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Capitulo 3 – Metodologia de Investigação

3.2. Design de investigação

3.2.2. Critérios de qualidade

Desde há muito que o debate em torno dos critérios de qualidade da investigação, quer quantitativa, quer qualitativa, tem suscitado alguma controvérsia na tentativa de contribuir para uma maior credibilidade e rigor dos resultados obtidos (Denzin, Lincoln & Giardina, 2006).

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No caso deste estudo, de cariz qualitativo e interpretativo, o meu papel como investigadora constituiu o principal instrumento de recolha e análise de dados, o que faz com que as minhas posições durante todo o processo de investigação devam, à partida, ser assumidas e definidas de modo a não levantar questões quanto à credibilidade e fidedignidade do mesmo. Como afirma Patton (2002) “o investigador é o instrumento” (p. 14) e a validade e a fidedignidade são fatores com os quais o investigador qualitativo deve estar preocupado quando planeia o estudo, analisa os resultados e avalia a sua qualidade.

De acordo com o mesmo autor, a neutralidade não significa distanciamento relativamente ao estudo, mas, no caso duma investigação de caráter qualitativo e interpretativo, é importante que o investigador tome consciência das suas posições de modo a tê-las em consideração durante o processo de recolha e análise de dados (Denzin & Lincoln, 2010). Segundo estes autores, o investigador qualitativo emprega um conjunto de práticas materiais durante o processo de investigação e “essas práticas não são instrumentos neutros” (p. 363), mas influenciadas por uma série de tensões, contradições e hesitações, bem como por compreensões emergentes.

Para Lüdke e André (1986), os cuidados com a objetividade são importantes porque eles afetam diretamente a validade do estudo, daí sugerirem alguns cuidados a ter, principalmente, uma maior permanência no campo da investigação, frequência e duração das observações e fidedignidade dos dados. Para estes autores, “quanto maior for o período de permanência no campo de estudo, maior a probabilidade dos resultados serem credíveis, o que consubstanciará a validade das informações” (p. 50). Referem ainda que a questão mais geral e mais frequentemente levantada em relação à investigação qualitativa é a da subjetividade do investigador. Embora considerem que existem posições contraditórias, apontam uma posição de equilíbrio, sugerindo alguns cuidados que o investigador deve ter no sentido de controlar o efeito da subjetividade, nomeadamente, “deixar claro os critérios utilizados para selecionar certo tipo de dados, e não outros, para observar certas situações, e não outras, e para entrevistar certas pessoas e não outras” (idem, p. 51). Para Guba e Lincoln (1994), acima de tudo, é importante desenvolver critérios apropriados que mostrem a qualidade da investigação qualitativa, de modo que todo o processo de pesquisa tenha valor próprio, aplicabilidade, confiança e neutralidade, de forma a garantir a sua qualidade.

Relativamente aos critérios para avaliar a qualidade da investigação, vários autores (por exemplo, Denzin e Lincoln (1994), Ponte (2006) são de opinião que existem diferenças entre os métodos usados pelo paradigma positivista e o paradigma qualitativo, considerando mesmo que eles se revelam inadequados para o estudo da investigação qualitativa, não fazendo, por isso, sentido aplicar os mesmos critérios para avaliar a qualidade dos resultados nos dois tipos de investigação. Assim, propõem que os critérios de qualidade utilizados pelo paradigma positivista, validade interna e externa, fidedignidade e objetividade sejam substituídos por, respetivamente, - credibilidade, ou seja, a capacidade dos participantes confirmarem os dados - transferibilidade, a capacidade dos resultados do estudo serem aplicados noutros contextos – confiança, a capacidade de investigadores externos seguirem o método usado pelo investigador – confirmabilidade, a capacidade de outros investigadores confirmarem as construções do investigador.

Yin (2010) considera que, para avaliar a qualidade de qualquer projeto de investigação, é essencial a ajuda de múltiplas fontes de dados bem como o recurso a estratégias específicas para a recolha e análise de dados e ainda na fase de escrita. Assim, sugere quatro critérios para julgar a qualidade de uma investigação qualitativa – validade do construto, validade

interna, validade externa e confiabilidade7 – com o objetivo de identificar algumas táticas relativamente à investigação de estudo de caso, de modo a conferir uma certa consistência na evidência dos dados, certificando-se que estão a apreender as diferentes perspetivas de forma adequada.

Segundo Ponte (2006), a validade tem a ver com a “precisão dos resultados” (p. 19) ou, como afirma Silverman (2001) é “outra palavra para verdade” (p. 175). Outros investigadores, Lincoln e Guba (2010) consideram a validade como “um construto perturbador, que não é facilmente descartado nem prontamente configurado pelos adeptos dos novos paradigmas, envolvendo uma combinação entre o método e a interpretação e que, na perspetiva de Erickson (1986), depende da colaboração estabelecida entre investigador e indivíduos. Para Lincoln e Guba (2010), na investigação qualitativa, não é apenas o método que promete apresentar um conjunto de verdades baseadas no contexto, mas também os processos de interpretação utilizados “não são os métodos que permitem a «verdade», mas antes os processo de interpretação“ (p. 183).

