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Critérios distintivos entre contrato administrativo, convênio e consórcio administrativos

CAPÍTULO 5 CONTRATUALIZAÇÃO COMO TENDÊNCIA NA REFORMA

5.2 Critérios distintivos entre contrato administrativo, convênio e consórcio administrativos

Ponto que tem levantado muitas dúvidas refere-se à aparente similitude entre o contrato e convênio administrativos. Embora tenha delineado os traços mais característicos dos convênios e, por si, manifestando sua singularidade neste rol de ajustes apregoados pelos entes públicos com a finalidade de dinamizar as atividades públicas, neste capítulo, cabe dedicação exclusiva em traçar os contornos que distanciam os contratos administrativos dos convênios.

Os contratos administrativos são, em sua dimensão mais ampla, um ato administrativo de formação bilateral,154 comportando desse modo a imprescindível conjugação de vontades que encerra a perfeição do mesmo.

Assim, poderíamos traçar as primeiras e reveladoras diferenças entre ambas figuras quando se trata do objetivo pretendido por tais acordos: nos contratos administrativos tem-se a oposição de objetos, exteriorizados pela prestação e contraprestação que envolvem o liame contratual; nos convênios de cooperação não há tal contraposição, e sim, uma convergência de esforços para o atingimento da meta final, que é a satisfação do interesse público.

No entender de Jacintho de Arruda Câmara:

Não se confundem, todavia, com outras espécies de atos bilaterais do Estado, tais como os tratados e os convênios. Os tratados correspondem a acordos de vontades entre dois Estados soberanos; enquanto os convênios são avenças nas quais figuram

154 CÂMARA, de Arruda Jacintho. Temas de direito administrativo: obrigações do estado derivada de contratos

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como partes entes de direito público ou privado que ajustam a união de esforços para a obtenção de um objetivo comum. Os contratos administrativos, por sua vez, são avenças que tem como características o estabelecimento de relação jurídica entre administração pública e os administrados marcada pela contraposição de interesses.

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Miguel Ángel Berçaitz, em conclusão ao seu estudo sobre as diferenças dos contratos administrativos, aduz:

Em definitiva, pues, el servicio público cuya satisfacción se persigue com la ejecucón de um contrato, no basta para calificar a éste como administrativo, ni su ausencia es suficiente para excluírlo de sus cuadros, caraterizándolo sin otras discriminaciones, pura y simplesmente como contrato de derecho privado.156

Nessa vereda o que norteia a formação dos convênios é a fundamental atuação da administração pública como estandarte notório do princípio da finalidade.

As diferenças são, entretanto, mais patentes quando se trata de caracteres que tornam o atributo cooperacional dos convênios em absoluta evidência. Este é o ponto culminante que aparta qualquer similitude entre ambos acordos. Nesse contexto, a responsabilidade contratual e a responsabilidade nos convênios, a vigência, o desfazimento de ambos os acordos, a forma de pactuação, dentre outras.

Não obstante na doutrina pátria estejam pacificadas as dúvidas sobre a natureza jurídica de ambos acordos (em contraposição ao tratamento legal que não recebeu muitas considerações), na doutrina estrangeira sul-americana, Jaime Vidal Perdomo trata de ambas figuras de forma tão convergente quanto similar: “La administración actua no solamente por medio de órdenes o imposiciones a los cuidanos, sino mediante connvenios em que se obliga en la misma forma en que lo hacen los particulares: son los contratos de la administración”.157

Nessa acepção há uma convergência de interesses públicos que liga ambos os acordos em uma finalidade pública, tornando praticamente inconteste seu grau de similitude. Frente a existência do interesse público, colacionamos o salutar acréscimo de Héctor Jorge Escola:

La presencia inexcusable del interés público obriga a que todo o servicio público deba ser prestado de una manera que efectivamente llene las necesidades que si tienen que alcanzar, y a que la administración pública deba contar y poder ejercer

155 Idibem, p. 28.

156 BERÇAITZ, Miguel Ángel. Teoria general de los contratos administrativos. 2. ed. Buenos Aires: Depalma,

1980. p. 204.

157 PERDOMO, Jaime Vidigal. Derecho administrativo. 6 ed. actual. Cali-Colômbia: Biblioteca Banco Popular,

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todos los medios, expresos o implícitos, necesarios para asegurar que se obtenga aquel resultado.158

Na doutrina francesa, todavia, a presença das cláusulas exorbitantes formam os principais atributos identificadores do típico contrato administrativo.159 Assim, com verdadeiro império da finalidade pública em evidente contraste com os contratos que não tenham tal natureza.

A referida doutrina européia ainda menciona em seu rol de contratos que a administração trava com pessoas jurídicas de direito público, os acordos de programa, os contratos de plano e contratos de gestão. A tais modalidades de contrato, a doutrina admite a nomenclatura de contrato administrativo, muito embora, distancie-se de sua perfeita caracterização.

Na doutrina italiana, costuma-se considerar contrato administrativo como qualquer acordo firmado por entes da administração pública, o que valeria aos consórcios e convênios brasileiros, incluindo matéria desprovida de conteúdo patrimonial.

