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ESPELHO DOS INVISÍVEIS: o RAP e a poesia no trabalho prático-reflexivo com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação em Belo HorizonteMG MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

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DANIEL PÉRICLES ARRUDA

ESPELHO DOS INVISÍVEIS: o RAP e a poesia no trabalho prático-reflexivo com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação

em Belo Horizonte/MG

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

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DANIEL PÉRICLES ARRUDA

ESPELHO DOS INVISÍVEIS: o RAP e a poesia no trabalho prático-reflexivo com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação

em Belo Horizonte/MG

Dissertação de mestrado apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Serviço Social, sob orientação da Professora Doutora Myrian Veras Baptista.

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São Paulo, ____/____/_______

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“O concreto é concreto porque é a síntese de muitas determinações, isto é, unidade do diverso. Por isso o concreto aparece no pensamento como o processo da síntese, como resultado, não como ponto de partida, ainda que seja o ponto de partida efetivo e,

portanto, o ponto de partida também da intuição e da representação.”

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A Deus, por existir concretamente em minha vida e por me dar ânimo e força todos os dias para seguir firme na minha caminhada.

À Profa. Dra. Myrian Veras Baptista, minha orientadora, que me proporcionou discussões importantes sobre a temática, por meio de sua sabedoria e da riquíssima capacidade de compreensão e de leitura reflexiva, que possibilitaram várias descobertas no processo de construção deste trabalho.

À Profa. Dra. Maria Lúcia Martinelli, pelas contribuições pertinentes no meu exame de qualificação, pela sensibilidade e pela humildade em lidar com o saber e com as pessoas.

À Profa. Dra. Luciene Jimenez, pela disponibilidade e pelo interesse de ter participado do meu exame de qualificação, com contribuições importantes.

Ao Prof. Jorge Enrique Mendoza Posada, pelo respeito e pelas influências na minha militância.

À Profa. Dra. Iris Amâncio, pelo carinho e pelo incentivo nesta trajetória.

Aos sujeitos da pesquisa, por terem colaborado com os seus depoimentos.

Ao Programa Internacional de Bolsas de Pós-Graduação da Fundação Ford, pela concessão da bolsa de estudos.

À equipe da Fundação Carlos Chagas, pelo acompanhamento realizado durante todo o processo do mestrado.

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(Seds), por permitirem a realização da pesquisa de campo.

Aos Programas de Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Campus Contagem e Coração Eucarístico/BH – por terem contribuído no meu processo de formação profissional e por sempre me receberem com respeito e carinho.

Ao Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead) e ao Serviço de Apoio à Reintegração Familiar (Sarf), pela confiança, compreensão e apoio, que colaboraram para o meu amadurecimento profissional e organização para o início do mestrado.

A Giana Késia, Silvério Rodrigues, Nayana Souza, Cláudia Silva, Adalete Paxeco, Patrícia da Silva Pinto, Sinval Guedes, Milene Garcia, Lucélia Ferreira, Leandra Baquião, Aracéli Vieira, Leandro Moreira, Júnia Costa, Evandro Passos, Rozangela Leite, Denílson Tourinho, Anderson Feliciano, Wanderley dos Santos, Fernanda Azevedo, Ricardo Vidal, Felipe Augusto (Bobina), Lindomar Sebastião, Renato, Clair, Li, Nikka, Moyses (A 286), Lindomar 3L, PMC, DJ Erick 12, DJ ACoisa, Alessandro Buzo, King Nino Brown (Zulu Nation Brasil), Nelson Triunfo (Casa do Hip Hop de Diadema/SP), Vespa e Alan. A cada um, por uma razão especial direta e/ou indireta neste trabalho e/ou na minha trajetória de vida.

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ARRUDA, Daniel Péricles. Espelho dos invisíveis: o RAP e a poesia no trabalho prático-reflexivo com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação em Belo Horizonte/MG. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

Esta dissertação teve por finalidade apreender a relação do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação com as oficinas de RAP e de poesia, tendo em vista o uso dessas artes como instrumento socioeducativo e como caminho para possibilitar a comunicação, a reflexão e a efetivação dos objetivos da medida. Trata-se de uma análise ex-post-facto sobre as oficinas de RAP e de poesia realizadas nos anos de 2007 a 2010 com adolescentes que estavam em cumprimento de medida socioeducativa de internação, no Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead), uma das unidades que executa a medida a adolescentes do sexo masculino, em Belo Horizonte/MG. Para a realização deste estudo foi de suma importância a análise de todos os registros feitos no período de 2007 a 2010, como filmagens, fotos, produção de letras de RAP e de poesias dos adolescentes, relatórios, prontuários, anotações do diário de campo, etc. Foram entrevistados: um adolescente e dois jovens adultos que participaram das oficinas quando adolescentes, com o objetivo de apreender os resultados das oficinas, na perspectiva dos seus sujeitos; dois profissionais que acompanharam essa prática de trabalho com os adolescentes; e um DJ, por ser uma das referências mais antigas da cultura Hip Hop no estado de Minas Gerais. As entrevistas realizadas com os profissionais tiveram por objetivo a apreensão dos significados que os mesmos atribuíram à sua realização. E, a entrevista com o DJ, deu-se em razão dele poder subsidiar a apreensão histórica da influência do Hip Hop na cidade e em sua relação com o adolescente. O percurso analítico realizado demonstrou que as oficinas de RAP e de poesia podem propiciar a apreensão e o trato de questões objetivas e subjetivas dos adolescentes, relacionadas à sua vida e à medida socioeducativa de internação que estão vivenciando, com maior aproximação de suas realidades.

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ARRUDA, Daniel Péricles. Mirror of invisible: the RAP and the poetry in the practical reflexive work with teenagers in fulfillment of measurable social-education internment in Belo Horizonte/MG. Dissertation (Master’s Degree) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012.

This dissertation had the goal of apprehend the relation of the teenager in fulfillment of measurable social-educational internment with of the RAP and of the poetry, in view of the use of this art as a socio-educational tool and as a way to enable the communication, the reflection and the realization of the objectives. It is an analysis ex-post-facto about the realized RAP and poetry workshops in the years 2007 to 2010 with teenagers that were in fulfillment of measurable social-educational internment Center of Adolescent Treatment (Cead) – Centro de Atendimento ao Adolescente in Portuguese. This is one of the units that execute the social-educational measure of internment to male teenagers at Belo Horizonte/MG. For the realization of this study, was of big importance the analysis of all registers that were made in the period of 2007 to 2010, and it was: footages, photos, production of RAP lyrics and poetry lyrics of the teenagers, reports, records, annotations in the field diary, etc. Were also interviewed a teenager and two young adults that, when teenagers, participated in the workshops; two professionals that accompanied this practice of work with the teenagers and one DJ for being one of the oldest references of the Hip Hop Culture at Minas Gerais state. The realized interviews with a teenager and two young adults aimed to apprehend the resulting of the workshops in the perspective of their subjects. The realized interviews with the professionals have had as objective the apprehension of the meanings that they attributed to its realization. And, the interview with the DJ, was in reason of him subsidize the historical apprehension of the influence of the Hip Hop at the city and in your relation with the teenager. The realized analytical course demonstrated that the RAP and the poetry workshops can propitiate the apprehension and the tract of objective and subjective questions of the teenagers, related to your lives and to the measurable social-educational of internment that they are experiencing, with bigger approximation to their reality.

