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1.4. AS TEORIAS

1.4.1. Cultura Política e o estudo das elites

Para desenvolver a presente tese é utilizada a teoria da Cultura Política como base para compreender e analisar os valores dos senadores da Primeira República. Essa teoria contribui para expor os mecanismos de funcionamento do poder e tornando mais complexa a compreensão sobre os fenômenos políticos, trazendo um enfoque voltado para o comportamento político e suas subjetividades. A teoria culturalista, também, possibilita a construção de uma conexão entre variáveis individuais e estruturas políticas (ALMOND & VERBA, 1963).

O conceito de cultura política surgiu como uma alternativa para discutir a origem dos sistemas políticos democráticos, trazendo questões como valores e atitudes políticas internalizadas para a análise e assim, questionando as explicações tradicionais. Podendo ser definida como “as orientações especificamente políticas, às atitudes com respeito ao sistema político, suas diversas partes e o papel dos cidadãos na vida pública” (ALMOND & VERBA, 1963, p. 12).

47 “a noção de cultura política refere-se ao conjunto de atitudes, crenças e sentimentos que dão ordem e significado a um processo político, pondo em evidência as regras e pressupostos nos quais se baseia o comportamento de seus atores” (p. 227, 1999).

Segundo Berstein (1998), a cultura política não deve ser vista de forma isolada, mas, em conjunto com outros aspectos da realidade como econômico, político e social, no qual os indivíduos estão inseridos. Esta vertente teórica parte do pressuposto que é possível observar a política a partir de sua base, analisando as pessoas que compõem a política, sejam os eleitores ou os membros da classe política, para compreender as mudanças dos sistemas políticos e a estabilidade dos mesmos. As elites políticas exercem influência no processo político, seus valores, resultantes da socialização, educação e das experiências políticas vivenciadas durante a vida, importam, pois, é esta elite que está no comando do processo decisório e suas decisões afetam a sociedade como um todo (RENNÓ, 1998; REIS & CASTRO, 2001).

Moisés (1995) defende o estudo da cultura política uma vez que:

“a adesão dos indivíduos a atitudes, opiniões e comportamentos deve ser explicada em si, [...] e isto remete para o fenômeno da formação de interesses, identidades e concepções sobre as relações da sociedade com a política: interesses econômicos e sociais de indivíduos e grupos; identidades nacionais, sexuais, sociais, religiosas ou partidárias; e, finalmente, concepções sobre o papel do poder público, das relações entre o Estado e a sociedade, dos grupos sociais e dos atores políticos entre si – todas essas dimensões implicam em valores e orientações intersubjetivas que, no final das contas, afetam o comportamento e influenciam a tomada de decisões relativas à formação de instituições políticas” (MOISÉS, 1995, p. 93-94).

No desenvolvimento do estudo dessa vertente teórica, Almond & Verba (1963) propuseram uma tipologia para classificar a cultura política, pensada em termos nacionais (geograficamente falando) separando ela em três tipos: 1) súdita: apresenta estrutura autoritária e centralizada; 2) paroquial: tem uma estrutura de valores tradicionais, descentralizada e os indivíduos estão reduzidos à esfera particular; 3) participativa: apresenta a completa inclusão pública do indivíduo na política. A cultura cívica (o tipo de cultura política condizente com o regime democrático) é uma mistura desses três tipos, que permite a dimensão dos princípios e às leis do regime, assim como às dinâmicas de envolvimento e participação política. Esta depende do valor que os indivíduos dão as instituições democráticas (SILVA & RIBEIRO, 2016).

48 A proposta teórica dos autores apresenta a complexidade das relações sociais, nas quais por vezes vigoravam simultaneamente em mais de um tipo de cultura política na sociedade. Pensando nisto, eles desenvolveram o conceito de subcultura política, para enquadrar casos em que mais de uma cultura política coexistia no mesmo espaço. Segundo Almod & Verba (1963), o sucesso de um sistema político depende, em geral, da existência da congruência entre as instituições e os valores, crenças e atitudes políticas compartilhadas pelos cidadãos. Gimenes (2014) afirma que

“no plano subjetivo é fundamental que ocorra a adesão dos indivíduos no plano normativo ao sistema político vigente. No caso das democracias essa afirmação se torna ainda mais relevante, pois essa forma de governo pressupõe a existência de uma larga margem de legitimidade para funcionar adequadamente” (GIMENES, p. 121, 2014).

Posteriormente a Almond & Verba (1963), a questão da importância da crença no meio político foi debatida pelos pluralistas, entre eles Dahl (1997). O autor afirma que para que o regime democrático exista é necessário que a camada politicamente atuante do país acredite em seus méritos e rejeito as demais alternativas políticas. A questão da socialização desenvolvida por Dahl (1997) dialoga diretamente com a questão das elites políticas e dos valores que estas elites transmitem.

