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Currículo Escolar

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1. MAPA DO CAMINHO

1.2 Projeção

1.2.2 Currículo Escolar

Desde a década de 20 do século passado até os dias atuais, muitas foram e são as teorizações sobre o currículo, bem discutidas por autores como Moreira e Silva (1999) e Silva (2011), que trazem em suas pesquisas reflexões acerca das mudanças paradigmáticas que o currículo sofreu com o passar do tempo. De uma concepção simplesmente metódica sobre como ensinar, atualmente, os estudos do currículo influenciados por teorias críticas e pós- críticas, concebem o currículo como uma práxis24 e não como um objeto estático.

Práxis esta, pertencente a uma cultura. Para Silva (2008) o currículo é a expressão da função socializadora e cultural da educação, que se consolida a partir dos conteúdos, do seu formato e das práticas geradas ao seu redor. Os objetivos do currículo, no entanto, não são conseguidos ou concebidos de forma fácil, pois envolvem negociações, rupturas, renegociações entre diferentes esferas do campo educativo e conexões entre este e outros campos da sociedade que influenciam e são influenciados pela educação. Para Pineau (2008), é preciso estar ciente de que o currículo é um campo de disputa e que:

Não é o resultado de um processo abstrato, a-histórico e objetivo, mas originado de conflitos, de compromissos e alianças de movimentos e de grupos sociais, acadêmicos, políticos, institucionais, etc., identificáveis. O curriculum, como conjunto de saberes básicos, é um espaço de luta — em que se incorporam e amalgamam tendências contraditórias — que não se mantém como um dado, mas toma formas sociais particulares e incorpora certos interesses que são, por sua vez, o produto de oposições e negociações contínuas entre os diferentes grupos intervenientes (PINEAU, 2008, p. 99).

O currículo nas duas últimas décadas adquiriu um papel central na educação e principalmente nas reformas educacionais, como aponta Lopes (2004). Para a autora, as reformas nas políticas curriculares recebem maior destaque do que as demais reformas educacionais, e são analisadas como se por si só já fossem a própria reforma, cabendo as escolas implementar as novas demandas curriculares. O PCN de Meio Ambiente e as DCN de

24

Práxis ação e reflexão sobre a realidade, definição segundo Paulo Freire, no livro Pedagogia do oprimido. 17a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

EA são exemplos disso, se constituem como tentativa política de expandir e padronizar a EA nas escolas, visto que algumas escolas e professores já desenvolviam práticas de EA antes dessas orientações. Esses textos representam a possibilidade de sistematizar a EA no sistema de ensino formal.

Segundo Lopes (2004) a ideia de implementação pode levar a uma armadilha na qual: “os dirigentes questionam as escolas por não seguirem devidamente as políticas oficiais, e os educadores criticam o governo por produzir políticas que as escolas não conseguem implantar” (LOPES, 2004, p.111). E dessa forma as discussões curriculares tendem a cair num vazio, diante das impossibilidades de se transformar teoria em prática.

Para além dessa armadilha, pretendemos olhar o currículo como uma construção que não é realizada apenas pelo poder público, uma vez que a escola também produz currículo e não simplesmente o implementa. De encontro a essa perspectiva linear de mera implementação, temos os estudos de Stephen Ball e colaboradores (BALL, 1994; BOWE e BALL, 1992; e BOWE, BALL e GOLD, 1992) que propõem o ciclo contínuo de produção das políticas curriculares.

De acordo com Bowe e Ball (1992) o ciclo contínuo é constituído por três contextos principais produtores de políticas, a saber: o contexto da influência; o contexto da produção de texto e o contexto da prática. Esses contextos não são estáticos, mas sim dinâmicos e fluidos, não têm dimensão temporal ou sequencial, nem etapas lineares. Os contextos estão em circulação e são permeados uns pelos outros. Para o autor, cada um dos contextos envolve arenas, lugares e grupos de interesse com suas disputas e embates.