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Figura 1– Local onde aconteceu a primeira oficina ... 45

Figura 2– Mensagem de entrada da oficina ... 47

Figura 3– Adolescente participando da oficina ... 48

Figura 4– Adolescente participando da oficina ... 48

Figura 5– Adolescente participando da oficina ... 50

Figura 6– Gráfico da evolução da privação e da restrição de liberdade no Brasil ... 69

Figura 7– King Nino Brown e Áfrika Bambaataa, na Casa do Hip Hop de Diadema/SP, em 2003 ... 86

Figura 8 – DJ ACoisa, em plena performance ... 89

Figura 9– DJ Erick 12, em seu estúdio ... 89

Figura 10Rapper Moyses, do grupo A 286, durante show ... 90

Figura 11B. Boy Alan, em plena performance ... 91

Figura 12– Graffiti feito por Vespa, representando o rapper Sabotage, na Casa do Hip Hop, em Diadema/SP ... 92

Figura 13– DJ ACoisa, no evento Hip Hop na Veia Pela Vida ... 97

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Tabela 1– Quadro de funcionários do Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead) ...34

Tabela 2– Modalidades de invisibilidade ...64

Tabela 3 – Distribuição percentual da idade dos adolescentes atendidos na medida socioeducativa de internação, em 2010, na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...70

Tabela 4 – Distribuição percentual do sexo dos adolescentes atendidos na medida socioeducativa de internação, em 2010, na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...70

Tabela 5 – Distribuição percentual da renda familiar (per capita) dos adolescentes atendidos na medida socioeducativa de internação, em 2010, na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...71

Tabela 6– Distribuição percentual da situação profissional dos adolescentes atendidos na medida socioeducativa de internação, em 2010, na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...71

Tabela 7 – Distribuição percentual da raça/cor autodeclarada dos adolescentes atendidos na medida socioeducativa de internação, em 2010, na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...72

Tabela 8– Distribuição percentual do estado civil dos adolescentes atendidos na medida socioeducativa de internação, em 2010, na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...73

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Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...74

Tabela 11 – Categorização dos atos infracionais praticados pelos adolescentes atendidos na medida socioeducativa de internação, em 2010, na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...75

Tabela 12 – Distribuição percentual do uso autodeclarado de álcool dos adolescentes atendidos na medida socioeducativa de internação, em 2010, na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...76

Tabela 13 – Distribuição percentual do uso autodeclarado de tabaco dos adolescentes atendidos na medida socioeducativa de internação, em 2010, na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...77

Tabela 14– Distribuição percentual do uso autodeclarado de maconha dos adolescentes atendidos na medida socioeducativa de internação, em 2010, na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...77

Tabela 15 – Distribuição percentual do uso autodeclarado de cocaína dos adolescentes atendidos na medida socioeducativa de internação, em 2010, na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...77

Tabela 16 – Distribuição percentual do uso autodeclarado de crack dos adolescentes atendidos na medida socioeducativa de internação, em 2010, na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...78

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Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...79

Tabela 19 – Distribuição percentual do uso autodeclarado de drogas sintéticas dos adolescentes atendidos na medida socioeducativa de internação, em 2010, na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...79

Tabela 20 – Sistematização de todas as tabelas referentes à autodeclaração do uso de alguma substância dos adolescentes atendidos na medida socioeducativa de internação, em 2010, na Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase) ...80

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INTRODUÇÃO ... 14

Capítulo 1 O CONTEXTO DA AÇÃO QUE NORTEOU A PESQUISA ... 19

1.1 A medida socioeducativa de internação ... 20

1.2 Histórico do Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead) ... 29

1.3 O trabalho desenvolvido pelo Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead) ... 31

1.4 Reflexões acerca do cotidiano institucional ... 37

1.5 A construção de uma metodologia de trabalho desenvolvida por meio do RAP e da poesia ... 40

1.6 Procedimentos facilitadores do uso da metodologia ... 51

Capítulo 2 A RELAÇÃO ATO INFRACIONAL E VIOLÊNCIA ... 59

2.1 Violência, invisibilidade e cultura: como entendê-las? ... 61

2.2 Quem são os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação? ... 68

Capítulo 3 A PESQUISA: O RAP E A POESIA COMO MEDIADORES DA TEORIA NA PRÁTICA ... 82

3.1 A arte ... 82

3.2 A cultura Hip Hop ... 84

3.3 O RAP e a poesia como discurso político e conhecimento crítico ... 95

3.4 A pesquisa ex-post-facto, seu espaçoe os procedimentos metodológicos ... 98

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REFERÊNCIAS ... 126

ANEXOS ... 135

Anexo A - Poesia – Ver e não ser visto – Autoria: Daniel Péricles Arruda (Vulgo Elemento) ... 135

Anexo B - Letra de RAP – A lágrima de um palhaço – Autoria: Daniel Péricles Arruda (Vulgo Elemento) ... 136

Anexo C - Letra de RAP – O bagulho é doido – Autoria: MV Bill... 138

Anexo D - Letra de RAP – Realidade – Autoria: Jibagoo e outros ... 142

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INTRODUÇÃO

Uma História

Você tá ligado que o mundo é isso aí Vamos curtir o RAP, vamos ouvir A vida é embaçada, se eu fosse um vento O vento é uma vida que te leva ao pensamento Fico olhando que eu tô ficando louco Tipo assim, como se fosse um poço Os meus pais não vêm aqui me ver Fico bolado e começo a sofrer Penso em matar, penso em morrer Penso em salvar, penso em viver Na vida do crime eu entrei muito cedo Achava que era o tal só pra mim ter conceito Traficava, fumava um, que prejuízo Na minha infância perdi vários amigos Mas é Deus o meu grande amigo Porque sempre está comigo

Refrão: Quero que a minha história tenha um final feliz Final feliz, final feliz

Um final feliz é um novo começo Levar a minha vida e corrigir os meus erros A vida que eu levo não é fácil, não Uma rapa de treta tenho no coração Morar em um abrigo amanhã, quem sabe?! Ficar longe da bandidagem Arrumar um trampo e voltar a estudar É melhor do que cheirar e roubar Pois sei que no presídio não vai ser bom Quero correr atrás e investir no meu dom Cantar e dizer o que eu vivo Dizer o que eu penso e o que eu sinto No mundão, família e diversão Na escola e numa profissão Sangue bom, fico por aqui, um abraço Tenha fé em Deus e valorize o seu espaço

Refrão:

Quero que a minha história tenha um final feliz Final feliz, final feliz

(Letra de RAP escrita por um adolescente, sujeito da pesquisa)

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Ao abordar a sua história o jovem apresenta as várias faces de sua vida: como foi, como é, e como ele gostaria que fosse. A letra trata de questões sobre o sofrimento, a felicidade, a saudade, a família, a relação com Deus, os motivos que o levaram ao envolvimento com a criminalidade e o que ele considera necessário para não voltar a praticar atos infracionais, entre outras.

O RAP e a poesia1 são tidos como possibilidades de múltiplas expressões, que demonstram ao sujeito a sua capacidade de manifestar sonhos, revoltas e rebeldias, e inquietações subjetivas. Isto é, trata-se de uma possibilidade de manifestar a sua própria vida e também uma forma de absorver a realidade.

