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CTNBio e a análise de riscos: A necessidade e a relevância do Estudo de

4.2 O Princípio da Precaução e as medidas de precaução estabelecidas pela

4.2.2 CTNBio e a análise de riscos: A necessidade e a relevância do Estudo de

A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio – , conforme anteriormente dito, foi criada ainda na vigência da legislação anterior. Todavia, com a nova lei de biossegurança, referido órgão obteve consideráveis modificações em suas atribuições, não podendo deixar de ser destacada a sua importância na implantação da Política Nacional de Biossegurança.

A CTNBio, conforme está previsto no Capítulo III, art. 10, da Lei 11.105/05, integra o Ministério da Ciência e Tecnologia e é definida como:

[...] instância colegiada multidisciplinar de caráter consultivo e deliberativo, para prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal na formulação, atualização e implementação da PNB [Política Nacional de Biossegurança] de OGM [organismo geneticamente modificado] e seus derivados, bem como no estabelecimento de normas técnicas de segurança e de pareceres técnicos referentes à autorização para atividades que envolvam pesquisa e uso comercial de OGM e seus derivados, com base na avaliação de seu risco zoofitossanitário, à saúde humana e ao meio ambiente154.

154 BRASIL, 2005, op. cit., on line.

Para o exercício de suas atribuições e uma vez definida como instância colegiada multidisciplinar, a CTNBio compõe-se de vinte e sete membros. Destes, doze são especialistas de notório saber científico e técnico, em efetivo exercício profissional, distribuídos em quatro diferentes áreas científicas (saúde humana, animal, vegetal e meio ambiente – ou seja, três especialistas de cada área) e nove são representantes livremente indicados por ministérios que guardam relação com a área biotecnológica155. Os outros seis também são especialistas de

diferentes área do conhecimento, sendo indicados por cada um dos Ministros da Justiça, da Saúde, do Meio Ambiente, da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Agricultura Familiar e do Trabalho e Emprego, com especialidade nas áreas de defesa do consumidor, saúde, meio ambiente, biotecnologia, agricultura familiar e saúde do trabalhador.

As diversas atribuições que lhes serão tocadas estão previstas no art. 14 da referida lei. Dentre estas, em sua maioria de caráter administrativo e técnico, cabe-nos a tarefa de destacar aquelas que se encontram previstas nos incisos III e IV do referido artigo, tendo em vista a relação direta com o princípio da precaução. Segundo estas normas, compete à CTNBio, num primeiro momento, estabelecer, no âmbito de suas competências, quais serão os critérios necessários para uma avaliação e monitoramento de risco de OGM e seus derivados. Uma vez estabelecidos estes critérios, caber-lhe-á a realização, especificamente em cada caso, da análise da avaliação de risco relativamente a estas atividades.

Não há dúvida de que tais medidas visam exatamente a aplicação concreta do princípio da precaução no momento de se avaliarem as atividades e os projetos envolvendo organismos geneticamente modificados e seus derivados, visando-se a redução da incerteza na identificação dos riscos envolvidos e, com isso, possibilitando-se a tomada de decisões. Esta avaliação, evidentemente, não se restringirá apenas a identificar os riscos potenciais da atividade ou sua provável ameaça ao meio ambiente e à saúde pública, pois será também concernente às suas vantagens e eficácia.

155 Ministério da Ciência e Tecnologia; Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Ministério

da Saúde; Ministério do Meio Ambiente; Ministério do Desenvolvimento Agrário; Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Ministério da Defesa; Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República; Ministério das Relações Exteriores. BRASIL, 2005, op. cit., art. 10.

De qualquer forma, observa-se que a primeira atribuição da CTNBio refere-se ao estabelecimento dos critérios de avaliação, ou seja, a definição da metodologia, das normas e procedimentos que serão necessários para a sua efetiva realização diante de um caso concreto.

Assim, no caso das plantas geneticamente modificadas, tem-se como exemplo a Instrução Normativa n.º 20, editada pela CTNBio em 11 de dezembro de 2001 e publicada em 17 de janeiro de 2002 que, em seu anexo, traça as normas que deverão ser obedecidas por aqueles que pretenderem produzi-las, importá-las ou comercializá-las. Trata-se, basicamente, de um questionário a ser respondido visando-se identificar os efeitos intencionais e não intencionais decorrentes da modificação genética sofrida pela planta que será submetida à análise. Nesse ponto, serão analisadas as características existentes no organismo do qual provém a seqüência do ADN ou ARN, que poderá ser animal ou vegetal, bem como as características próprias do vegetal que será o receptor desta seqüência, buscando-se com isso identificar o provável resultado deste cruzamento genético. Verifica-se, por exemplo, se tais organismos apresentam características de toxicidade, alergenecidade, se poderá apresentar algum fator de risco para a saúde humana ou animal, etc.156.

As normas contidas na referida instrução normativa coadunam-se com as considerações expostas no Manual de Segurança Biológica em Laboratório (Laboratory Biosafety Manual) elaborado pela Organização Mundial de Saúde, sendo pertinente destacarmos o seguinte trecho:

Muitas modificações não implicam genes cujos produtos são inerentemente perigosos, mas podem surgir efeitos secundários devido a alteração de características patogênicas ou não patogênicas existentes. A modificação dos genes normais pode alterar a patogenicidade. Numa tentativa para identificar estes riscos potenciais, podem ser considerados os seguintes pontos (a lista não é exaustiva). 1. Há um aumento da infectividade ou patogenicidade? 2. Uma qualquer mutação incapacitante no recipiente pode ser superada como resultado da inserção do gene estrangeiro? 3. O gene estrangeiro codifica uma determinante de patogenicidade de outro organismo? 4. Se a ADN estrangeira inclui uma determinante de patogenicidade, é de prever que este gene possa contribuir para a patogenicidade do OGM? 5. Há disponibilidade de tratamento? 6. A susceptibilidade dos OGM a antibióticos ou outra forma de terapia será

