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Tem-se buscado chamar a atenção, ao longo de todo esse trabalho, até mesmo de forma exaustiva, deve-se reconhecer, a respeito dos riscos que o avanço biotecnológico gera para toda a sociedade. Não há nenhuma novidade nessa constatação, pois tal preocupação é tão antiga quanto as expectativas por benefícios que por aquele podem ser proporcionados.

De fato, desde que se passou a desenvolver as primeiras reflexões a respeito da regulamentação destas atividades, sempre foi uma constante a cautela dos legisladores em se desenvolver uma política de biossegurança que viesse a preservar tanto os interesses da sociedade quanto os interesses do desenvolvimento científico184.

E para que as normas legais referentes à engenharia genética refletissem de forma fiel todas essas preocupações, necessária seria uma regulamentação com a possibilidade concreta de controle sobre tais atividades, evitando-se, na maior medida possível, a ocorrência de danos ou ameaças destes à vida humana e ao meio ambiente.

Torna-se evidente que, se existe uma probabilidade de ocorrerem danos, necessário se faz o estabelecimento dos meios para apuração da responsabilidade decorrente destes, desde que de acordo com a natureza própria de tais atividades, bem como em consonância com os atuais paradigmas da Bioética e do Biodireito.

184 Nesse sentido, Cf, LIMA NETO, Francisco Vieira. Responsabilidade civil das empresas de engenharia genética: em busca de um paradigma bioético para o direito civil. Leme: LED, 1997. p.

Por isso é que se ressaltou, no início do presente trabalho, a importância dada à evolução do conhecimento jurídico para que este possa corresponder de forma satisfatória aos novos desafios desencadeados a partir destas novas tecnologias, sendo imprescindível, dentre outros aspectos, a abordagem interdisciplinar do fenômeno jurídico185, especialmente quando as

questões tratadas referirem-se a áreas distintas das ciências humanas, como é o caso da biotecnologia. Nesse sentido, deve-se buscar a doutrina que melhor atenda aos interesses da coletividade e do bem-estar social, privilegiando as teorias que garantam o máximo de eficácia possível à proteção ao meio ambiente e à vida das pessoas, até porque esta é a vontade expressa pela Constituição (art. 225, caput, CF).

Assim, no que se refere ao estudo da responsabilidade em biossegurança, deve-se considerar que a sua abordagem adquire contornos próprios, o que implica, dentre outros aspectos, o abandono de certos conceitos que tradicionalmente compuseram a análise deste instituto tão relevante na esfera civil. É que, ao se considerar a natureza dos fatos e das atividades que envolvem a manipulação de material genético em laboratório, os riscos e as incertezas de seus efeitos, torna-se inviável a adoção dos critérios que comumente são utilizados para a caracterização da responsabilidade.

E, nesse sentido, como é cediço, doutrina e jurisprudência costumam apontar como requisitos, por vezes com pequenas variações, os seguintes elementos: conduta ilícita e culposa, dano ou prejuízo e nexo de causalidade186. Presentes tais exigências, considera-se violado todo o ordenamento jurídico, surgindo ao agente responsável a obrigação de reparar o dano ou sanar o prejuízo que sua conduta causou a terceiro.

No entanto, ao se falar em atividades que lidam com organismos geneticamente modificados, alguns destes elementos não poderão ser considerados, até mesmo porque incompatíveis com a natureza destas, conforme já foi dito anteriormente.

185 Cf. Capítulo 1.

186 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3.

Primeiramente, deve-se considerar que o ato que provocará o dano e gerará a obrigação no âmbito biotecnológico poderá ser lícito. Isso porque, embora agindo dentro dos limites impostos pela legislação, o responsável por sua prática nem sempre poderá controlar os seus efeitos que, conforme tanto tem se insistido, são totalmente incertos e imprecisos, especialmente no que se refere aos efeitos da manipulação genética. Muito embora os estudos nesta área sejam, na atualidade, bastante avançados, ainda configuram-se uma verdadeira incógnita os eventuais malefícios que estes poderão causar e, repita-se, mesmo quando a ação decorrer de uma determinada atividade padrão, cientificamente controlada e, portanto, lícita.

O mesmo raciocínio pode ser feito quanto ao elemento dano. Conforme tem-se afirmado, eventuais efeitos danosos decorrentes das atividades biotecnológicas que hoje são praticadas poderão levar décadas para surgirem efetivamente. Assim mesmo, incertos são o grau e a extensão destes, muito embora possam eventualmente ser previsíveis. Em outros casos, a mera ameaça de ocorrerem danos poderá ser suficiente para que determinadas medidas de precaução sejam adotadas, sendo este um dos objetivos do princípio que leva o mesmo nome e que é o objeto de estudo desta dissertação187. Evidentemente, a

responsabilidade surgirá de forma antecipada, ou seja, antes que os danos concretos efetivamente surjam. Dessa forma, as medidas a serem obrigatoriamente tomadas pelos responsáveis não poderão ser postergadas, devendo ser praticadas desde quando for identificado o eventual risco ou a mera ameaça de ocorrerem.

Nesse sentido, inclusive, é que se enquadram os critérios para aplicação do Princípio da Precaução como já se afirmou ao longo de todo esse trabalho.

De qualquer forma, sejam os danos efetivamente considerados ou seja a ameaça de ocorrência destes, deve-se ter em mente que as dificuldades

187 Aliás, deve-se fazer uma ressalva quanto a esta questão. Ao longo de todo o presente trabalho

tem-se falado em riscos de danos, até mesmo porque a essência do Princípio da Precaução está em evitá-los de forma prévia, uma vez que incertos. Quando estes surgem de forma já previsível, adota- se o Princípio da Prevenção, que se distingue do anterior justamente por essa razão, conforme já se ponderou no Capítulo 2 da presente dissertação. Portanto, neste ponto, quando se está a tratar de dano efetivamente concretizado, entende-se que ineficazes ou inertes foram as condutas tendentes a precavê-lo ou preveni-lo, surgindo, dessa forma, a responsabilização.

serão absolutamente extensas se houver a pretensão de se enquadrar tais atividades no conceito de dano adotado pela doutrina e pela jurisprudência, especialmente quando considerada a legislação civil188, razão pela qual deve-se

adotar uma concepção mais ampla visando-se as finalidades buscadas pela Lei de Biossegurança189.

Ante tais considerações, de que forma, então, será tratada a responsabilidade no que se refere às atividades envolvendo biotecnologia?