Aqui, o uso do RAP e da poesia, como apoio ao trabalho socioeducativo, é discutido numa perspectiva crítica2. Meu intuito é apreender os pontos relevantes dessa abordagem para a construção de uma metodologia de trabalho com adolescentes que cumprem medida socioeducativa de internação, considerando três categorias essenciais: cultura, violência e invisibilidade. A cultura, como formação de valores e de constituição identitária; a violência, tendo em vista a prática do ato infracional como uma de suas modalidades de expressão; e a invisibilidade, como forma de ver (ou não ver) o outro como tal.

Dessa maneira, este estudo teve por finalidade apreender a relação do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação com as oficinas de RAP e de poesia, considerando o uso dessas artes como instrumento socioeducativo e como uma metodologia para possibilitar a comunicação, a reflexão e a efetivação dos objetivos da medida. E, também, como apoio para a leitura e para a ação direta dos profissionais da Comunidade Socioeducativa3.

1 A sigla RAP vem do inglês

rhythm and poetry, ou seja, ritmo e poesia. No Brasil, alguns a

consideram também como Revolução Através das Palavras. Assim, o RAP é constituído de poesia, mas cabe ressaltar que durante o trabalho serão mencionados os termos RAP e poesia, devido à metodologia desenvolvida e aplicada, e por considerar as especificidades de cada um deles, uma vez que podemos ter a poesia independentemente do RAP. A poesia é referenciada por suas várias linhas, principalmente, pela literatura marginal, conhecida e/ou chamada também de literatura periférica, literatura suburbana, literatura do oprimido ou literatura do “excluído”.

2 O sentido de perspectiva crítica assumido nesta dissertação é o da dialética marxista

– a leitura racional dos fatos, com vistas à superação de seus condicionamentos e limites, por meio do desvelamento de suas determinações sócio-históricas. Ou seja: “Não se trata, como pode parecer a uma visão vulgar de ‘crítica’, de se posicionar frente ao conhecimento existente para recusá-lo ou, na melhor das hipóteses, distinguir nele o ‘bom’ do ‘mau’. Em Marx, a crítica do conhecimento acumulado consiste em trazer ao exame racional, tornando-os conscientes, os seus fundamentos, os

seus condicionamentos e os seus limites – ao mesmo tempo em que se faz a verificação dos

conteúdos desse conhecimento a partir dos processos históricos reais.” (NETTO, 2009, p. 6)

3 Segundo o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), a Comunidade

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Por se tratar de um estudo ex-post-facto 4, ou seja, “dizer sobre um fato ocorrido”, neste caso, as oficinas de RAP e de poesia, realizadas no Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead) nos anos de 2007 a 2010, não aponto hipóteses, mas trago alguns pressupostos para melhor compreensão de como a questão se colocava na época:

1 – O adolescente compreenderia o RAP e a poesia como uma “trilha sonora” de sua vida, com potencial transformador, mas não suficiente para um direcionamento prático;

2 – A invisibilidade não seria dada, nem estaria presente em todos os níveis de vida do adolescente;

3 – A violência seria um meio (e não um fim), pelo qual os adolescentes expressariam suas angústias, desejos e frustrações, no contexto desigual da sociedade brasileira – assim, a análise de suas “trilhas sonoras”, possibilitaria descobrir e diferenciar questões que teriam determinado sua prática infracional e, a partir daí, construir estratégias para superá-las;

4 – Uma aproximação do adolescente, para que seja eficaz no alcance dos objetivos socioeducativos, teria que focar atividades que despertassem não apenas o seu interesse, mas a sua capacidade de crítica em relação à sociedade e à sua própria vida.

Para melhor nortear as reflexões sobre o tema, a pesquisa também se apropriou das seguintes indagações: como o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação compreende e materializa as reflexões possibilitadas pelas oficinas em suas relações com a violência? Como as atividades com os adolescentes, por meio de oficinas, podem contribuir no processo de superação de sua invisibilidade? Compreendendo que a prática infracional é uma expressão da cultura da violência, como o uso do RAP e da poesia pode lidar com essa questão? Que metodologia poderia ser utilizada de forma a despertar o interesse dos adolescentes e, ao mesmo tempo, desenvolver sua capacidade de crítica em relação à sociedade e à sua própria vida?

A ida a campo por ocasião deste estudo, para realização de entrevistas semi-estruturadas, foi de suma importância para apreender – do ponto de vista dos sujeitos – a importância do RAP e da poesia como suportes de uma metodologia no processo socioeducativo.

Por questões éticas, o adolescente e os dois jovens adultos (egressos da medida socioeducativa de internação) entrevistados serão mencionados aqui por nomes de planetas:

compartilhadas, rotativas, solidárias, tendo como principal destinatário o coletivo em questão, contemplando as peculiaridades dos participantes.” (SINASE, 2007, p.73)

4 Polanski (s.d.) informa que a expressão

ex-post-facto foi utilizada pela primeira por Chapin (CHAPIN

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Júpiter, de 20 anos; Saturno, de 20 anos; e Marte, de 16 anos5. Além de preservar a identidade dos sujeitos da pesquisa, sugeri nomes de planetas para fazer alusão ao movimento do sistema solar e aos mistérios que os norteiam – cabendo a mim, então, tentar desvendá-los.

Foram entrevistados também dois profissionais da unidade que acompanharam as oficinas naquele período. Ambos foram escolhidos por terem sensibilidade à questão e por conhecerem a trajetória, os desafios e os avanços do Sistema Socioeducativo de Minas Gerais, há anos. O primeiro será mencionado pela denominação Lua e o segundo, Sol. Da área do Hip Hop, entrevistei o DJ ACoisa, pelo seu vasto conhecimento cultural e social do trabalho com jovens, por meio dessa cultura.

Este estudo apoiou-se nas categorias do método dialético – totalidade, contradição e mediação – na perspectiva assumida na teoria social de Karl Marx, cujas reflexões foram norteadas pelas leituras feitas de autores, como Frederico (2005, 2006), Goldmann (1972, 1979), Lukács (1978) entre outros6.

Esta dissertação de mestrado está organizada em cinco partes: introdução, que tem como objetivo delinear os primeiros movimentos que realizei como base para iniciar a pesquisa – nesse movimento, parti da ideia de que o RAP e a poesia possibilitam espaços de expressão dos sujeitos e de sua capacidade de apreender a realidade; três capítulos, explicitados a seguir; e considerações finais.

No primeiro capítulo – O Contexto da Ação que Norteou a Pesquisa –, apresento alguns apontamentos sobre a medida socioeducativa de internação; o histórico do Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead), isto é, como foi criado e suas modalidades de gestão; o trabalho socioeducativo desenvolvido pela unidade; reflexões acerca do cotidiano institucional, fazendo uma análise crítica dessa modalidade de medida privativa de liberdade; a construção de uma metodologia de trabalho desenvolvida, por meio do RAP e da poesia,

5 Os nomes dos autores das letras de RAP e de poesia não serão revelados, embora se tratem de

produções próprias. Todas estão relacionadas aos direitos autorais, Lei 9.610/1998, nos termos do artigos 11, 24 e 108. Optei também por não revelar os nomes, em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8.069/1990, artigo 247, em virtude de um dos sujeitos da pesquisa ter idade inferior a 18 anos.

