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Conhecido como Era Vargas, o período que vai de 1930 a 1945 insistiu na necessidade de consolidação do Estado-nacional. Para tanto, algumas idéias revolucionárias da década de 1920 viraram suportes para uma invenção do nacional, perdendo algo do seu vigor. Em 1933, Gilberto Freyre lançou o livro “Casa Grande e Senzala”, que marca a sociologia brasileira por apresentar o processo de miscigenação como um elemento positivo da formação do Brasil. Ao contrário, portanto, das teorias de “degeneração da raça”, em voga.

A partir desse livro, o encaminhamento das reflexões sobre a nacionalidade ganhou outro rumo. Através da política do Estado Novo, a repercussão dessa teoria que “autoriza” a presença negra e índia na cultura brasileira rapidamente adentra na dança aristocrática, agora como um desejo de realização. Tão bem historiada por Roberto Pereira, a temporada de 1939, do Balé Municipal do Rio de Janeiro, reflete este desejo de criação de uma arte brasileira mestiça e as divergências dos críticos quanto ao que seria essa brasilidade e como vê-la como qualidade artística. A questão: “pode o balé abrigar a idéia de brasilidade” (Pereira, 2003: 88) é respondida pelas críticas da época que discordam entre si sobre o que seria o nacional na dança, ou o que seria bom na dança e sobre que nacional pode representar o Brasil.

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Tradução minha do original em inglês: “Expressionism is not like impressionism or pos impressionism a specifically modern style in art. It´s rather a style that tends do reappear in north (da Europa) whenever the strength of external influences diminishes”.

Se, no início do século XX, havia uma demanda de artistas propondo uma modernização da arte brasileira, que levasse em conta os sotaques, os temas, o imaginário e os elementos plásticos do país existente, a partir do final da década de 1930, reinventar o Brasil virou um programa estimulado pela política nacional. Na dança, no Rio de Janeiro, o balé reforça sua afiliação com o romantismo e utiliza personagens indígenas e situações “típicas” para representar o nacional na dança. Por outro caminho, Eros Volúsia17, inspirada em discussões da dança moderna, ganha espaço para continuar o estudo e recriação de danças brasileiras. O Governo do presidente Getúlio Vargas não viu dificuldades de incentivar a criação de uma arte nacional, dando voz e vez a artistas, como Villa-Lobos e sambistas do morro carioca, ou seja, utilizar parte das idéias nacionalistas dos movimentos modernistas para promover a homogeneização da identidade nacional.

Já no Recife, a relação ditadura Vargas/produção artística parece ainda mais conservadora. A década de 1930 é marcada pela repressão à arte moderna e aos cultos afros, movida pelo governo Agamenon Magalhães, em acordo com uma parte do clero, chegando- se a apagar murais do artista plástico Di Calvalcanti.18 Nesse período, foi criado um órgão de inspiração romântica: a Federação Carnavalesca ⎯ instituição criada por folcloristas e comerciantes (Assis, 1996) ⎯ com o objetivo de regular o carnaval e atuar junto aos populares para converter suas manifestações em favor do “interesse nacional” (Almeida, 1996).

Roberto Benjamin (2000) discute a ação do Governo junto às culturas populares durante a história do Brasil e afirma que esta foi exercida através da ação policial ou através da concessão de subvenções e prêmios:

Usados habilidosamente como tática de “domesticação” das agremiações populares. De início foram oferecidos contratos de apresentação sem cláusulas restritivas. Estabelecida a dependência se fixaram, então, as horas, os lugares e os modos de desenvolver a brincadeira dentro de programações pré-estabelecidas, cujo descumprimento obriga à devolução das subvenções recebidas, à exclusão da premiação e do acesso a novos contratos e novas subvenções. As normas são apresentadas como

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Bailarina que atuou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e na década de 1930 ficou conhecida como criadora do bailado brasileiro. Mais informações em Pereira, 2003.

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“Infelizmente vimos a intolerância do período anterior voltar a ter curso no governo de um homem de visão como foi Agamenon Magalhães, pelo mau assessoramento que, nesse campo, recebeu de Manoel Lubambo, acumpliciado com um clérigo de origem Portuguesa, uma espécie de Savonarola (o jesuíta Padre Fernandes do Colégio Nóbrega, segundo Caio Souza Leão), que não só influiu para que voltássemos às perseguições dos cultos afros como para apagar painéis de Di Cavalcanti e pensar-se em fogueiras que devorassem materialmente um livro que começava a fazer sucesso já então, o Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre.” (apud Cláudio, 1984:14). Alguns desses murais foram recuperados durante a década de 1990.

consolidação do costume tradicional, mas, na verdade, são fruto do trabalho de tecno-burocratas. (2000: 30).

Instituição similar à Federação Carnavalesca também foi criada no Rio de Janeiro para organização das Escolas de Samba. O professor Fernando Passos19, nota que a dimensão historiográfica das Escolas de Sambas apresentam a história do Brasil como o encontro das três etnias, tendo nesse sentido um aspecto pedagógico materializado nas suas alas e organização do desfile, o que corrobora a afirmação de Benjamin.

Assim, através da Federação Carnavalesca e da política do Presidente Vargas, a proposição regionalista e modernista foi resumida a uma tentativa de controle e “preservação”, no sentido restrito e inviável do termo, das expressões populares. Transformadas em folclore, as produções simbólicas do Brasil foram novamente retiradas das discussões amplas sobre a sociedade brasileira. Mas isso não significou o não investimento em arte. Antonio Alves (1993) aponta o período do Governo Agamenon Magalhães como o ápice econômico de Pernambuco no séc XX, com realização de grandes obras de urbanização e infra-estrutura. No campo das artes, essas ações se materializaram na criação do salão anual de pintura, da orquestra sinfônica, de um programa editorial e da Casa do Estudante de Pernambuco.