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Somos mentes evoluídas do verde e amarelo/ Somos quadros bem pintados por um artista cego.

(THAÍDE & DJ HUM – Soul do Hip Hop)

As raízes da cultura Hip Hop, ao contrário do que muitos pensam e afirmam, germinaram na Jamaica. A história desse país é semelhante a do Brasil: foi colonizada por europeus; sofreu com o genocídio dos nativos (os índios arawak); foi rota de tráfico de africanos escravizados e construída pela mão de obra escrava; os africanos escravizados não tiveram apoio e/ou não foram ressarcidos após a abolição; e, finalmente, passou por crises políticas, econômicas e sociais em seu processo de independência.

Nas primeiras décadas do século 20, em razão do contexto de desigualdade social e de precárias condições de vida, jovens jamaicanos encontraram na música uma forma de

contestação de suas vidas cotidiana. Chamados também de rude boys, tinham a música como uma

Criação de canções que discorriam sobre o próprio cotidiano era uma das únicas das opções para esses rapazes, que tinham geralmente uma vida de muito risco e, geralmente, bastante curta, no trânsito entre a miséria e a violência. Para um rude, a única maneira de ser livre dos bairros de West Kingston era um single de sucesso ou um tiro da polícia. (LINDOLFO FILHO apud SOUZA, 2011, p. 59)

Em 1960, jovens jamaicanos promoviam festas em comunidades, onde foi possível construir uma referência de encontros e de manifestações por meio de versos e de improvisos feitos sob o som dos toca-discos (pick-ups). As festas também aconteciam nas ruas com a sonorização do sound system, sistema sonoro em que se tocava reggae e outros estilos de música jamaicana.

A técnica conhecida como toast, baseava-se no modo falado de cantar, na forma de se expressar, de narrar os fatos cotidianos e de fazer crítica. Essa narrativa oral é uma herança cultural, de matriz africana, a qual era realizada pelos chamados griots africanos. “Na África ocidental, os trovadores (griots) eram os guardiões da história cultural. Sua canção folclórica falada deu origem às artes verbais nos Estados Unidos.” (NATIONAL GEOGRAPHIC, 2007, p. 68, tradução minha).

Foi a influência dessa cultura que, no fim dos anos de 1960 e 1970, com a migração de jovens jamaicanos para os Estados Unidos, carreou mais força para a formação da cultura Hip Hop.

Clive Campbell – mais conhecido como DJ Kool Herc81– é reconhecido como um dos

precursores da cultura Hip Hop. Levou para Nova York/EUA as técnicas utilizadas na Jamaica, apropriando-se, consequentemente, dos estilos musicais afrodescendentes daquela época.

Segundo Herschmann (2005, p. 21), foram Kool Herc e, seu discípulo, Grand Master Flash, que:

começaram a dar festas no gueto do Bronx (NY), utilizando-se de técnicas que posteriormente se tornariam fundamentais para este tipo de música eletrônica. Dentre essas técnicas, eles introduziram os sounds system, mixadores, scratch e os repentes eletrônicos, que ficaram posteriormente conhecidos como raps.

81 Nasceu em Kingston, na Jamaica e imigrou para os Estados Unidos em 1967, quando tinha 12

Por essa razão, Kevin Donavan82, conhecido como Áfrika Bambaataa, aperfeiçoou a técnica trazida pelo DJ Kool Herc e, em 12 de novembro de 1973, fundou a Zulu Nation83. Um ano depois, em 12 de novembro de 1974, Áfrika Bambaataa, DJ Kool Herc, DJ Grand Master Flash e DJ Grand Wizard Theodore legitimaram as ações desenvolvidas por essa arte, que recebeu o nome de Hip Hop.

Figura 7 – King Nino Brown e Áfrika Bambaataa, na Casa do Hip Hop de Diadema/SP, em 2003. Crédito: arquivo pessoal de King Nino

Brown

O cenário, entre 1960 e 1970, foi marcado por um período de várias manifestações da população negra norte-americana sobre os direitos civis. Momento em que os enfrentamentos