6 É importante destacar que ao longo deste trabalho utilizarei as notas de rodapé para relatar,

esclarecer ou mencionar pontos importantes e detalhes ocorridos durante o meu diálogo com os autores, considerando que “nenhuma pessoa culta pode sentir-se perturbada com a existência de uma nota em tipo miúdo ao fundo de uma página, e todas as pessoas, sejam elas profissionais ou leigas, precisam conhecer as credenciais de um fato quando este é mencionado. As notas de rodapé são também um índice expressivo do cuidado posto no estudo de um determinado assunto.” (GALBRAITH apud NETTO, 2009a, p. 9). Assim, utilizarei os nomes completos das instituições, dos setores, etc. acompanhados com a sigla entre parênteses para melhor compreensão do leitor, com exceção das siglas/categorias: RAP – Rhythm and Poetry (Ritmo e Poesia); DJ –Disc-Jóquei (sem

tradução literal); e MC –Master of Ceremony (Mestre de Cerimônia), que são mencionadas com mais

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detalhando como ocorreram as oficinas; e, por fim, os procedimentos facilitadores do uso da metodologia – sendo um subsídio detalhado para a sua aplicação.

No segundo capítulo – A Relação Ato Infracional e Violência –, abordo as peculiaridades desse debate e os fatores produtivos e reprodutivos, bem como o estudo realizado em relação às categorias cultura, violência e invisibilidade; e, ainda, analiso o perfil dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação no Brasil, detendo-me, especificamente, em Minas Gerais, com foco em Belo Horizonte, que se constituiu o espaço maior, no qual a pesquisa se realizou.

No terceiro e último capítulo – A Pesquisa: o RAP e a poesia como mediadores da teoria na prática –, apresento algumas reflexões sobre a arte; ressalto a história da cultura Hip Hop; analiso o RAP como discurso político e conhecimento crítico, e exponho a pesquisa realizada e as apreensões obtidas da relação do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa de internação e dos profissionais do Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead) com o RAP e a poesia.

Por fim, nas considerações finais, retomo alguns aspectos deste trabalho e proponho algumas reflexões acerca da pesquisa realizada.

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Capítulo 1

O CONTEXTO DA AÇÃO QUE NORTEOU A PESQUISA

Quase nenhuma ação humana tem por sujeito um indivíduo isolado.

(GOLDMANN, 1979, p. 18)

Este capítulo apresenta alguns passos importantes para o esclarecimento desta produção acadêmica, intitulada Espelhos dos Invisíveis: o RAP e a poesia no trabalho prático-reflexivo com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação.7 A seguir, apresento, sucintamente, a trajetória acadêmica que me direcionou a essa temática, o meu trabalho no Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead), e as razões do trabalho que desenvolvi, por meio do RAP e da poesia, com os adolescentes em cumprimento da medida socioeducativa de internação.

Em 2007, iniciei minha experiência na área da medida socioeducativa de internação como estagiário de Serviço Social, no Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead), em Belo Horizonte/MG, quando dei início às oficinas de RAP e de poesia com os adolescentes, as quais tiveram continuidade após a minha efetivação, em 2008. Naquela época, estava no sexto período do curso de Serviço Social, da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), campus Contagem. Concomitantemente, participei de várias discussões na cultura Hip Hop, no Movimento Negro e no Movimento Estudantil, além de participar do Grupo de Estudos Afrobrasileiros (Geab), vinculado à Sociedade Inclusiva, programa da Pró-reitoria de Extensão, da PUC-MG.

Nos primeiros dois meses de estágio, minhas atividades não tinham cunho de pesquisa, embora eu já fizesse anotações no meu diário de campo, em relação aos aspectos de interesse, captados na minha relação com os adolescentes. A prática como estagiário serviu-me de base para a continuidade de meu trabalho com os adolescentes.

O primeiro movimento com o RAP se fez no mês de julho de 2007. Todos os dias aconteciam o Bom Dia, momento em que um profissional, acompanhado ou não de um adolescente, fazia a leitura de texto, poema ou encenação teatral curta, antes do café da

7 Naquele contexto, os adolescentes utilizavam o espelho, mediante solicitação do agente

socioeducativo, que ficava na recepção. Tal procedimento era realizado por medida de segurança e por razões de estrutura física da unidade. Outra forma de se olharem, era pelos vidros das janelas da sala dos técnicos quando atravessavam ou estavam no pátio. As janelas tinham uma película escura na superfície, do tipo insulfilm, possibilitando, então, o reflexo. Um dia, ao ver um adolescente se

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manhã. A atividade era organizada mediante escala e todos da comunidade educativa participavam. No meu dia de fazer o Bom Dia, levei caixa de som, discman, cabo de áudio e microfone, e montei, antes de eles chegarem à cantina, local onde tomavam café e acontecia a atividade. Após chegarem, disse a eles que iria fazer um Bom Dia de forma diferente. Então, comecei a cantar a música A Lágrima de um Palhaço (Anexo B) e, enquanto eu cantava o RAP, prestava a atenção nas expressões faciais, que eram várias: de surpresa, de choque, de sorriso, de atenção; no entanto, todos davam conta de sustentar o olhar no momento em que eu os fixava. A música tinha como temas a paz, a esperança e a possibilidade de superação dos problemas. Ao final, eles aplaudiram e foram liberados para o café da manhã.

Mais tarde, no pátio, muitos falavam do Bom Dia e se dirigiam a mim: “Você canta direitim”; “Você tem CD?; Grava pra mim?”. Percebi que eles levaram tudo como surpresa e não como enganação, uma vez que no período de dois meses de minha permanência na instituição apenas alguns sabiam que eu era rapper. O RAP já existia na instituição, mas não era desenvolvido com os adolescentes. A partir daí, com apoio institucional, consegui desenvolver as oficinas de RAP e de poesia.

Nesta dissertação, para analisar o contexto da ação realizada, considerei importante fazer, inicialmente, algumas observações sobre a natureza da medida socioeducativa de privação de liberdade e o histórico do Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead), para que ficassem claros os referenciais sobre os quais me apoiei para definir a forma como desenvolvi as oficinas.

1.1 A medida socioeducativa de internação

Para proceder a uma tal reflexão e se deixar contagiar por uma perspectiva inovadora e radicalmente democrática, é preciso antes de tudo se

despojar do sentimento de vingança, enquanto marca da cultura e razão punitiva existente no Brasil.

(SALES, 2007, p. 49)

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integral8. Mesmo com a necessidade da efetivação prático-operacional de alguns pontos rezados no ordenamento jurídico, é notório o posicionamento humanitário, digno e condizente com os direitos humanos que se contrapõe às concepções tradicionalistas, entendidas como estigmatizantes, conforme o Código de Menores Mello Mattos9.

Souza (2006) aponta a mudança de termos nesse processo de desestigmatização: são adolescentes (em vez de menor), que são apreendidos (em vez de presos) pela prática de atos infracionais (em vez de crimes). Essa mudança de termos não significou diretamente uma mudança de prática, na medida em que algumas ainda expressam ideias pré-concebidas, por exemplo, o movimento da sociedade pela redução da idade de imputabilidade penal e um sentimento de vingança difuso, que culpabiliza todos por ações de alguns. Isso é o que Heller (1972, p. 34) chama de ultrageneralização:

[...] os juízos ultrageneralizadores são todos eles juízos provisórios que a prática confirma ou, pelo menos, não refuta, durante o tempo em que, baseados neles, formos capazes de atuar e de nos orientar [...]. Isso poderá ser feito quando o juízo se apoiar na confiança, mas não quando se basear na fé. Os juízos provisórios que se enraízam na particularidade e, por conseguinte, se baseiam na fé são pré-juízos ou preconceitos.