Os valores e concepções políticas transmitidas por aquelas pessoas que ocupam posição de destaque na sociedade são mais facilmente assimilados pelos cidadãos médios, o que torna as elites importantes personagens não apenas na elaboração, mas também na difusão dos elementos que compõem a cultura política de uma nação ou grupo (GIMENES, p. 123, 2014).

Esses valores são construídos a partir do processo de socialização que ocorre em dois períodos: 1) primária: ocorre na família e na escola; 2) socialização secundária: ocorre em instituições relacionadas ao mundo do trabalho e nas atividades que se desenvolvem na vida adulta. Nessa fase é possível o indivíduo abandonar as crenças antigas e incorporar as novas. Para o autor, os indivíduos experimentam as instituições de formas diferentes, resultando não numa homogeneidade de crenças, mas numa diversidade compartilhada. Desse modo, o fato de terem a mesma formação não garante os mesmos valores. A partir dessa socialização, as

49 elites políticas também desempenharão um papel importante nos processos de criação e difusão dos elementos que compõe a cultura política de uma sociedade. Rokeach (1968), considera que as duas primeiras décadas dos indivíduos são importantes no seu processo de socialização, mas lembrando que os padrões de valores podem ser modificados ao longo da vida, substituindo alguns elementos por outros.

Sobre a difusão dos valores numa dada sociedade, são as elites políticas que possuem papel importante, pois a incorporação de um determinado valor e crença é dado pelo prestígio de quem a transmite. Ou seja, os valores e percepções políticas transmitidas por quem ocupa posição de destaque numa sociedade são assimilados de maneira mais fácil pelos cidadãos médios, tornando a elite um importante ator não apenas na elaboração, mas também na difusão dos elementos que compõem a cultura política de um país. Para Diamond (1994), ao analisar a cultura política em países em desenvolvimento e identificar as suas fontes indica as ações deliberadas das elites como importantes fatores. Apesar de entender a cultura política como resultado de forças históricas e sociais, reconhece que valores, crenças e atitudes podem e são modificadas pela ação de líderes. Para Mills (1982), não é somente pelo prestígio que essa reprodução de valores opera, para o autor, o controle de posições institucionais e o poder dessas instituições podem disseminar mudanças.

No Brasil, as pesquisas que analisam a cultura política de grupos específicos, sejam elites políticas ou não, tem sido desenvolvida por autores como Perissinotto et al (2003) em seu estudo sobre conselhos gestores ou em amostras nacionais como é o caso de Moisés (1995) ou amostras estaduais e municipais de Castro (1995). Outros realizaram trabalhos sobre os valores e concepções políticas de atores sociais, como Reis (2000) e Reis & Cheibuc (1995), mas todos voltados para questões como democracia e a opinião dos indivíduos sobre temas específicos. No Brasil, a cultura política nacional é descrita como:

“um conjunto rígido de padrões político-culturais, dotado de forte capacidade de continuidade, combinando traços herdados das raízes ‘ibéricas’ do país – isto é, um sistema de valores autoritários, hierárquicos e plebiscitários – com componentes ‘estatistas’ e antiliberais resultantes do processo de formação do Estado” (MOISÉS, 1995, p. 105).

Para Messenber (2010) o sistema político brasileiro pode ser definido como formado por partidos políticos frágeis e com relações políticas personificadas e baseadas no clientelismo. A autora ainda afirma que a característica elitista do parlamento não é

50 acontecimento natural e dada, ela é desenvolvida e é um produto de um sistema social que estabelece critérios seletivos e opera o recrutamento dessas elites para os espaços de poder. Nesse sentido a cultura política de uma sociedade estaria presente nesse desenvolvimento, estabelecendo padrões e critérios para esse recrutamento.

Além do recrutamento das elites e dos valores da mesma, a formação de regimes políticos a cultura política também está presente. Para que se tenha um determinado regime político, seja democrático ou não (como é o caso da Primeira República), é necessário que a população tenho o mínimo de cultura cívica e que as elites políticas sejam formadas por uma grande parcela do estrato cultural dominante, no caso a adesão ao um sistema político que comporta partidos políticos. Ou seja, ao analisar indivíduos que constituem as elites políticas, fica evidente os elementos culturais da população (MICHELS, 2001).

De um modo geral a perspectiva teórica da cultura política defende uma abordagem que possa ser usada para analisar e orientar pesquisas sobre crenças, valores e identidades de diferentes grupos sociais, contribuindo para a explicação do comportamento político dos indivíduos (RENNÓ, 1998; PUTNAN, 1996; INGLEHART, 2002). Para a presente tese, a teoria da cultura política é essencial para compreender os valores e os posicionamentos dos senadores, enquanto grupo, em relação às questões do federalismo e do sistema partidário.