7 Como é referido na tradução brasileira. O termo original “reliability (Yin, 2003) é também referido por

outros autores (Goetz & LeCompte, 1984; Lincoln & Guba, 2010, Lucke & André, 1986; Merriam, 1988; Patton, 2002; Silverman, 2001) e traduzido como “fidedignidade” por Ponte (2006), termo pelo qual opto

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De acordo com Yin (2010), a validade do construto tem como objetivo minimizar a influência do investigador, assim, considera fundamental “o uso de fontes múltiplas de

evidências” (p. 65), de modo a encorajar linhas convergentes de investigação e estabelecer

um encadeamento dessas evidências. Dentro deste critério, Yin refere a importância da verificação por parte dos participantes das interpretações feitas pelo investigador, mesmo numa fase de rascunho.

Relativamente à validade interna, Yin refere que ela é, essencialmente, uma preocupação dos estudos experimentais de natureza quantitativa, quando o investigador tenta explicar “até que ponto o evento x levou ao evento y” (p. 65). No entanto, este autor considera que a preocupação com este tipo de validade pode, na investigação dos estudos de caso, “estender-se ao problema mais abrangente de fazer inferências” (idem, p. 66). Na sua perspetiva, um estudo de caso envolve uma inferência cada vez que um acontecimento não pode ser diretamente observado. Neste sentido, há que ter algum cuidado de modo a avaliar até que ponto as inferências feitas pelo investigador são corretas, até que ponto as explicações e possibilidades alternativas foram consideradas, e ter em atenção se as evidências são convergentes e aparentam ser incontestáveis. Na mesma perspetiva, Ponte (2006) afirma que “existirá validade interna se as conclusões apresentadas correspondem autenticamente a alguma realidade reconhecida pelos próprios participantes, não sendo unicamente uma construção da mais ou menos fértil imaginação do investigador” (p. 19), o que, de algum modo, reforça as preocupações referidas em Yin (2010).

Para este investigador, as estratégias específicas para atingir os resultados ao nível da validade interna nem sempre são fáceis de identificar, mais especificamente, quando se trata da realização de estudos de caso. Assim, sugere o recurso à combinação de padrões, à construção e tratamento de explicações alternativas e ao uso de modelos lógicos. Tal como refere Ponte (2006), deve-se ter presente que “os estudos de caso qualitativos, em comparação com outras abordagens, permitem ganhar em validade interna, mas perdem irremediavelmente em fidedignidade” (p. 19). Embora este autor considere que o problema de credibilidade deve ser uma preocupação do investigador qualitativo “há que ter consciência de que nos estudos de caso ele nunca pode ser completamente resolvido” (ibidem, p. 19).

No sentido de assegurar a validade interna, Merriam (1988) faz como que uma síntese dos cuidados a ter para avaliar a qualidade da investigação qualitativa, propondo que o

investigador use seis estratégias básicas: (i) triangulação – aplicar múltiplas fontes de dados ou múltiplos métodos para confirmar os resultados que emergem; (ii) devolver os dados e interpretações aos participantes e ouvir a sua opinião sobre a razoabilidade dos resultados; (iii) observar e recolher dados durante um período alargado de tempo de modo a aumentar a validade dos mesmos; (iv) pedir a colegas para comentar os resultados e a forma como emergiram, (v) envolver os participantes em todas as fases da investigação; e (vi) clarificar os pressupostos do investigador, o seu ponto de vista e toda a orientação teórica do estudo (p. 169-170).

Neste estudo foram usadas três técnicas que os autores referidos anteriormente consideram fundamentais para garantir a qualidade de um estudo de caráter qualitativo e interpretativo: observação persistente e prolongada, triangulação e clarificação do meu papel enquanto investigadora.

Relativamente ao primeiro, este estudo decorreu durante um ano letivo, tendo assistido a todas as aulas de Matemática dos alunos, tanto as que foram objeto de recolha de dados para este estudo, como todas as outras que foram lecionadas durante o ano. Este aspeto permitiu-me um maior conhecimento dos alunos, das suas aprendizagens e evolução, bem como do ambiente de sala de aula existente, tanto nas aulas de Matemática como em outras áreas. Esta permanência levou, por um lado, a desenvolver uma maior relação de proximidade com os alunos, e, por outro lado, contribuiu para que fosse considerada como mais um elemento pertencente ao grupo, à sua comunidade.