Esse sentimento de vingança (SALES, 2007) propicia pensamentos vazios de humanidade e repletos de uma lógica punitiva que só muda o problema de lugar. Ele não considera a história, os motivos, o momento vivenciado pelo adolescente e as questões pertinentes ao seu desenvolvimento.

É comum ouvir críticas “acríticas” nos noticiários ou nas conversas tecidas na vida cotidiana acerca da redução da idade de imputabilidade penal ou nos questionamentos relacionados ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considerando que este “protege bandidos” ou que “passa a mão na cabeça do menor”. De fato, como comenta Chauí (1989, p. 20):

8 O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) contrapõe as ideias baseadas na Doutrina da

Situação Irregular – destinada a crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade – com a Doutrina da Proteção Integral a todas as crianças e adolescentes no País, considerados sujeitos de direitos. O reconhecimento dos direitos de crianças e adolescentes no Brasil ocorreu a partir da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e foi confirmada pela Lei 8.069/1990. O Estatuto da Criança e do Adolescente: “Passa a vigorar, pela nova legislação, a chamada doutrina de proteção integral que, partindo dos direitos das crianças reconhecidos pela ONU [Organização das Nações Unidas], procura garantir a satisfação de todas as necessidades das pessoas de menor idade, nos seus aspectos gerais, incluindo-se os pertinentes à saúde, educação, recreação, profissionalização, etc.” (CURY apud BAPTISTA, 2000, p. 15). Para essas palavras, Cury baseia-se na Convenção Internacional acerca dos Direitos Humanos da Criança, ratificada de forma unânime pela Assembleia Geral das Nações Unidas, no ano de 1989.

9 Vide Decreto 17.943-A, de 12/10/1927, e Lei 6.697/1979. Instrumentos jurídicos voltados ao

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A prática de declarar direitos significa, em primeiro lugar, que não é um fato óbvio para todos os homens que eles são portadores de direitos e, por outro lado, significa que não é um fato óbvio que tais direitos devam ser reconhecidos por todos. A declaração de direitos inscreve os direitos no social e no político, afirma sua origem social e política e se apresenta como objeto que pede o reconhecimento de todos, exigindo o consentimento social e político.

A medida socioeducativa é uma providência jurídica, de cunho socioeducativo, destinada a adolescentes de 12 a 18 anos incompletos que cometeram ato infracional10. De acordo com o artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), elas são:

I Advertência;

II Obrigação de reparar o dano; III Prestação de serviços à comunidade; IV Liberdade assistida;

V Inserção em regime de semi-liberdade; VI Internação em estabelecimento educacional;

VII Qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI11

§ 1o A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de

cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

§ 2o Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho

forçado.

§ 3o Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão

tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

A medida socioeducativa de internação pode ser aplicada somente nas condições apontadas no artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

I Tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

II Por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III Por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. § 1o O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser

superior a três meses, devendo ser decretada judicialmente após o devido processo legal.

§ 2o Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida

adequada.

10 De acordo com o artigo 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

“Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.”

11 Art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “Verificada qualquer das hipóteses

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Essa medida segue o princípio da brevidade e da excepcionalidade de sua aplicação, em razão da condição peculiar de desenvolvimento do adolescente. A brevidade refere-se à questão do tempo de sua aplicação, principalmente, porque o tempo do adolescente inclui o ritmo de seu desenvolvimento, que é diferenciado do indivíduo adulto. A excepcionalidade, pelo reconhecimento de que o adolescente vive uma fase de construção de sua personalidade – compreendida pelo conjunto dos elementos bio-fisio-socio-psicológios particulares que nortearão o desenrolar de sua vida –, o que deve determinar, sempre que possível, o respeito ao seu direito à convivência familiar e comunitária. Assim, conforme o artigo 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. § 1o Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.

§ 2o A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.

§ 3o Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.

§ 4o Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser

liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida. §..5o A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.

§ 6o Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público.

§ 7o A determinação judicial mencionada no § 1o poderá ser revista a qualquer tempo pela autoridade judiciária.

Em 18 de janeiro de 2012, foi sancionada a Lei 12.594, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase)12, que regulamenta a execução das medidas socioeducativas voltadas para adolescentes que pratiquem atos infracionais.

A lei contém 90 artigos, divididos em três títulos. O Título I – Do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) – traz o Capítulo I, que aborda as disposições gerais da referida lei, onde destaco o parágrafo segundo do artigo primeiro:

§ 2o Entendem-se por medidas socioeducativas as previstas no art. 112 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), as quais têm por objetivos: I - a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas

do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II - a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e

12 Chamo a atenção do leitor, pois farei menção à Lei 12.594, de 18/1/12, que entrou em vigor após

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sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento;.e III - a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença

como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei.

O Capítulo II, que mostra as competências da União, dos estados e dos municípios; o Capítulo III, que apresenta as articulações necessárias e os aspectos relevantes para a elaboração do Plano de Atendimento Socioeducativo; o Capítulo IV, que aborda questões sobre a inscrição de programas de atendimento no Conselho Estadual ou Distrital da Criança e do Adolescente, entre outras questões. Nesse capítulo, destaco o artigo 12:

Art. 12. A composição da equipe técnica do programa de atendimento deverá ser interdisciplinar, compreendendo, no mínimo, profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social, de acordo com as normas de referência.

§ 1o Outros profissionais podem ser acrescentados às equipes para atender

necessidades específicas do programa.

§ 2o Regimento interno deve discriminar as atribuições de cada profissional, sendo proibida a sobreposição dessas atribuições na entidade de atendimento.

§.3o O não cumprimento do previsto neste artigo sujeita as entidades de

atendimento, seus dirigentes ou prepostos à aplicação das medidas previstas no art. 97 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Ainda no capítulo IV, são abordadas também as competências dos Programas de Meio Aberto e dos requisitos específicos para a inscrição de Programas de Privação de Liberdade (Semiliberdade e Internação). O Capítulo V reza sobre a avaliação e a gestão do atendimento socioeducativo; o Capítulo VI fala sobre a responsabilização dos gestores, operadores e entidades de atendimento; e o Capítulo VII versa sobre o financiamento e as prioridades.

O Título II – Da Execução das Medidas Socioeducativas – apresenta o Capítulo I, que mostra, nas disposições gerais, os princípios que regem a execução das medidas socioeducativas; o Capítulo II, que aborda os procedimentos para jurisdicionar a execução das medidas socieducativas; o Capítulo III, que aponta os direitos individuais, a saber:

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plano individual, participando, obrigatoriamente, de sua elaboração e, se for o caso, reavaliação; VII - receber assistência integral à sua saúde, conforme o disposto no art. 60 desta Lei; e VIII - ter atendimento garantido em creche e pré-escola aos filhos de 0 (zero) a 5 (cinco) anos.

Também compõe o Título II, o capítulo IV, que trata do Plano Individual de Atendimento (PIA), do qual destaco os seguintes artigos:

Art. 52. O cumprimento das medidas socioeducativas, em regime de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade ou internação, dependerá de Plano Individual de Atendimento (PIA), instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente.

E o artigo 5313: “O PIA será elaborado sob a responsabilidade da equipe técnica do respectivo programa de atendimento, com a participação efetiva do adolescente e de sua família, representada por seus pais ou responsável.” No atendimento em meio aberto, o Plano Individual de Atendimento (PIA) deverá ser elaborado no prazo de até 15 dias a partir da data de ingresso do adolescente no programa; já para o atendimento em meio fechado, o prazo é de 45 dias.