156 COMISSÃO TÉCNICA NACIONAL DE BIOSSEGURANÇA (CTNBio). Instrução normativa n.º 20

de 11 de dezembro de 2001. Dispõe sobre as normas para avaliação da segurança alimentar de plantas geneticamente modificadas ou de suas partes e dá outras providências. Diário Oficial da

União: República Federativa do Brasil: Poder Legislativo, Brasília, DF, 17 jan. 2002. Seção 1.

afetada como conseqüência da modificação genética? 7. A erradicação dos OGM é possível? 157

A adoção de tais medidas se justifica porque as propriedades patogênicas (toxicidade, alergenecidade, etc.) e quaisquer riscos associados a tais organismos podem não estar bem caracterizados e surgir de forma inesperada. Assim, as propriedades do organismo doador (planta ou animal do qual será retirado o gene), a natureza das seqüências ADN que serão transferidas, as propriedades do organismo receptor (planta ou animal que receberá um gene de outra espécie) e as características do ambiente em que este será inserido devem ser avaliadas, buscando-se determinar o impacto que então será gerado158.

Todavia, se por um lado se reconhece a importância de tais normas por possibilitarem que o Princípio da Precaução seja aplicado de modo efetivo, por outro lado tais dispositivos refletem, contraditoriamente, uma eventual afronta ao mesmo princípio. Isso ocorre porque, ao se analisar o § 3.º do art. 16 da legislação em comento, verifica-se que a identificação de uma determinada atividade como sendo potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental dependerá de um juízo de valor por parte da CTNBio. Logo, infere-se que caberá a referido órgão deliberar, em última e definitiva instância, sobre a relevância de se realizar ou não a avaliação de riscos e o Estudo de Impacto Ambiental.

E não é sem razão que referidos dispositivos, dentre outros existentes no texto da Lei 11.105/05, são atualmente objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI n.º 3526), em trâmite pela Suprema Corte. Afirmou o Procurador Geral da República que a dispensa do EIA nas atividades abrangidas pela Lei de Biossegurança seria uma afronta aos dispositivos constitucionais que estabelecem o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), além de ferir a norma do art. 225 que determina ser incumbência do Poder Público exigir a elaboração de Estudo Prévio de Impacto Ambiental nas instalações de atividades causadoras de significativa degradação ao meio ambiente. Dessa forma, manifestou- se o então procurador dizendo que

157 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Manual de segurança biológica em laboratório. 3. ed.

Genebra: OMS, 2004. p. 110.

se toda planta geneticamente modificada, em princípio, pode expressar características não desejadas pela alteração artificialmente feita em seu genoma, isso implica dizer que ela será sempre potencialmente causadora de significativo impacto ambiental. Têm-se aqui uma zona de certeza positiva, logo inconteste, quanto a ser qualquer OGM potencialmente causador de modificações negativas no ambiente, sendo inconstitucional a delegação, dada intencionalmente pela lei, a um órgão do segundo escalão da administração para que possa dizer, em última e definitiva instância, o que o OGM não é ou, pior, que tenha poderes discricionários para não dizer o que todo OGM é pela sua natureza (os grifos estão no texto original).159

Discordando de tal posicionamento, Ericson Marques, afirma que a lei é constitucional porque não fere o § 1.º, IV do art. 225 Constituição, vez que, segundo o referido causídico, tal norma determina ser da competência dos poderes públicos a faculdade de exigir ou não a realização de estudo prévio de impacto ambiental para as atividades tidas como potencialmente degradadoras do meio ambiente160.

Evidente que tal posicionamento não possui condições de prosperar vez que basta a leitura do referido dispositivo constitucional para se verificar que não há faculdade, mas exigência por parte dos poderes públicos para que se realize o EIA quando identificada uma atividade capaz de gerar degradação ambiental. E, conforme muito bem ponderou o ex-Procurador-Geral Cláudio Fonteles, toda planta geneticamente modificada, por natureza, terá sempre o potencial de gerar riscos. Ao menos no estágio atual do conhecimento científico, onde preponderam, ainda, as incertezas.

Por todas essas razões, consideramos que, independentemente de qual venha a ser o posicionamento adotado pelo STF, quando inexistir a plena certeza científica relativamente aos riscos das atividades biotecnológicas, caberá à CTNBio, no exercício de suas atribuições, determinar a realização de Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), com avaliação e o monitoramento de riscos, uma vez que o princípio da precaução obriga a tomada de medidas preventivas161. A sua relevância, portanto, está na concretização do princípio da

159 Cf. ADI 3526, p. 23 e 24. Disponível, em sua integra, no site do STF em

<http://www.stf.gov.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=3526&processo=3526>. Acesso: em 24 mai. 2007.

160 MARQUES, Ericsson Gavazza. Nunca se falou tanto de bioética e biodireito no mundo. Consultor Jurídico. Disponível em: <http://conjur.estadao.com.br/static/text/40626,1>. Acesso em: 22 jan.

2006.

precaução e na forma como este visa determinar o nível de segurança biológica exigido para a manipulação segura do OGM, assegurando que os benefícios da tecnologia de recombinação de ADN sejam alcançados com uma menor incidência de danos ao meio ambiente e à saúde humana.

A análise em seguida a ser feita, relativamente às células-tronco e transgênicos, buscará demonstrar como a abordagem do Princípio da Precaução, seja como fundamento bioético, seja com fundamento biojurídico, será imprescindível para se alcançar esse ideal.

4.3 O Princípio da Precaução e a responsabilidade nas pesquisas com