as línguas em questão: enquanto a forma verbal da relativa em inglês é finita, no turco ela apresenta-se não-finita, com sufixo nominalizador; além disso, o turco apresenta marcação de caso em seu sujeito. Vejamos o exemplo (45):

(45) [Hasan-in Sinan-a ver -di÷-i] potates-i yedim. Hasan de Sinan dar sua batata ACUSATIVO Eu-comi ‘I ate the potato that Hasan gave to Sinan.

Eu comi a batata que Hasan deu a Sinan.

Conforme o próprio autor comenta, a forma verbal ver-di÷- (dar) é não-finita e apresenta o sufixo nominalizador –di÷, além de o sujeito carregar marcação de caso (Hasan-in); já em inglês, o verbo está em forma finita (gave = deu), e o sujeito não possui marcação de caso.

Além disso, o mesmo autor discute a noção de cláusula, partindo da definição da gramática tradicional do inglês, em que o termo cláusula é frequentemente restrito a construções com um verbo finito. Conclui ele, então, que, por esse critério, a construção exemplificada em turco não seria uma cláusula, muito menos relativa, justamente porque a forma verbal presente é não-finita.

Em seguida, entretanto, Comrie reconhece que essa terminologia reflete uma propriedade geral da sintaxe do inglês e que ela não pode ser tomada como referência para outras línguas. No caso do turco, por exemplo, embora a construção entre colchetes em (45) difira estruturalmente de sua correlata relativa em inglês, ela cumpre perfeitamente a mesma função desta. Assim se expressa o autor sobre o exemplo17:

“[...] portanto, em sua interpretação restritiva, há um núcleo nominal potates ‘batata’, e a cláusula relativa restringe a referência potencial desse núcleo nominal, dizendo-nos que batata particular (aquela que Hasan deu a Sinan) está em questão” (p. 143).

Dito isso, o autor admite a necessidade de uma definição funcional (semântica e/ou cognitiva) da cláusula relativa a partir da qual se possa fazer um trabalho comparativo entre as línguas no tocante a esse tipo de construção.

Além disso, ele toma por base algo mais específico para conceituar a cláusula relativa: a ideia de que se pretende caracterizar sua forma prototípica, em vez de um conjunto de condições necessárias e suficientes para identificá-la. Também pondera o autor que parte do pressuposto de que a restritiva representa o modelo mais central da cláusula relativa que a não-restritiva (explicativa). Eis, então, a definição apresentada por Comrie (1989, p.143):

Uma cláusula relativa, então, consiste, necessariamente, de um núcleo e uma cláusula restringidora. O núcleo em si tem uma certa gama potencial de referentes, mas a cláusula restringidora limita este conjunto, 17 “(…) thus, in its restrictive interpretation, there is a head noun potates ‘potato’, and the relative clause restricts the potential reference of that head noun by telling us which particular potato (the one that Hasan gave to Sinan) is at issue.”

fornecendo uma proposição que deve ser verdadeira para os reais referentes de toda a construção.18

Aplicando essa definição ao exemplo (45), no caso, o autor diz que se trata de uma cláusula relativa, porque possui um núcleo com uma gama de referentes, precisamente o termo batata, mas esse conjunto de referentes é limitado a uma batata, da qual a proposição Hasan deu a batata a Sinan é verdadeira.

Essa definição, como podemos notar e como o próprio autor reconhece, possui um caráter mais restrito que o conceito tradicional da cláusula relativa por excluir, além das não-restritivas, certas construções, consideradas marginais, do tipo John is no longer the man that he used to be (John não é mais o homem que costumava ser), em que a função da cláusula relativa é restringir o universo de referência da expressão the man (o homem). Por outro lado, essa mesma definição pode ser mais ampla, por incluir, em inglês, construções não-finitas, como passengers living on flight 738 should proceed to the departure lounge (passageiros do vôo 738 dirijam-se ao salão de embarque), e as chamadas restritivas atributivas, também em inglês, como good em the good students all passed the examination (todos os bons estudantes passaram na prova).

A respeito dos dois últimos exemplos de relativas apresentadas no parágrafo anterior, cabe-nos fazer dois breves comentários. O primeiro consiste no fato de que a expressão living on flight 738 corresponde, aproximadamente, em português, a uma relativa reduzida, podendo, quem sabe, ser o mesmo em inglês, fato não tratado pelo autor. O outro relaciona-se ao estranhamento de tomar uma forma adjetiva good como uma cláusula relativa, já que, considerando o critério apresentado pelo próprio autor, não há sequer verbo, muito menos em forma finita.

Também é válido acrescentar que, se tomarmos por base o conceito da relativa tal como posto acima, é possível haver línguas que não apresentem cláusula relativa, como ocorre com o walbiri, citado por Comrie (1989).

Keenan (1985) caracteriza a cláusula relativa (restritiva) como aquela que serve de modificador a um elemento nominal. Acrescenta ele que um traço definidor da cláusula relativa seria a presença de uma Srel (oração subordinada de valor restritivo). Eis um dos exemplos apresentados pelo autor:

(46) I picked up two towels Ø that were lying on the floor.

18 “A relative clause then consists necessarily of a head and a restricting clause. The head in itself has a certain potential range of referents, but the restricting clause restricts this set by giving a proposition that must be true of the actual referents of the over-all construction.”

Eu apanhei duas toalhas que estavam jogadas no chão.

Payne (1997), corroborando a definição dada por Keenan, apresenta o que ele chama de “partes pertinentes” de uma cláusula relativa. São elas:

I. O núcleo, um sintagma nominal, que é modificado pela cláusula. Em (46), o núcleo seria o termo two towels (duas toalhas);

II. A cláusula ‘restringidora’, que é a cláusula relativa em si. Em (46), ela corresponde a that were lying on the floor (que estavam jogadas no chão); III. O sintagma nominal relativizado (SNrel), que é o elemento correferente ao

núcleo dentro da relativa. Em (46), ele é representado pelo símbolo Ø, que representa a ausência de elemento que assuma o papel sintático na oração subordinada, caracterizando, assim, uma lacuna.19

Feitas essas abordagens e considerações, os autores passam a tratar da classificação das relativas, como veremos a seguir.