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Capítulo V – A Diversificação do Movimento GLBT (A década de 2000)

NAS CORES

5.6. Ativismo GLBT em Espaços Formalizados

5.6.1.2. Cultura Política entre a Legalidade e a Justiça

O trabalho destes parlamentares tem contribuído para firmar na cidade, e no Estado, uma tendência que vêm se fortalecendo no Brasil e no Mundo. Essa tendência transnacional, efeito da expansão da modernidade em suas conseqüência positivas e negativas, contribui para criar uma cultura política que disponibiliza elementos para legitimar o trabalho destes parlamentares e de organizações da Sociedade Civil, ao mesmo tempo em que se realimenta das ações destes mesmos atores. Isto se deve ao fato de que a modernidade não pressupõe a democratização das relações, mas apenas cria condições para que as hierarquias sociais possam ser desnaturalizadas.

Esta nova cultura política reverbera na mídia e na cultura como um todo, permitindo e até incentivando a visibilidade de temas relativos à diversidade sexual, em determinados contextos, levando com que setores da política estatal sejam obrigados a seguir determinadas tendências, por interesses políticos ou por pressão social de minorias organizadas localmente e transnacionalmente, bem como por influência de instituições sociais de outros países que, pela temática universalizante dos direitos humanos, muitas vezes reverberam nas políticas estatais, via acordos e instituições transnacionais. Embora a visibilidade destas temáticas esteja circunscrita a contextos específicos, a legitimidade política que conquistaram em determinados contextos facilita seu deslocamento para novos contextos.

Nesse sentido, os atores que produzem politização em torno de demandas GLBT adquirem importância por representarem pólos de democratização, sendo responsáveis pela quebra de tabus na política local. Para isto, se faz necessária a interação entre atores do Estado e da sociedade civil, bem como a cooperação com atores representantes de outras demandas e movimentos sociais, além de criatividade para promover formas eficientes de abrir estes debates.

Em Belo Horizonte, além da coragem para enfrentar a resistência e a luta contra o preconceito, identificamos espaços interessantes de interlocução no âmbito legislativo, que foram abertos por iniciativa dos atores locais.

Aqui na câmara, eu lembro que os primeiros seminários que eu fiz junto com o Leo, a gente fazia uma semana de atividades, primeiro era um grupo muito restrito que aparecia, porque é essa coisa de, que a comunidade mesmo brinca, de sair do armário, de colocar a cara e dar visibilidade a isso, eu lembro que o Danilo foi uma das pessoas muito protagonista disto, o pessoal da ALEM também, e os meninos do CELLOS que estavam nascendo naquela época. Então aqui na câmara era motivo de chacota e tal, até porque a gente trazia o pessoal transformista, as drags, o pessoal pra fazer apresentação e pra falar, e as histórias eram muito interessantes. (Neila Batista, 2007).

Podemos notar a importância da articulação entre os parlamentares e os movimentos sociais quando Neila Batista relata como se deu o processo de articulação de um projeto de lei que apresentou:

Aqui na câmara eu tive um problemão com os colegas vereadores aqui, pra aprovar a lei utilidade pública da ALEM (...) Criamos um caso danado, as meninas vieram pra cá, a gente arranjou uma confusão, chamamos jornal, ficamos falando mal de todo mundo. Pegou meio mal pra própria câmara, ficar criando dificuldade pra uma coisa que não tem o menor sentido e que é carência da câmara. (...) essa coisa de misturar o discurso religioso, aspecto moral com coisas que são absolutamente distintas (Neila Batista, 2007).

Observamos que foram criados espaços eficientes de discussão e, principalmente, a cultura política necessária para a interação de forças políticas do Estado e da Sociedade Civil. Isto não acontece isoladamente, alguns partidos começaram a incorporar a diversidade sexual como um tema importante na atuação dos partidos.

Foi muito interessante porque os próprios partidos começaram a ter mais noção e responsabilidade de tratar dessa questão, porque também era uma coisa meio marginal dentro dos partidos e tal, era uma coisa meio excêntrica, meio exótica, mesmo os partidos com um viés absolutamente de esquerda, que em princípio não deveriam tratar nenhuma destas questões com nenhum tipo de preconceito, mas que tem muita dificuldade, na esquerda, tanto quanto na direita também (Neila Batista, 2007).

Leonardo Mattos também identifica o envolvimento com o partido, como um dos motivos que o levaram até essa temática (Mattos, 2001). Neila Batista aponta acontecimentos como o mandato da Marta Suplicy na prefeitura de São Paulo e o crescimento e politização das Paradas GLBT, como pontos importantes para que essas temáticas ganhem força.

Segundo Neila Batista, o principal obstáculo para que o trabalho pela cidadania GLBT avance é a insistência de alguns parlamentares e setores sociais em tratar a livre orientação sexual como uma questão moral, misturando valores religiosos a discussões por direitos.

Ainda hoje, os que defendem publicamente a livre orientação sexual constituem uma minoria dentro das casas legislativas. Entretanto, essa minoria “não é uma minoria

que se cala, que deixa a coisa quieta não, é uma minoria mais barulhenta, então nesse sentido é mais ativa e tal, e não permite... Quando a gente tem algum acontecimento, notícia, a gente sempre tem a atitude de aprovar, moção de repudio, ou de sair ir atrás, pedir esclarecimentos” (Neila Batista, 2007).

Neila Batista reconhece que esta discussão avançou muito, principalmente, nos últimos seis anos. Os espaços ocupados pelos grupos GLBT na vida pública da cidade

aumentaram em quantidade e legitimidade e, embora as políticas públicas para este segmento ainda estejam atreladas ao campo da saúde, a visibilidade de suas demandas aumentou bastante frente ao Estado. Neila Batista ilustra bem isso:

Você tem hoje uma situação que, bem ou mal, não é um assunto mais invisível na sociedade, não uns negócios que as pessoas fingem que não têm. Claro que existem muitos lugares, muitas pessoas continuam achando que ele não está, preferem esconder, deixar de lado e tal, mas no conjunto já não é mais isso. Esse assunto permeia todos os debates, todas as discussões, o fato de você ter um Centro de Referência Municipal da comunidade, um Centro de Referência Estadual, com todos os problemas que tem, de isso ser uma preocupação, que já era muito forte na saúde, e que agora está virando um viés pra além dos problemas de prevenção de DST’s de AIDS, começando a pensar como um conjunto, tratar a pessoa como um todo, não só esquadrinhar ali o aspecto sexual. Então eu acho que na medida em que isso acontece, fica muito nítido o conflito, quem está de um lado e quem está do outro, e ai é possível criar uma mediação, e nesse sentido eu acho que a gente acaba, quem é, não gosto muito desse termo não mas vou usar entre aspas, “do bem”, ou seja, quem acha que, com todas as suas dificuldades, é um assunto que nos precisamos tratar, precisamos ter clareza, precisamos ter abertura, precisamos discutir, acaba convencendo o outro, nem que seja pela vergonha de ser uma pessoa atrasada183, a abrir o espaço pra discussão. Então, por bem ou por mal, a gente vai avançando. Longe de ser um debate com a profundidade, com o cuidado que precisamos tratar isso (Neila Batista, 2007).