82 Nasceu no dia 10 de abril de 1960, no bairro do Bronx, Nova York. De acordo com a Revista Da Rua, “com apenas 10 anos de idade Kevin Donovan [Áfrika Bambaataa] era líder de uma gangue

chamada Black Spades e já tocava em festas caseiras. Aos 13, conheceu um sujeito que também seria um pioneiro da cultura Hip Hop, o DJ Kool Herc. Quando viu Kool Herc andando com a primeira

pick-up [toca-disco] (aquela mala metálica em que o DJ leva seus toca-discos), que se tem notícia,

debaixo do braço, e discotecando a música de James Brown de uma forma totalmente diferente, quebrada em breakbeats, pedaços que se repetiam, o tal do Kevin se entusiasmou tanto que largou a gangue e decidiu que ali estava seu futuro. Desde essa época, o moleque gostava de estudar a história da África, fuçou tanto que descobriu nos livros um chefe Zulu do século XIX e se batizou com o nome dele: Áfrika Bambaataa”. (REVISTA DA RUA, n. 5, p. 25)

83Segundo informações de King Nino Brown,

“a Zulu Nation é uma organização que existe em vários países e luta pela divulgação e fortalecimento da cultura Hip Hop. No Brasil, Nino Brown iniciou as articulações com a Zulu Nation em março de 1994. Após anos de pesquisas e de estudos, ele foi batizado como King Nino Brown, por Áfrika Bambaataa, e, em junho de 2002, a Zulu Nation Brasil se torna uma organização não governamental (ONG). Criada a partir da necessidade de organizar as atividades de seus membros, todos ligados à cultura negra e ao movimento Hip Hop, privilegia ações sociopolíticas e culturais, com a juventude de periferia, em especial a mais carente e em situação de vulnerabilidade. A Zulu Nation Brasil divulga a missão da Zulu Nation, por meio de oficinas socioculturais, palestras, seminários nacionais e internacionais (Europa), encontros de jovens, eventos realizados em escolas nos centros culturais, núcleos habitacionais municipais da capital paulistana, e em outras cidades e estados do Brasil. Os membros da Zulu Nation Brasil possuem representação em dez capitais no País; são jovens que sempre estiveram na cultura Hip Hop”.

e as manifestações foram acirrados contras as leis de segregação e que os estilos musicais afrodescendentes norte-americanos eram constituídos pelo jazz, o soul e o funky.

O jazz surgiu nas primeiras décadas do século 20 (TELLA apud ANDRADE, 1999) e expressou toda a conjuntura dos conflitos raciais vivenciados nos Estados Unidos. Esse estilo musical foi formado pelos seguintes elementos:

Os ritmos sincopados, as improvisações de ragtime e o blues propiciaram a formação do jazz, música baseada em um conjunto de vários instrumentos, com os quais as pessoas podiam dançar. Os estilos posteriores afastaram-se das estruturas tradicionais de acordes, melodias e ritmos.84 (NATIONAL GEOGRAPHIC, 2007, p. 69, tradução minha).

O soul85surgiu no fim da década 1950 e foi criado a partir da mescla do estilo gospel, dos afrodescendentes norte-americanos, com o rhythm and blues, também conhecido como (R&B). Esse estilo musical também entoou a resistência e a luta dos afrodescendentes para a legitimação de seus direitos civis, e teve o mestre James Brown como uma de suas principais referências.

Já o funky86 surgiu no fim da década de 1960 e passou por um processo de mudança de status, ou seja, de um caráter negativo em relação ao sentido do termo, para um caráter positivo, relacionando-se ao “orgulho de ser negro”. Alguns autores afirmam que, nesse período, houve uma fase em que o soul teria perdido o seu alto papel questionador “virando mais um rótulo comercial” (TELLA. In: ANDRADE, 1999, 57).

O funk radicalizava suas propostas e empregava ritmos mais pesados e arranjos mais agressivos, na tentativa de extrair toda a influência branca, refletindo na não aceitação destes como parceiros musicais. Esse era um novo momento, uma afirmação da música e do músico negro na sociedade norte-americana.

84 Entre tantos, cito algumas referências do jazz: The Modern Jazz Quarter, Miles Davis, Lee Morgan,

Billie Holiday, Nina Simone, Sarah Vaughan.

85 Soul significa “alma”, de acordo com a Revista National Geographic (2007). O contexto musical

vivenciado pelo soul propiciou a construção de várias gravadoras em Detroit, Memphis e Filadelfia. Outra referência desse estilo foi Ray Charles; o filme Ray (2004), baseado na história desse artista, ilustra bem o período.

