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Capitulo I ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

FORMAS DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

1.5. Hegemonia e Contra-Hegemonia

Discutir o teor político de qualquer experiência social requer que tenhamos uma definição sobre o que seja o universo da política e, para definirmos melhor os objetivos de nossa pesquisa, faz-se necessário explicitar o que chamamos de hegemonia e, consequentemente, de contra-hegemonia.

Essa discussão nos leva até uma concepção de política que requer a distinção entre dois termos: A Política, como o conjunto de práticas sociais que definem o campo político no universo da legalidade e do consenso social, e O Político, como o espaço definido fora da sociabilidade, mas que é definidor do social, uma vez que toda relação é uma relação de poder (Ferreira, 2004). Nesse sentido, O político pode ser compreendido como aquilo que é anti-social, ou seja, que define os limites da objetivação social, enquanto A política é definida como as práticas sociais que derivam de antagonismos e conflitos e que competem por uma nova significação do real (Prado, 2001; Mouffe, 1988). A política é entendida aqui como a sociabilidade que se processa no espaço existente entre o que é legal – conservado e legitimado pelo Estado e as demais instâncias de objetivação social –, e o que é justo – definido pelo sentimento de injustiça que surge quando relações naturalizadas de opressão podem emergir como antagonismo social em grupos particulares (Ferreira, 2004).

Essa distinção permite discutirmos a democracia como um processo que não exclui de sua dinâmica o conflito (Ferreira, 2004). Dessa forma, não vislumbramos eliminar o conflito ao jogar luz sobre ele, entendemos, ao contrário, que possibilitar seu aparecimento é condição para a emergência de identidades conflitantes e, portanto, oportunidade para que suas demandas sejam debatidas publicamente e para que novos conflitos possam emergir, uma vez que uma completa realização da democracia é impossível, por princípio (Laclau & Mouffe, 1985). A democracia, como um conceito, encerra em si este paradoxo e a perspectiva que expusemos nos indica a necessidade de sabermos lidar com este paradoxo (Scott, 2005; Mouffe, 2000) sem cairmos na tentação de eliminá-lo, nos abrigando sob o conforto de teorias totalizantes. A justiça, por sua vez, passa a ser objeto de debate na medida em que os arranjos democráticos permitem o debate público, e que por sua vez possibilita a passagem de uma condição naturalizada das relações de opressão para uma concepção de antagonismo social e a conseqüente produção de lutas democráticas (Mouffe, 1996; 1988).

Para entender o campo político em termos relacionais, sem um centro estrutural que determina os jogos de força (como no economicismo marxista), deve-se compreender que a totalidade deve estar presente em cada ato individual de significação. O limite desta totalidade, capaz de abarcar todas as diferenças, precisará converter toda a exterioridade em algo interior. Neste sentido, “a única possibilidade de

existir um verdadeiro exterior, seria que o exterior não foi simplesmente um elemento a mais, neutro, mas o resultado de uma exclusão, de algo que a totalidade expele de si mesma, a fim de constituir-se” (Laclau, 2005:94).

Para que a hegemonia se consolide, a sociedade necessita criar inimigos,

demonizar setores populacionais para conquistar sua própria coesão social e, sendo

assim, todas as outras diferenças seriam equivalentes em sua hostilidade comum a diferença excluída (Laclau, 2005).

A equivalência subverte a diferença, de forma que toda identidade é constituída na tensão entre a lógica da diferença e a lógica da equivalência. “A hegemonia pode ser

concebida como uma totalidade falida, lugar de uma plenitude inalcançável, uma totalidade impossível porém necessária” (Laclau, 2005:94).

Sendo assim, toda identidade se estabelece na tensão insuperável entre as lógicas da diferença e da equivalência, pois sem alguma exclusão nenhuma significação é possível. A hegemonia seria então impossível de ser representada ou apreendida conceitualmente, pois é o movimento capaz de transformar uma diferença particular em uma representação incomensurável (Laclau, 2005). A Hegemonia é a objetivação social (ou aquilo o que chamamos de Sociedade) nas relações de poder (Mouffe, 1988).

O paradoxo da hegemonia é estar dividida entre a particularidade que ela ainda é e a significação mais universal da qual se pretende portadora. Entretanto, a totalidade que ela representa não pode ser compreendida como um fundamento, mas sim, como um horizonte simbólico (Laclau, 2005). Nesta perspectiva a hegemonia pode ser considerada como

um conjunto de práticas e expectativas sobre a totalidade da vida: nossos sentidos e distribuição de energia, nossa percepção de nós mesmos e nosso mundo. É um sistema vivido de significados e valores constitutivo e constituidor que, ao serem experimentados como práticas, parecem confirmar-se reciprocamente. Constitui assim um senso da realidade para a maioria das pessoas na sociedade, um senso de realidade absoluta, porque experimentada, e além da qual é muito difícil para a maioria dos membros da sociedade movimentar-se, na maioria das áreas de sua vida (Williams, 1979:113 citado por Ridenti, 2001).

A contra-hegemonia seria então, uma parte desta totalidade que, na tensão entre as lógicas da equivalência e da diferença, busca superar sua própria condição de

exclusão simbólica. Segundo Santos (2003), a contra-hegemonia surge de dentro da própria hegemonia, a partir de iniciativas criativas capazes de produzir a transformação social.

A contra-hegemonia opera no terreno do antagonismo e do conflito social e tem como objetivo se tornar hegemônica. Nesse momento, entendemos que é importante trazermos à tona a diferenciação entre inimigo e adversário, feita por Mouffe (2006). Para a autora, essa diferenciação implica em considerar o conflito político para além da eliminação simbólica do inimigo, e assim, ter como horizonte os múltiplos antagonismos que permeiam a sociedade democrática sob a perspectiva do adversário. Nesse sentido, a contra-hegemonia não pode simplesmente se tornar hegemonia. Ao reconhecermos que a política é um espaço de conflito, podemos afirmar que os atores sociais antagônicos, ao disputarem um determinado lugar político, terão que se reposicionar.

Neste sentido, compreendemos as Identidades Coletivas como processos de significação que derivam de antagonimos sociais, e que estão articulados através da lógica de reciprocidade. Consequentemente, as Identidades Coletivas, instaladas como objetivação social, são atividades da política. Isso nos leva a dizer que,

Somente a presença de um conflito não basta para qualificar uma ação coletiva como movimento social. Se o conflito não ultrapassa os limites do sistema de referência, encontramo-nos diante da competição de interesses no interior de uma certa ordem normativa. A ação tende, então, à melhoria da posição relativa do ator, à superação dos obstáculos funcionais, à modificação das relações de autoridade (Melucci, 2001:36).

Sendo assim, as identidades contra-hegemônicas se encontram fora da objetivação social, e demandam das identidades coletivas operações de dessocialização para a construção da contra-hegemonia, ou da nova hegemonia. Nestas condições, as identidades coletivas contra-hegemônicas “comportam a ruptura dos limites de

compatibilidade do sistema de relações sociais em que se coloca: situam-se além da gama de variações que um certo sistema pode tolerar sem modificar a própria estrutura” (Melucci, 2001:37), provocando, então, a transformação da objetivação