Odete Medauar percebeu os ajustes administrativos coevos numa época de uma administração consensual:

Disseminam-se acordos de diversos tipos, adotando-se, em amplitude, os chamados ‘módulos contratuais ou convencionais’. Tais fórmulas nem sempre se enquadram exatamente aos paradigmas clássicos dos contratos ou dos contratos administrativos. Daí ser relevante conferir tratamento amplo à figura contratual, para abrigar novas fórmulas, adequadas a novo dinamismo e novos modos de agir da administração. Neste contexto se inserem os convênios e consórcios administrativos.160

Traçando as primeiras considerações sobre o assunto, nota-se que as diferenças iniciais se encontram entre os entes integrantes dos acordos. Nos contratos administrativos é de fato imprescindível a presença dicotômica entre particular e ente da administração pública, enquanto nos convênios poderá haver a presença de entes da administração pública, entre entes da pública administração e o particular.

Quando se referir a acordo que envolva ente público e particular, a diferenciação residirá no objeto pactuado. Assim, necessário será a averiguação sobre a natureza do acordo. Caso se trate de convergência de esforços para o atendimento da finalidade pública, entende-

158 ESCOLA, Héctor Jorge. El interés público: como fundamento del derecho administrativo. Buenos Aires:

Depalma, 1989. p. 118.

159 LECLERC, Nadine Poulet-Gibot. Droit administratif: Sources, moyens, contrôles. Paris: Bréal, 1995. p. 131-

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74 se que exteriorizado está o atributo cooperacional, e, portanto, tratar-se-á de convênio administrativo.

Sendo assim, é patente que não haverá lugar aqui para a contraposição de interesses, o que ocasionaria a dualidade da prestação/contraprestação. Haverá sim, reitere-se, a eleição do propósito público corroborado pela atuação direta de entes de sua própria constituição, sem negar que nos contratos administrativos haverá, outrossim, a mesma finalidade pública.

Por esta razão a nomenclatura utilizada para designar os atuantes na formação dos convênios seja a de partícipes. Evita-se, dessa forma, qualquer comparação aos contratos com designação calcada na natureza dúplice que encerra seus objetos: contratantes.

Quando se concebe que a atuação dos convenentes é de partícipe, indubitável está o exato destino de sua função qual seja de participar de obra, serviço ou qualquer realização que tenha como lastro a satisfação com o mesmo objeto.

Na execução dos contratos administrativos, acaso efetuados pelo contratante (particular), a administração pública atuará de maneira oblíqua, velando pela satisfação de sua finalidade, contudo a cargo do particular estará o sucesso da empresa.

Dentro dessa concepção Agustín Gordillo161 afirma que os contratos administrativos tem regime primordialmente de direito público, diametralmente opostos aos contratos da administração do regime civil, todos sem qualquer sacrifício dos princípios norteadores do Estado.

Feitas essas considerações iniciais que satisfazem a idéia de formação dos convênios, faz-se necessário o estudo de sua constituição formal, absolutamente distinta dos contratos administrativos.

Como é sabido, os convênios resultam, em grau de formação, da anuência expressa dos entes autorizados para iniciar a sua consecução. Desse modo, atos complexos que são, necessitarão não só da declaração volitiva dos partícipes.

Os contratos administrativos têm um procedimento próprio para inserirem-se na regularidade administrativa que reclama o princípio da legalidade. Então, submeter-se-ão os particulares ao procedimento licitatório como meio hábil e legitimado com o fito dos administrados entrarem em acordo com a administração pública.

Assim, a celebração do convênio constitui-se pela forma de ajuste, no qual estarão elencadas todos os dispositivos norteadores dos rumos dos partícipes na realização da cooperação administrativa.

75 Nesse contexto, indispensável se faz a menção de que a natureza jurídica de um ajuste está intrinsecamente voltada para a convergência de esforços para o interesse público. Se, por exemplo, determinado ente público entra em acordo com uma empresa particular e ambos, com a finalidade de construção de um hospital, integram de um lado mão-de-obra e do outro material para a construção, sem que haja a prestação pecuniária como forma de pagamento para o alcance do trabalho, estar-se-ia diante de um autêntico convênio administrativo.

O contrato, por sua vez, caracterizar-se-ia, para a construção dessa obra, houvesse um acordo no qual se dispusesse que sua edificação estaria a cargo do pagamento à outra parte. Como haveria a expressa contratação (haja vista ao ajuste de vontades opostas: construção de obra e pagamento) estar-se-ia diante de um verdadeiro contrato administrativo.

Ressalte-se, ninguém contrata para não cumprir o que convencionou. Os contratantes estão sujeitos aos ajustes do instrumento de acordo e a este se submeterão em homenagem ao pacta sunt servanda, corolário das disposições observadas no ajuste.

Já o convênio, reclama amparo diverso. Conforme foi verificado, em face da presença das cláusulas exorbitantes e da própria rigidez que o contrato administrativo oferece aos contratantes, estes se ressentem de mais coerção na observância de suas cláusulas.

O convênio como não oferece a referida rigidez, por não impor as devidas advertências, que em última análise, remonta às responsabilidades do ajuste, desobriga aos partícipes a devida observância a sua permanência no feito, provocando, assim, certa insegurança dos próprios administrados e dos convenentes.

Esta tem sido uma das questões mais discutidas quando está em vista a responsabilidade contratual asseguradora do cumprimento da finalidade pública ao contratante e a vacância de tratamento legal ou doutrinário ao partícipe que dirima esforços não pactuados para a conquista do interesse público, ou que de qualquer forma obste a sua realização.

Por fim, enquanto nos contratos administrativos, o desfazimento de sua execução implica na extinção do contrato, há nos convênios a denúncia como forma própria de diluição do ajuste, entendida aqui como a satisfação do interesse público ou a causação de completa impossibilidade de consecução dos trabalhos, até para impedir cláusula sancionadora ou de permanência dos partícipes.

Analisadas as diversas distinções, trataremos a seguir das espécies de cooperação administrativa.

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