86 Herschmann afirma que, apesar das leituras mais favoráveis, os sentidos atribuídos aos termos funk e funky guardam ainda certa ambiguidade. Segundo o dicionário Novo Michaelis (1994, p. 449

apud HERSCHMANN, 2005, p. 31): “Funk – medo, susto, pânico, pavor; 2. Medroso, covarde, ter medo de, temer; 2 aterrorizar, assustar, intimidar; 3. Evitar, esquivar-se, fugir de, escolher-se, acovardar-se; Funky – música de estilo e sentimento simples e rústico. Na gíria – batuta, bom” . É importante chamar a atenção para que não se confunda o funky daquele período (o funky de raiz), do qual cito como referência Sly Stone, Earth, Wind & Fire, The Ohio Players, Kool & The Gang, George Clinton, Bar-Kays, entre outros, com o funky brasileiro atual, que, na verdade é Miami Bass. Ou seja, aqui no Brasil, houve a mudança do conteúdo, com a permanência do nome.

Em suma, esses foram os principais estilos que buscavam uma transformação por meio da arte, do protesto cantado. Nessa conjuntura, os Estados Unidos tinham altos índices de violência e de tráfico de drogas e os jovens moradores de comunidades eram os mais afetados com essa questão.

Conforme Keys (apud SILVA, 1999, p. 27), “o termo hip-hop está associado aos movimentos da forma popular de dançar, que envolvia movimentos como saltar (hip) e movimentar os quadris (hop).” (SILVA. In: ANDRADE, 1999, p.27).

Aparentemente, o significado da palavra representa um sentido festivo e simples, porém, em sua essência, traz um traço contundente de críticas, denúncia e manifestações, de cunho social, político e cultural, apresentado por alguns grupos de RAP87.

A cultura Hip Hop é constituída pelos seguintes elementos:

O DJ (Disc-Jóquei) desempenha o controle sonoro e/ou desempenha performances,

por exemplo: o scratch, que é o movimento realizado com a mão em cima do vinil – para frente e para traz –, girando o disco no sentido contrário, para produzir sons diversificados; e o back to back, manuseio com dois vinis ao mesmo tempo, um em cada toca-disco (pick-up), utilizando algum trecho do instrumental; ou breakbeat, parte cantada pelo rapper/cantor, a fim de montar a letra e com a repetição, ou a sequência da batida, criando grooves ou loops.

De maneira geral, os DJs utilizam os toca-discos (pick-ups), fones de ouvidos e mixer – misturador de sons –, aparelho em que os DJs conectam os demais equipamentos. Assim, “a sobreposição de músicas que têm andamento, ritmo e tonalidades diferentes. Nas mãos dos DJs tais equipamentos transformam-se, verdadeiramente, em instrumentos musicais” (AZEVEDO; SILVA. In: ANDRADE, 1999, p. 79).

Com mais frequência, na cultura Hip Hop, os DJs utilizam o vinil para a realização de suas performances, mas também há DJs de/em outros estilos musicais. O DJ pode realizar várias funções: fazer parte de um grupo de RAP específico; trabalhar como freelancer em diversos grupos de RAP; tocar em eventos; realizar performances em campeonatos; ser DJ e produtor musical; dentre outras.

87 Como exemplo, cito alguns grupos de RAP norte-americanos: na costa leste, Run-DMC, LL Cool J,

Boogie Down Productions, Salt-n-Pepa, Beastie Boys, Public Enemy, De La Soul, A Tribe Called Quest, Queen Latifah, Wu-Tang Clan, Notorius B.I.G, Missy Elliott, Jay-Z, Nas, Sean Combs, The Roots e The Fugees; e na costa oeste, Ice-T, NWA, Tupac Shakur, Dr. Dre e Snoop Doogg.

Figura 8 – DJ ACoisa, em plena performance.Crédito: arquivo pessoal do DJ ACoisa.

Figura 9 – DJ Erick 12, em seu estúdio88. Crédito: arquivo pessoal de Erick 12

O MC (Master of Ceremony – mestre de cerimônia), também chamado de rapper, é aquele que geralmente compõe e canta o RAP. Tem como principal instrumento a linguagem, acompanhada de sua capacidade crítica de composição, por meio dos versos e das rimas.

88 Erick 12 é um dos DJs mais conceituados no cenário do RAP nacional brasileiro. Foi DJ e produtor

durante sete anos, de um dos principais grupos de RAP no Brasil, Facção Central. Este grupo foi o mais citado pelos adolescentes durante as oficinas e, principalmente, nas entrevistas realizadas para este trabalho. Erick 12 exerce várias atividades na cultura Hip Hop, além de DJ e produtor musical, também é MC e produtor de videoclipes.

O MC também pode fazer uso de outras habilidades, como a declamação de versos, o discurso reflexivo sobre algumas questões e a arte de improvisar versos, conhecido como freestyle, modalidade que se refere à batalha entre dois ou mais MCs. Nela, estipula-se um tempo para que possam duelar, elaborando, na hora, versos e rimas de ataque ao(s) seu(s) oponente(s)89.

