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1.4 A importância dos cuidados maternos na perspectiva de D W.

1.4.1 Cuidados maternos e saúde mental

Ao nascer, o bebê experimenta novas sensações e depara com a necessidade de garantir a continuidade da existência. Separações e descobertas, de início, são corporais – o bebê apenas sente um eu, que, aos poucos, será discriminado do “não eu”. Trata-se de um percurso em direção ao nascimento psíquico.

Em toda a sua obra, Winnicott afirma que o amadurecimento psíquico está centrado na relação mãe-bebê, dedicando-se, então, a elencar e descrever os cuidados a serem ofertados pela mãe suficientemente boa. Destacou, ainda, conforme Abram (2000), que uma relação mãe-bebê suficientemente boa se

assemelhava à técnica analítica, ao ambiente de holding próprio do contexto terapêutico, importante, principalmente, para pacientes que viveram fracassos ambientais nos primórdios da vida.

Convicto da existência de uma tendência inata em todo ser humano ao crescimento e desenvolvimento, à integração e com um potencial criativo herdado, Winnicott (1983), originalmente em 1961, destaca que, para que todo esse potencial se realize, é necessário um ambiente que o favoreça. Nesse ambiente, o autor afirma que só há um bebê se houver uma mãe, enfatizando, assim, a absoluta dependência desse ser dos cuidados maternos. Essas experiências primárias vão sendo registradas e se acumulam como memórias corporais.

Assim, ao nascer, ainda sem um ego estruturado e dependente dos cuidados ambientais, o bebê precisa de uma mãe devotada, sintonizada com o ritmo e os gestos de seu filho. Por meio de sua devoção e sensibilidade (“preocupação materna primária”), essa mãe suficientemente boa vai então se adaptando constantemente às necessidades do bebê, de início, de maneira quase perfeita. Depois de um tempo, essa adaptação começa a deixar de ser tão completa, e a mãe terá de, necessariamente, falhar.

As particularidades dos cuidados maternos descritas anteriormente convergem para o ambiente de holding, físico e psicológico, essenciais ao bebê. Winnicott (1983), em 1960, sugere que a mãe não só cuide do bebê de acordo com as necessidades dele, mas também lhe forneça uma presença sem demandas. Esse ambiente não intrusivo possibilitará a “continuidade da experiência de ser”, podendo, desta última, surgir os gestos espontâneos do bebê.

Na tendência ao amadurecimento, Winnicott (1983), destaca a função do cuidado materno holding – amparo, sustentação, presença disponível para atender às necessidades do bebê, as quais mudam constantemente, promovendo o contorno, como os dos braços maternos, que dará o limite do corpo, amparando o recém-nascido e favorecendo o sentir-se vivo. Mantendo- se estável no tempo, esse amparo leva à confiança na estabilidade do mundo, permitindo que o bebê durma e acorde, sem ameaças, podendo assim experimentar estados de regressão e até mesmo entrar em contato com alguma ansiedade, pois o amparo materno possibilita vivê-la sem desintegrar-se.

O holding protege contra as agressões provocadas pelos estímulos mais intensos, como luz, som, frio, calor, odores, levando em conta a sensibilidade pessoal do tato, a audição, a visão, o olfato e, ainda, a sensibilidade ao desequilíbrio e à queda. Assim, quando a mãe devotada oferece os cuidados físicos ao bebê, ela também expressa todo o seu amor. Obviamente, não se trata de cuidados físicos realizados de forma mecânica e instrumental, mas de uma atitude amorosa e de escuta às necessidades do bebê, ou seja, há sempre uma importante participação da vida psíquica materna e da vida psíquica nascente do bebê.

Na complexidade dos mecanismos psíquicos e através do holding, ocorre, então, a progressão da dependência absoluta para a dependência relativa. Essa mãe que tranquiliza é introjetada pelo bebê, que passa a ter dentro de si a voz e a presença maternas, possibilitando o seu percurso rumo à independência crescente, embora nunca absoluta. Winnicott (1983), chamou de “objeto subjetivo” o conjunto dessas interiorizações. O autor destaca que isso favorece entrar em um estado de relaxamento, ou estado de tranquilidade, que contrasta

com os momentos de fome, dor ou raiva intensas, os “estados excitados”. Além disso, essas interiorizações do objeto subjetivo criam o sentimento de confiança, presente por toda a vida, que influenciará na maneira de ser filho, de ser mãe e pai no futuro, nos momentos de encontros, desencontros, de dor, desespero, desamparo e medo; enfim, na forma de dar e receber amor.

No artigo “As funções antitraumáticas do objeto primário: holding, continência e rêverie”, Cintra (2003) ressalta que estar disponível ao bebê recém-nascido, ofertando-lhe holding, protege-o das angústias mais arcaicas, da sensação de cair para sempre, ou, nas palavras da autora:

(...) de perder a sustentação afetiva e sentir-se abandonado. Contra a queda e sua vertigem, os bebês de todas as idades precisam de um ego auxiliar que venha a dar apoio firme à coluna vertebral e ao ego incipiente, incapaz de sustentar-se por si só (CINTRA, 2003: 39).

De fato, frequentemente observamos bebês no colo apoiando os pezinhos nos quadris da mãe ou segurando com força o dedo de um adulto, expressando o medo de cair.

Em razão do holding suficientemente bom, o bebê adquire a capacidade de integrar a experiência e desenvolver o sentimento de “eu sou”. O ambiente desempenha então o papel de sobrevivência à destrutividade do bebê (agressão primária), possibilitando que ele perceba o mundo ao seu redor. Conforme Winnicott (1983), quando o objeto, a mãe suficientemente boa, permanece o mesmo, inteiro diante da agressividade, pode responder aos sinais espontâneos emitidos pelo bebê e, assim, promover o desenvolvimento emocional dele.

Importante lembrar que, no que se refere à agressividade primária, Winnicott discordou de Melanie Klein, para quem essa agressividade estaria

relacionada a uma manifestação da pulsão de morte, inata e sinônima de voracidade, sadismo e inveja no bebê. Na perspectiva winnicottiana, segundo Abram (2000), agressividade primária significa motilidade e atividade, e vai se modificando à medida que o bebê cresce, apenas se tornando destrutiva ou patológica diante de falhas ambientais muito disruptivas.

Winnicott (1983), afirma então que, quando a mãe não apresenta condições de ser suficientemente boa, o bebê pode desenvolver uma complacência, um falso self, uma defesa, ou uma destrutividade patológica. Algo que não se integrou à personalidade permanece dividido em uma personalidade imatura.

Nesses casos, no contexto terapêutico, é de suma importância que o analista proporcione um ambiente de holding, de manejo, em especial nos cuidados ofertados a crianças e adolescentes com tendência antissocial, e também a pessoas com profundas dificuldades, que apresentam uma pulsionalidade que dificulta o trabalho daqueles que cuidam deles. Na análise, no setting, com o trabalho interpretativo, devemos criar o ambiente de holding, a partir do qual o espaço potencial pode ser concebido.

1.4.2 O traumático em Winnicott: o medo do colapso (breakdown)