Outra técnica referida é a triangulação, isto é, o uso de múltiplos métodos para clarificar significados, identificando diferentes formas de ver o caso, tentando obter a “ «verdade», combinando diferentes formas de olhar para ele” (Silverman, 2001, p. 177). Como afirmam Denzin e Lincoln (1994), a triangulação permite assegurar uma compreensão profunda do fenómeno em estudo através da combinação de múltiplos métodos. Neste estudo foram utilizados vários métodos de recolha de dados: observação participante, análise de documentos e entrevistas, que foram sendo comparados desde o início da investigação, tentando, de acordo com Stake (2007) “ver se o que estamos a observar e a relatar transmite o mesmo significado quando descoberto em circunstâncias diferentes” (p. 126). Por último, todas as aulas observadas foram vídeo-gravadas, tentando captar com mais rigor o trabalho desenvolvido pelos alunos e pela professora durante a realização dos

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mais rigor e objetividade os dados obtidos. Estes registos foram, posteriormente, transcritos e tidos em conta aquando da análise e interpretação dos casos. Como afirma Erickson (1986), embora os registos de vídeo e áudio não sejam dados, são “material documental” (p. 149) importante com o qual a análise foi construída.

A validade externa, na perspetiva de Yin (2010), prende-se com o problema de saber se os resultados do estudo são generalizáveis para além do estudo de caso imediato. Neste caso, trata-se de uma generalização analítica, enquanto a generalização estatística diz respeito aos estudos quantitativos. Na generalização analítica, o investigador luta para generalizar um determinado conjunto de resultados a uma teoria mais ampla.

Relativamente à generalização dos resultados dos estudos de caso poderem ser generalizados a outras situações, existem algumas dúvidas colocadas por vários investigadores. Por exemplo, Merriam (1988) afirma que esta questão “continua a ser objeto de muito debate (p. 184), e Erickson (1986) é de opinião que “a produção de conhecimento generalizável é um objetivo inapropriado para a investigação interpretativa” (p. 130). Na mesma perspetiva, Ponte (2006) considera que há algumas objeções à formulação de “«leis gerais» e generalizações «verificáveis»” (p. 16) alegando que este impedimento se deve à grande complexidade das situações educativas e aos múltiplos fatores nelas envolvidos, nomeadamente, atores humanos, intenções e significados. Para este autor, mais do que generalizar, o que é importante é acrescentar novo conhecimento acerca do problema e do fenómeno em estudo.

Pelo exposto, neste estudo, sigo a perspetiva defendida por Ponte (2006), ou seja, acrescentar novo conhecimento acerca do problema e por Erickson (1986) em que “a principal preocupação do investigador qualitativo deve incidir mais na particularização do caso do que na sua generalização. (idem, p. 130).

O último critério referido por Yin (2010), fidedignidade, tem como objetivo garantir que, se um investigador, posteriormente, seguir os mesmos procedimentos deveria obter os mesmos resultados e conclusões. Este autor considera que “a meta da fidedignidade é minimizar os erros e as parcialidades no estudo (idem, p. 68), ou como refere Ponte (2006) saber se as operações do estudo (recolha e análise de dados) poderiam ser repetidas, de modo a produzir resultados semelhantes. Para este autor, uma das razões que torna difícil cumprir este critério é o facto de os objetos que se estudam serem multifacetados e sempre em evolução. Silverman (2001), ao analisar este critério, afirma que ele se refere “ao grau

de consistência com que as evidências são atribuídas à mesma categoria por diferentes observadores ou pelo mesmo observador em diferentes ocasiões” (p. 188).

De acordo com Lücke e André (1986), o que se espera não é que os observadores totalmente isentos cheguem às mesmas representações dos mesmos acontecimentos, mas sim que haja alguma concordância, pelo menos temporária, de que essa forma de representação da realidade é aceitável, embora possam existir outras igualmente aceitáveis. Como destaca “o importante é manter uma atitude flexível e aberta, admitindo que outras interpretações possam ser sugeridas, discutidas e igualmente aceites” (idem, p. 52).

Embora, como afirma Ponte (2006), pareça existir, para alguns autores, uma preocupação muito centrada nos instrumentos, e de que com uma instrumentalização “rigorosa” se pode fazer investigação interpretativa de qualidade, este autor alerta para o facto de que, aplicando esses instrumentos, seja o único garante dessa qualidade. Acrescenta, no entanto, que, apesar dos instrumentos serem uma mais-valia para a qualidade e rigor da investigação qualitativa “a principal via para o reforço da qualidade dos estudos de caso está mais no reforço da fundamentação teórica do que no desenvolvimento de instrumentos mais rigorosos” (p. 21).

Neste estudo, e de modo a ultrapassar algumas limitações relativamente à sua credibilidade e rigor, utilizo as técnicas recomendadas pela maioria dos autores: observação persistente e prolongada e triangulação dos dados, bem como a clarificação da minha posição enquanto investigadora. Alguns destes aspetos foram abordados ao longo do texto e outros serão completados em pontos seguintes deste capítulo.