O RAP envolve não somente a questão do canto, mas também o poder que o rapper tem de expressar o que sente e/ou pensa, por meio das letras e, até mesmo, do posicionamento de seu corpo, cujos movimentos parecem de enfrentamento, isso por utilizarem a linguagem corporal e facial, em que criam expressões corpóreas, por meio de vários gestos com as mãos, do balançar do corpo, etc.

Figura 10 – Rapper Moyses, do grupo A 286, durante show. Crédito: arquivo pessoal de Moyses.

O breaking90 é uma modalidade de dança realizada pelos B. Boys ou B. Girls por meio de vários passos, como o top rock (que é a entrada na roda de dança); o footwork (conhecido como sapateado); e o freeze (que é o encerramento da dança). São movimentos precisos,

89 No filme 8 Mile: rua das ilusões (2002), dirigido por Curtis Hanson,

Jimmy “Rabbit” – interpretado por Eminem – é um jovem rapper branco, que sonha conseguir um espaço no mundo do RAP. Ele reside em um bairro majoritariamente de negros – Warren, no norte da cidade de Detroit, em Michigan/USA. Rabbit tem como desafios superar as brigas entre as gangues, os preconceitos e os conflitos familiares. O documentário The MC: why we do it aborda distinções entre ser MC e rapper, porém não aprofundarei, aqui, essa questão.

envolventes e muito expressivos, numa articulação entre powermoves – movimentos acrobáticos de força –, no tempo certo do breakbeat.

Nessa modalidade da cultura Hip Hop, “a palavra transforma-se em movimentos, em mobilidades dos corpos: velocidades, gingas e saltos que, por meio da dança, constituem um território de existência minimamente consciente.” (SANTOS, 2009, p. 39).

Figura 11 – B.Boy Alan, em plena performance. Crédito: Daniel Péricles Arruda (Casa do Hip Hop, em Diadema/SP). Data: 27/11/2010.

O graffiti é a arte visual expressa por meio de desenhos e de letras em vários formatos, produzidos com spray, principalmente em viadutos, muros e trens. É marcada por técnicas e criatividade em sua produção.

Durante muitos anos, o graffiti foi visto de maneira preconceituosa e negativa pela sociedade. Hoje, percebo um avanço nessa questão, na medida em que conseguiu elevar-se ao patamar da arte – não que antes não fosse –, mas as suas dimensões próprias possibilitaram romper preconceitos e despertar a atenção e o interesse das pessoas91.

Historicamente, os desenhos feitos nas cavernas ou as imagens feitas pelos maias, incas e astecas podem ser tidos como referências do graffiti: “O ‘carvão’ de antes é o spray de hoje”.

Figura 12 – Graffiti feito por Vespa, representando o rapper Sabotage, na Casa do Hip Hop, em Diadema/SP. Crédito: Vespa. Data: 27/11/2010.

O conhecimento é um elemento que apresenta várias interpretações na cultura Hip Hop. Uns defendem sua especificidade, por acreditar que ele representa a busca da raiz histórica da cultura Hip Hop, na perspectiva de manifestação política e cultural. Outros acreditam que se expressa de maneira mais intensa e contundente, por meio da literatura marginal – modalidade literária produzida pelos poetas e escritores que são da periferia ou que abordam temáticas oriundas dela. Há quem afirme que o conhecimento já está em todos os outros quatro elementos, por isso, não há necessidade de se criar mais um.

Nas palavras de Áfrika Bambaataa, “muita gente se concentra apenas nos quatro elementos do Hip Hop, mas muitos vão atrás do quinto elemento, o conhecimento.”93

Nesse contexto, o racismo, a pobreza e a violência já eram a tríade da realidade de muitas periferias das grandes cidades. A cultura Hip Hop foi abraçada pelos jovens, negros e moradores das periferias como forma de protesto e resistência. Uma identificação firmada pela linguagem e pela capacidade elaboradora de construir discursos e práticas tidas como revolucionárias contra o sistema94.

93 Resposta dada, em entrevista à Revista Da Rua, ao ser indagado sobre o porquê ele defende a

tese de que a história deve ser recontada, principalmente, a africana. (REVISTA DA RUA, n. 5, p. 25)

94 O sistema, muitas vezes mencionado pelos rappers, refere-se ao sistema capitalista e seus

Foi essa a cultura que chegou ao Brasil, no início da década de 1980, sob forte influência dos filmes Fame (1980), Flashdance (1983), Wild Style (1983), Beat Streat (1984) e Break (1984)95 e que possui como referência mais forte, a cidade de São Paulo96.