O Capítulo V apresenta as diretrizes da atenção integral à saúde de adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa e discorre sobre questões acerca do atendimento a adolescentes com transtorno mental e com dependência de álcool e de substância psicoativa; o Capítulo VI ressalta os pontos pertinentes da visita a adolescentes em cumprimento de medida de internação, do qual cito o artigo 68: “É assegurado ao adolescente casado ou que viva, comprovadamente, em união estável o direito à visita íntima.”14; e o artigo 69: “É garantido

13 O artigo 41 da referida lei afirma que:

“A autoridade judiciária dará vistas da proposta de plano individual de que trata o art. 53 desta Lei ao defensor e ao Ministério Público pelo prazo sucessivo de 3 (três) dias, contados do recebimento da proposta encaminhada pela direção do programa de atendimento.” Caso não seja impugnado o Plano Individual de Atendimento (PIA) será homologado. Há questionamentos acerca do prazo para a elaboração do Plano Individual de Atendimento (PIA). O tempo exigido deveria ser o tempo estipulado para o início de sua realização, pois, nós, profissionais que atuamos na área, sabemos que é preciso de um tempo maior para conquistar a confiança do adolescente, em alguns casos para localizar a família, etc.

14 A visita íntima, no sistema prisional, iniciou-se em meados da década de 1980, como uma forma de

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aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação o direito de receber visita dos filhos, independentemente da idade desses.”

O Capítulo VII traz os princípios das normas disciplinares, conforme o artigo 71:

Art. 71. Todas as entidades de atendimento socioeducativo deverão, em seus respectivos regimentos, realizar a previsão de regime disciplinar que obedeça aos seguintes princípios:

I - tipificação explícita das infrações como leves, médias e graves e determinação das correspondentes sanções;

II - exigência da instauração formal de processo disciplinar para a aplicação de qualquer sanção, garantidos a ampla defesa e o contraditório;

III - obrigatoriedade de audiência do socioeducando nos casos em que seja necessária a instauração de processo disciplinar;

IV - sanção de duração determinada;

V - enumeração das causas ou circunstâncias que eximam, atenuem ou agravem a sanção a ser imposta ao socioeducando, bem como os requisitos para a extinção dessa;

VI - enumeração explícita das garantias de defesa;

VII - garantia de solicitação e rito de apreciação dos recursos cabíveis; e

VIII - apuração da falta disciplinar por comissão composta por, no mínimo, 3 (três) integrantes, sendo 1 (um), obrigatoriamente, oriundo da equipe técnica.

Em seguida vêm as razões determinantes de sua não aplicação, conforme o artigo 75: “Não será aplicada sanção disciplinar ao socioeducando que tenha praticado a falta: I - por coação irresistível ou por motivo de força maior; II - em legítima defesa, própria ou de outrem.”

Por fim, o Título II traz o Capítulo VIII, que apresenta a possibilidade de ofertas de vagas do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), Serviço Nacional de Aprendizagem Transporte (Senat) e Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), por meio de articulações de operadores dessas instituições com os gestores dos Sistemas de Atendimento Socioeducativo.

Já o Título III – Disposições Finais e Transitórias – ressalta aspectos de regulamentação e de regularização de entidades, do qual destaco o artigo 83:

Os programas de atendimento socioeducativo sob a responsabilidade do Poder Judiciário serão, obrigatoriamente, transferidos ao Poder Executivo no prazo máximo de 1 (um) ano a partir da publicação desta Lei e de acordo com a política de oferta dos programas aqui definidos.

E o artigo 84: “Os programas de internação e semiliberdade sob a responsabilidade dos Municípios serão, obrigatoriamente, transferidos para o Poder Executivo do respectivo Estado no prazo máximo de 1 (um) ano a partir da publicação desta Lei e de acordo com a

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política de oferta dos programas aqui definidos.” Além de trazer as alterações realizadas em alguns artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

A partir dessa leitura acerca dos ordenamentos jurídicos que envolvem a medida socioeducativa, apresentarei como é o seu funcionamento prático em Belo Horizonte/MG, onde, a partir de dezembro de 2008, os casos de adolescentes que cometem atos infracionais são apurados pelo Centro de Atendimento Integrado ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA/BH)15.

De acordo com a Cartilha do CIA/BH, o atendimento é realizado da seguinte maneira: o adolescente, apreendido em flagrante pela autoridade policial, por ter praticado ato infracional, é encaminhado para o CIA/BH. Nesse primeiro momento, a autoridade policial realiza as providências necessárias e convoca os pais e/ou responsáveis para comparecem ao Centro, para ciência dos fatos e tomarem as providências que considerarem necessárias. Posteriormente, o adolescente é encaminhado ao juiz de Direito da Vara Infracional para a realização da audiência imediata, com a presença do promotor, do defensor público, do advogado, dos pais e/ou responsáveis, em que o juiz determina as seguintes providências, isoladas ou concomitantemente: 1) remissão16; 2) arquivamento17; 3) aplicação de medida protetiva18.

15 O Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA/BH) foi criado por

meio da Resolução-Conjunta de 2 de setembro de 2008, em cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), precisamente, do artigo 88, inciso V: “[...] integração operacional de órgãos do Judiciário, Ministério Público, Defensoria, Segurança Pública e Assistência Social, preferencialmente em um mesmo local, para efeito de agilização do atendimento inicial a adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional”. O Centro tem por finalidade apurar e agilizar com maior e melhor efetivação a jurisdição infracional cabível aos adolescentes autores de atos infracionais. Dessa forma, é constituído pela integração de instituições públicas que compõem o núcleo de Sistema de Justiça Juvenil: Defensoria Pública de Minas Gerais, Ministério Público, Poder Judiciário, Polícia Militar de Minas Gerais, Polícia Civil, Prefeitura de Belo Horizonte e Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds). O Centro atende nos dias úteis de 8h às 22h, e nos fins de semana e feriados de 13h às 18h. A Delegacia de Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente (Dopcad) funciona 24h nas dependências do Centro, que também tem por objetivos: “garantir a responsabilização imediata dos adolescentes autores de ato infracional na comarca de Belo Horizonte; reinserir (reconduzir) o adolescente no convívio familiar e social; prevenir a reincidência (repetição de atos infracionais); contribuir para a diminuição dos índices de criminalidade na comarca de Belo Horizonte.” (CARTILHA CENTRO INTEGRADO DE ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE AUTOR DE ATO INFRACIONAL – CIA/BH, p. 8).

16 De acordo o artigo 126, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “Antes de iniciado o

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Entretanto, caso não seja viável a aplicação de nenhuma dessas três determinações, o promotor poderá oferecer a denúncia (representação), assim o juiz poderá estabelecer alguma das medidas socioeducativas em meio aberto (advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviço à comunidade; ou liberdade assistida), ou encaminhar para internação provisória, onde o adolescente deverá permanecer no máximo 45 dias no aguardo do julgamento. Após o julgamento, caso receba a medida socioeducativa de internação, o adolescente é encaminhado para uma unidade de privação de liberdade19, em que não há tempo determinado. O adolescente é reavaliado no máximo a cada seis meses e o tempo da internação, por nenhuma razão, deverá ultrapassar três anos.

