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CAPÍTULO 2 TAMANHO DO ESTADO E ALGUNS INSTITUTOS CORRELATOS À

2.3 Transformações constitucionais após o pensamento liberal

A evolução do constitucionalismo assentado em bases liberais funde-se a um processo concomitante ao enfraquecimento do poder temporal da igreja e, outrora, de sua fundamental interferência no comportamento social. A razão, tão mitigada durante a Idade Média, e a virtude tinham pilares cristãos.

Desse modo, dava-se à cooperação administrativa um sentido eminentemente religioso, o que dificultava o elogio à livre iniciativa e a perspectiva de um novo modelo estatal, que já se fazia necessário em meados da Era Moderna.

Nesse particular, fundamental se faz a menção do advento das transformações trazidas pelo protestantismo que teve uma base burguesa fundamental para facilitar o processo de permeabilização do pensamento privado nas sociedades modernas.

Por outro lado, a difusão do pensamento liberal desenvolveu na sociedade uma evolução de direitos, ou uma consciência de evolução de direitos. Assim, valores como a consagração de Direitos Individuais, a supremacia Constitucional e a idéia, ainda embrionária, de um Estado de Direito, começaram a alcançar o ideário das sociedades que ainda se libertavam do remanescente absolutismo.

Não se pode olvidar, nesse rol de transformações, que o pensamento supervalorizado do direito à propriedade privada (que se desdobra no direito à herança de acumular capitais) começa a encontrar esteio na consciência coletiva, no Direito Naturalístico. Principiava, portanto, a ser esboçado o conteúdo que seria o norte das Constituições liberais, já preconizada pela Declaração Universal de Direitos do Homem e do Cidadão.

Cabe assinalar que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proposta em 1789, inaugurando a Revolução Francesa e seus pressupostos iluministas, estabeleceu o direito à igualdade de todos perante a lei, à liberdade individual, à propriedade privada e o direito de resistência à opressão.

Muito embora tenha servido como um festejo para a abertura da mais profunda revolução de efeito global, foi fecunda no sentido de tornar público e transparente os novos rumos constitucionais que se estabeleceriam a partir de então.

32 Definitivamente, o sentido de cooperação, convênios e consórcios administrativos ainda era embrionário. Não havia uma dimensão histórica madura suficiente para viabilizar a idéia de interação estatal.

Defende Norberto Bobbio:

os direitos do Homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem todos de uma vez por todas.27

As conquistas dos direitos inerentes ao cidadão tomaram, gradativamente, a real complexidade da evolução histórica dos tempos, como foi demonstrado.

Impende observar que o Código Civil Napoleônico, modelo civilista privado tão elogiado nos Estados Ocidentais, é que preconiza a supervalorização da propriedade privada, além de ratificar a consolidação de Direitos e Garantias Individuais que outrora acirrava os ânimos franceses em plena Revolução (apesar de trazer o paradoxo de proibir a organização sindical, prevendo sérias punições aos grevistas). Daí por diante o que irá ser assistido é uma constante redimensionalização do pensamento liberal.

Temos, a respeito, exemplos que exteriorizam esse exato pensamento em consonância com o momento histórico social. A Constituição americana (1787) que se tornou um paradigma de conquista do pensamento liberal, bem preconiza as exatas bases de uma sociedade que se emancipou sobre o signo privatístico e, desde logo, num verdadeiro ensaio de conquista do seu espaço vital, alicerçava a influência sobre os demais Estados latino- americanos que, posteriormente, teriam-no como o irmão rico, e sobre o qual lançariam suas perspectivas de um alcance (utópico) futuro e similar dentro do novo estágio histórico que para estes Estados se inaugurava.

É interessante frisar que a própria Constituição Americana, nitidamente inspirada nos princípios iluministas do século XVIII e que tanto representou o exemplo pioneiro da concretização dos ideais liberais de direito à vida, à felicidade, restringiu substancialmente os direitos dos trabalhadores, pois estabelecia o voto censitário e não levava em consideração o interesse dos escravos e dos índios, deixando claro, desde já, a real prevalência das prioridades burguesas.

33 A palavra “liberalismo designa, uma doutrina e ao mesmo tempo um movimento, este representa um processo, largo e longo, que envolveu tendências e alterações sociais, revoluções e recomposições”.28

Tem-se, em realidade, uma transparente exteriorização dos propósitos daquela época. De um lado, a consagração dos interesses liberais, revestidos de uma profunda e evidente valorização da propriedade privada; de outro o paradoxo trazido pela própria bandeira iluminista: “o laissez faire, laissez passer” não é para todos, especialmente para excluídos deste sistema privilegiador. A liberdade natural alcançada pelos povos não é de todo permeável a maioria.

Não é à toa que Carlos Garcia Oviedo, examinando o conceito de direito administrativo e a sua ação pública dita:

Es el ‘laissez faire, laissez passer’, mas, en rigor, su ‘laissez faire’ no debe entenderse en el sentido de no hacer nada, sino mejor en el acepcióninglesa del ‘fair play’, de decir, dejar el campo libre. La acción pública debe limitarse a remover todos los obstáculos que se oponnen al libre juego de la actividade privada”.29

As garantias individuais tão festejadas na maioria das Constituições liberais encontram os primeiros entraves nos antagonismos trazidos pelo próprio monopólio capitalista. Assim, podemos indagar: Como é possível ter direito à aludida felicidade que enseja a Constituição dos Estados Unidos, se não é possível ter acesso aos bens que esta sociedade oferece?

Nesse rol de contradições, as doutrinas socialistas encontram espaços para penetrarem em terreno liberal e assinalar suas deficiências, além de evidenciar, de maneira contumaz, as crises do Sistema liberal .

É de se notar que a paridade entre as conquistas sociais e a documentação constitucional de seus postulados guardam uma íntima identidade, principalmente no tocante aos direitos que consubstanciam o sistema econômico da época.

Assim, tornar-se-ia muito difícil se conceber um Estado imaturo de consciência social e, principalmente, de carência no que se refere à consciência política cidadã, lograr consideráveis êxitos na cooperação mútua.

28 SALDANHA, Nelson. Estado de direito, liberdades e garantias: estudos de direito público e teoria política.

São Paulo: Sugestões Literárias, 1980. p. 81.

34 Reitere-se, o Estado estava afogado em suas largas dimensões. Acordar, cooperar, conveniar no caos de uma sociedade afogada em si mesmo é conceber uma queima de etapas de um meio que estava ainda madurecendo politicamente.