Na cidade de São Paulo, no início da década de 1980, jovens oriundos da periferia encontraram na dança – breaking – uma forma de criarem a sua “cultura de rua”. Nesse período, havia encontros de dança na Praça da Sé, na Praça Ramos, mas o lugar que realmente fincou raízes foi na Rua 24 de Maio, em 1984. Foi na Estação de Metrô São Bento que surgiram as crews de breaking: Nação Zulu, Crazy Crew, Street Warriors e Back Spin Kings. Havia ainda outros grupos de expressão, como: Eletric Boogies, Dragon Breakes, Búffalo Girls e Jabaquara Break. Cito também os grupos Black Juniors, que participavam de programas de televisão, e Funky & Cia, do qual Nelson Triunfo e King Nino Brown faziam parte. Esses estão entre as principais pessoas que mais divulgaram a cultura Hip Hop pelo Brasil. Nesse período, na Rede Record, havia dois concursos, um de break e outro chamado Michael Jackson; e no programa do Gugu, no SBT, o Viva a Noite, trazia o concurso de funky original.

Referência em todo País, a cultura Hip Hop da cidade de São Paulo mostrou-se aos jovens paulistanos como expressão do sentimento de pertencimento, de possibilidades reais de transformação e de manifestação.

Foi em São Paulo que surgiram rappers e grupos de RAP, como Consciência Humana, Potencial 3, Pavilhão 9, Código 13, RPW, Dina Di, Sharylaine, Cris Lady RAP, Thaide & DJ Hum97, DMN, RZO, Sabotage, Racionais MC’s, Facção Central, entre vários outros.

Os dois últimos grupos citados eram os mais ouvidos pelos adolescentes com os quais trabalhei no Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead). Um fato interessante é que Belo Horizonte e Região Metropolitana possuem vários grupos de RAP, mas eles não eram mencionados pelos adolescentes. Por que isso acontecia?

De acordo com Dayrell (2005)98, a cultura Hip Hop de Belo Horizonte não se constituiu da mesma forma que a de São Paulo. O autor apresenta o depoimento do rapper Zero, do grupo Face Oculta:

95 Há uma série de filmes mais recentes que abordam essa questão, como No Balanço do Amor

(2001). O filme Fame (1980) foi adaptado em 2010, com o título em português, Fama.

96 No documentário Nos tempos da São Bento, o rapper

GOG afirma que “o Hip Hop não nasceu em São Paulo. Ele ‘pipocou’ no País inteiro”. Há no RAP nacional brasileiro uma diversidade de estilos que envolvem traços característicos de cada região.

97 A dupla foi desfeita há alguns anos, mas ambos continuam a realizar os seus respectivos trabalhos.

O rapper Thaíde é um dos apresentadores do programa A Liga, exibido na emissora Bandeirantes.

98 Dayrell (2005) faz um estudo pertinente sobre a história e o desenvolvimento da cultura Hip Hop,

Aqui em BH o pessoal das antigas não levou o RAP pra periferia. Eles fez tudo errado, trabalhou visando grana, e o hip hop não é assim não. O que houve lá fora: eles levaram o hip hop para o povo, para as escolas, aquele lance de conscientizar as mães para que elas não se preocupem quando o filho estiver naquela, até nos presídios eles levaram. Se eles tivessem trabalhando na época, hoje a gente tava aí colhendo... (DAYRELL, 2005, p.57)

Não pretendo aprofundar a questão, embora seja importante, mas é necessário refletir acerca do desenvolvimento da cultura local, no próprio local, e as condições materiais que estavam existentes no seu processo de produção. A identificação dos adolescentes com os quais trabalhei, em Belo Horizonte, com o RAP paulista não é diferente da dos próprios jovens que promoviam a cultura Hip Hop em Belo Horizonte, que, por diversas dificuldades, vivenciadas naquele contexto

[...] não perceberam que o público potencial que poderia lhes dar uma base de sustentação era exatamente aquele da periferia. Nessa fase, o discurso de denúncia dos rappers não foi acompanhado por qualquer ação concreta nos bairros ou nos movimentos comunitários e políticos, a não ser, por iniciativas isoladas. (DAYRELL, 2005, p. 57)

Atualmente, o cenário da cultura Hip Hop, de Belo Horizonte e Região Metropolitana,