Para que seja aplicada a medida socioeducativa de internação é necessária a concretude dos pontos descritos acima. A medida não é (ou não deveria ser) a única e nem a primeira a ser aplicada ao adolescente que cometeu ato infracional. Daí, a importância dos cuidados necessários para o levantamento do caso de cada adolescente.

medida aplicada por força da remissão poderá ser revista judicialmente, a qualquer tempo, mediante pedido expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do Ministério Público.”

17 O processo é arquivado e, então, o adolescente não precisa responder pela acusação. 18 Vide nota de rodapé 11, página 22.

19 O art. 124, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), afirma:

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1.2 Histórico do Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead)

Em um espaço educativo, a arquitetura, sua estética e a ocupação do espaço físico não são neutros. Muito menos

os recursos materiais disponíveis.

(DAYRELL, 2007, p. 5)

Historicamente, o Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead) – unidade que executa a medida socioeducativa de internação, aplicada pelo juiz da Vara Infracional – foi criado em 199820 e, inicialmente, gerenciado pela organização não governamental Providência Nossa Senhora da Conceição. Também nesse ano, em Belo Horizonte/MG, houve a implantação da medida socioeducativa de liberdade assistida, e, em 2004, a implantação da medida socioeducativa de prestação de serviço à comunidade.

Segundo relatos de funcionários mais antigos, o Centro era um imóvel (galpão) que pertencia a Luiz Fernando da Costa, mais conhecido como Fernandinho Beira-Mar21, e teria sido confiscado pela Justiça.

É possível perceber que a unidade não foi planejada para funcionar como um centro de internação. Em razão desse fato, foi necessário fazer várias reformas e adaptações, com o intuito de possibilitar melhor atendimento aos adolescentes e condições de trabalho para os funcionários. Um aspecto relevante é que a unidade esta localizada em região urbana, com

20 Período do governo municipal de Célio de Castro (Partido Socialista Brasileiro

– PSB), do governo estadual de Itamar Franco (Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB) e do governo federal de Fernando Henrique Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB). De acordo com o Projeto Político-Pedagógico do Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead), a unidade foi criada “sob a responsabilidade da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PMBH), [...] que fez parceria com a entidade filantrópica Providência Nossa Senhora da Conceição para seu gerenciamento. Sua criação, sob a responsabilidade da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (PMBH), deve-se a uma solicitação da Vara da Infância e Juventude de Belo Horizonte, que pediu o apoio do Município em caráter excepcional, já que naquele momento o Estado não poderia atendê-la.” (PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO DO CENTRO DE ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE – Cead, 2005, p. 6). Como se percebe, naquele contexto, a Prefeitura de Belo Horizonte assumiu uma responsabilidade que caberia ao Estado, conforme da Lei 8.069/1990, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nos termos do artigo 125: “É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internados, cabendo-lhe adotar as medidas adequadas de contenção e segurança”. Não pretendo aprofundar a questão, que, certamente, envolve dimensões de ordem administrativa, econômica e política, mas chamo a atenção para o momento em que a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – foi sancionada em relação ao seu período de materialidade. Isto é, cabe aqui uma reflexão sobre como as leis nem sempre estão de acordo com as conjunturas sociais.

21 Nascido em Duque de Caxias, criado na favela Beira-Mar, Fernandinho Beira-Mar nasceu em 4 de

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casas residenciais e comércio diversificado22, não podendo ser, por isso, classificada geograficamente como um “arquipélago dos esquecidos” (FOUCAULT, 2009).

Em 14 de junho de 2004, o Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead) passou a ser mantido pela Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), supervisionado pela Superintendência de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Same) e gerenciado pela Inspetoria São João Bosco (ISJB)23. Ou seja, a unidade passa a ser mantida pelo Estado e inicia a gestão compartilhada com o Sistema Salesiano.

Assim, de acordo com o Projeto Político-Pedagógico do Centro de Atendimento ao Adolescente (2005, p. 6), ficou acordado que:

I) Compete à Inspetoria São João Bosco, entre outros:

Elaborar e executar a proposta pedagógica para o atendimento aos adolescentes; Recrutar, selecionar, treinar e contratar a equipe responsável pelo atendimento; Capacitar e administrar a equipe responsável pelo atendimento;

Zelar pelo atendimento aos adolescentes, de acordo com as determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente;

Cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais relativas aos adolescentes admitidos na Unidade de Internação.

II) Compete à Secretaria de Estado de Defesa Social, entre outros:

Prover os recursos financeiros necessários à administração da Unidade de Internação e à manutenção do atendimento educacional e assistencial, conforme disposto no Plano de Trabalho, anexo III, que integra este Convênio;

Prover a Unidade de Internação dos móveis, equipamentos e utensílios indispensáveis ao atendimento conforme consta no Anexo V;

Zelar pela qualidade do atendimento pactuado e pelo cumprimento das determinações judiciais relativas aos adolescentes admitidos na Unidade de Internação;

Articular e integrar os demais Órgãos Governamentais para uma atuação complementar e solidária de apoio ao desenvolvimento do atendimento pactuado24.

De 2004 a 2008, a unidade teve como embasamento pedagógico o método educativo de Dom Bosco, conhecido também como Sistema Preventivo de Dom Bosco ou Pedagogia Salesiana25.

22 Chamo a atenção para esse ponto, pois é característico que as instituições restritivas, ou como

denominadas por Goffman (2001), “instituições totais” –, de modo geral, estejam “longe de tudo e perto de nada”.

23 De acordo com o Manual do Colaborador Salesiano na Inspetoria São João Bosco, a inspetoria foi

criada em “11 de dezembro de 1947 com o desmembramento da Inspetoria Salesiana de São Paulo.” (PAULA, 2005, p.79).

24 Os tópicos I e II fazem menção à cláusula sexta, do convênio firmado entre Estado e Inspetoria São

João Bosco. Os anexos III e IV mencionados não foram localizados para melhor esclarecer a questão.

25 João Melchior Bosco (Dom Bosco), nasceu no dia 16 de agosto de 1815, no povoado denominado

Becchi, próximo a Turim, no Piemonte, ao norte da Itália. Padre aos 26 anos, desde a juventude se pautava em trabalhar com jovens, por meio da evangelização e da educação. O método é baseado em três pilares: Amor, traduzido na expressão italiana amorevollezza, no sentido de demonstrar para

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A partir de novembro de 2008, com o rompimento do convênio entre o Estado e a Inspetoria São João Bosco (ISJB), a unidade continua a ser mantida pela Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) e supervisionada pela Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase), com a modalidade de gestão direta, até os dias atuais.

1.3 O trabalho desenvolvido pelo Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead)

Em todo jovem, mesmo o mais complicado, existe uma corda que ainda vibra, e a obrigação do educador é descobrir essa corda e tirar proveito disto.

(DOM BOSCO)

O atendimento fornecido pelo Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead) teve – e permanece tendo - por fundamento a Lei 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA); o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) – hoje Lei 12.594/2012; o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006); o Regimento Interno da unidade; as Diretrizes, Normativas e Orientações da Subsecretaria de Atendimento às Medidas Socioeducativas (Suase); e as demais legislações que garantem os direitos dos adolescentes.26

O trabalho realizado tinha início nas participações em estudos de casos nos Centros Provisórios27, juntamente com outras unidades de internação, para que fosse decidida a

Razão, em que Dom Bosco baseava-se como complementação do amor, em busca de esclarecimentos das necessidades dos jovens; e Religião, com a espiritualidade cristã como ação transcendente – aqui, envolve-se também o reconhecimento do amor e da razão como valores importantes. Cabe dizer que a metodologia servia-nos como uma referência de trabalho e de aproximação ao adolescente, por considerar a relação entre educando e educadores não como um guia prático de instruções religiosas. Os motivos que acarretam a internação do adolescente jamais são entendidos como prática pecaminosa, e sim, como prática infracional. Nessa experiência, a Pedagogia Salesiana se fez em conjunto com outros saberes e com o cuidado e o respeito com a diversidade cultural e/ou religiosa dos adolescentes e dos funcionários. Os ensinamentos dessa pedagogia ainda estão presentes na cultura institucional do Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead).

26 Cabe dizer que a descrição do trabalho realizado por essa unidade baseia-se nos anos de 2007 a

2010, para ser fiel à construção deste trabalho, período em que realizei as oficinas de RAP e de poesia.

27 Há, em Belo Horizonte, duas unidades de internação provisória: Centro de Internação Provisória

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unidade em que o adolescente cumpriria a medida, considerando a sua idade, condicionalidades em razão do seu ato infracional e/ou envolvimento com a criminalidade, para que ele pudesse ou não cumprir a medida próximo à sua residência28. Após a decisão, a unidade escolhida realizava um pré-acolhimento desse adolescente, ou seja, um técnico ia até o Centro de Internação Provisória, com o intuito de transmitir-lhe segurança e esclarecer dúvidas. No mesmo dia em que acontecia o pré-acolhimento, o adolescente era transferido para a unidade de internação, para o início do cumprimento da medida que lhe fora imputada. Já na unidade, o adolescente passava por um exame pessoal para averiguar as condições físicas em que ele está chegando; em seguida submetido a uma entrevista inicial, momento em que um técnico e um agente socioeducativo realizava o preenchimento de formulários de informações básicas, como endereço, telefone, dados pessoais e relação dos pertences trazidos. Esse momento também era importante para explicar ao adolescente sobre as normas básicas de convivência e para ouvi-lo quanto às suas dúvidas, medos e expectativas29.

Ao realizar o acolhimento na unidade, eu falava duas frases para os adolescentes, que chamava a atenção de quem ouvia, pois eu dizia: “Seja bem-vindo”30 e logo fazia um

comentário sobre essa expressão, pois queria provocar uma reflexão sobre o espaço e o lugar. O adolescente era bem-vindo não pelo o que fez, mas pelo o que é – um ser social. Em determinado momento, eu falava: “O seu desligamento começa hoje”, para significar sua responsabilidade no cumprimento da medida.

Logo, era feito o primeiro contato com a família do adolescente para informá-la da chegada e dar-lhe ciência das regras institucionais para se fazer visitas ao adolescente.

Nas primeiras 72 horas que o adolescente ficava na unidade, permanecia no alojamento. Nesse período, era atendido por técnicos que faziam a sua interação gradativa às atividades desenvolvidas na unidade: eram-lhe explicados os seus direitos e deveres na convivência institucional. Encontrava-se no regimento interno do Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead), no artigo 12, inciso I, a seguinte determinação: “As primeiras 24 horas

28 Essas condicionalidades fazem menção às implicações do ato infracional do adolescente e,

também, ao seu envolvimento com a criminalidade. Isto é, pode não ser adequado (em determinadas circunstâncias) que o adolescente cumpra a medida na mesma unidade que o seu irmão ou companheiros de gangue ou numa unidade que ele tenha ‘guerra’ com outro adolescente. Assim, esse estudo de caso apurava as condições e as implicações de casa caso.

29 Alguns adolescentes não sabem informar a sua própria data de nascimento, o endereço completo

ou o número de telefone. Não que eles não queiram dizer, talvez seja uma demonstração do “desconhecimento” de si.

30 Uma vez me perguntaram porque eu falo assim, então eu disse: “Você quer que eu diga – seja

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deverão ser cumpridas em seu alojamento e nas outras 48 horas, ele já poderá circular na sala de TV, com direito a 30 minutos de pátio pela manhã e 30 minutos à tarde” (REGIMENTO INTERNO DO CENTRO DE ATENDIMENTO AO ADOLESCENTE – CEAD, Art. 12, inciso I). Essas 72 horas serviam também para averiguar possíveis “rixas” do adolescente com os demais internos.

Durante o período de acolhimento, o adolescente era atendido por um técnico de referência (assistente social ou psicólogo), para iniciar o acompanhamento técnico e avaliar possíveis demandas. Nesse mesmo período, o regimento interno era trabalhado com o adolescente pela pedagoga.

A unidade realizava acompanhamento sociofamiliar, jurídico, psicoterapêutico, terapêutico-ocupacional, pedagógico e de saúde básica. Fornecia também espaços para escolarização, profissionalização, esporte, arte, lazer, grupos de reflexão, oficinas temáticas e comissões de saúde, segurança e espiritualidade, que visavam a avaliação e a construção de propostas para melhor funcionamento da unidade. Para tal, era preciso um grupo profissional qualificado para lidar com a complexidade de cada caso. A equipe técnica da unidade era multi e interdisciplinar31.

A unidade era constituída pelos seguintes profissionais:

31 Morin (apud RODRIGUES, 2000, p. 127), ao definir essas categorias,

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Tabela 1– Quadro de funcionários do Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead)

Direção Uma diretora geral, uma diretora de atendimento e um

diretor de segurança

Setor Administrativo Duas assistentes administrativas

Equipe Técnica

Um assistente social, duas psicólogas, uma pedagoga, uma terapeuta ocupacional, duas técnicas de

enfermagem

Estagiários Uma estagiária de psicologia e uma estagiária de

serviço social

Agentes Socioeducativos 38 agentes socioeducativos

Auxiliares Educacionais e Arte-educadores Três auxiliares educacionais e dois arte-educadores

Escola Uma diretora e seis professoras

Cozinha, Limpeza, Lavanderia e Portaria Cinco cozinheiras, duas auxiliares de serviços gerais,

duas auxiliares de limpeza e quatro porteiros

Fonte: Sistematização do autor.

Após o período de acolhimento, o adolescente começava a frequentar a escola e as oficinas da unidade. O ensino educacional (escolarização) no Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead) era resultado de um convênio com a Secretaria de Educação da Prefeitura de Belo Horizonte. A escola ficava nas dependências da unidade e funcionava no período da manhã e da tarde. Não havia separação por série, mas por níveis de conhecimento dos adolescentes, conforme os conteúdos específicos que seriam abordados.

A questão escolar era um ponto que chamava atenção, pois:

Esses adolescentes, na maioria das vezes, estão afastados da escola há um bom tempo, porque foram de alguma forma excluídos, e têm pouca crença na sua capacidade de aprender. As amarras que trazem são muitas; as formas de resistência, a pouca valorização da escola, o receio de fracassar, a dificuldade de aceitar e mostrar o próprio erro, têm como umas de suas causas o medo de ser rejeitado. (ARRUDA; PINTO, 2009, p. 106)

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Tabela 1  –  Quadro de funcionários do Centro de Atendimento ao Adolescente (Cead)
Figura 1 – Local onde aconteceu a primeira oficina. Crédito: Daniel Péricles Arruda.
Figura 2 – Mensagem de entrada da oficina. Crédito: Daniel Péricles Arruda.
Figura 3 – Adolescente participando da oficina. Crédito: Patrícia Tavares.
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Referências

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