No contexto de influência são produzidas as definições e os discursos políticos em âmbito global. Para Mainardes (2006, p.51), é nesse contexto que: “grupos de interesse disputam para influenciar a definição das finalidades sociais da educação e do que significa ser educado”. Os grandes encontros de EA promovidos pela ONU são exemplos do contexto de influência. Muitas das concepções que norteiam as políticas curriculares se basearam nas orientações e diretrizes desses encontros.

O contexto no qual os textos políticos são produzidos é denominado de contexto da produção de textos, e é por ele que se norteiam as ações a nível nacional, estadual e municipal. Como exemplos desses textos, podemos citar: a legislação, as orientações curriculares, os parâmetros curriculares nacionais e as políticas educacionais, dentre outros documentos e produções governamentais.

No contexto da prática, os textos políticos estão sujeitos a serem reinterpretados e recriados, pelos que atuam na escola. Sendo assim, os efeitos pretendidos pelos textos

políticos podem ser completamente diferentes dos que de fato ocorrem nas escolas, pois, de acordo com Bowe e Ball (1992, p.22):

[...] os profissionais que atuam no contexto da prática [escolas, por exemplo] não enfrentam os textos políticos como leitores ingênuos, eles vêm com suas histórias, experiências, valores e propósitos (...). Políticas serão interpretadas diferentemente uma vez que histórias, experiências, valores, propósitos e interesses são diversos. A questão é que os autores dos textos políticos não podem controlar os significados de seus textos. Partes podem ser rejeitadas, selecionadas, ignoradas, deliberadamente mal entendidas, réplicas podem ser superficiais etc. Além disso, interpretação é uma questão de disputa. Interpretações diferentes serão contestadas, uma vez que se relacionam com interesses diversos, uma ou outra interpretação predominará, embora desvios ou interpretações minoritárias possam ser importantes (BOWE; BALL (1992, p.22).

Essa perspectiva, permite romper com a visão de implementação de políticas públicas como algo verticalizado, no qual uma instância política superior ordena e as escolas seguem as ordens tal como foram concebidas. Não se pretende afirmar que as escolas têm total autonomia para realizarem suas práticas. A escola não se institui independentemente do contexto social, político e econômico no qual está inserida, mas também ela não pode ser configurada como uma instituição neutra, que simplesmente se adapta às demandas externas que lhe são exigidas.

Há na escola uma série de disputas acontecendo e que são pertinentes aos envolvidos na mesma, como indica Rockwell e Ezpeleta (2007):

As diferenças regionais, as organizações sociais e sindicais, os professores e suas reivindicações, as diferenças étnicas e o peso relativo da Igreja marcam a origem e a vida de cada escola. A partir daí, dessa expressão local, tomam forma internamente as correlações de forças, as formas de relação predominantes, as prioridades administrativas, as condições trabalhistas, as tradições docentes, que constituem a trama real em que se realiza a educação (ROCKWELL; EZPELETA, 2007, p.133).

O currículo é fruto dessas influências convergentes e sucessivas, coerentes ou contraditórias, o currículo expressa ao mesmo tempo o equilíbrio e a tensão entre os múltiplos compromissos assumidos na escola (SACRISTÁN, 2000). Nesse aspecto, ele não se restringe apenas a uma versão documental formal, nem tão pouco é somente a prática escolar, ele é formado no imbricamento destes.

Desse modo é possível perceber que os contextos não são delimitados, ou demarcados, cada contexto tem sua própria dinâmica de produção e interage com os demais contextos sendo modificados e modificando os mesmos, nesse processo. Mainardes (2006) afirma que

enfoques podem ser dados a determinado contexto, no entanto não se pode perder de vista as dimensões macro e micro e as inter-relações estabelecidas entre esse contexto e os demais. Na pesquisa, nosso foco é o contexto da prática, olhamos para as escolas e o currículo nelas produzido, tentando entender como a EA é inserida e as práticas geradas a partir dessa inserção. Os demais contextos são discutidos à medida que conexões entre os discursos desses contextos com o da escola se apresentam. Logo é a escola que nos aponta as conexões com os demais contextos e não o inverso, visto que se optássemos por olhar os contextos da influência e da produção para depois olhar o contexto da prática, teríamos uma vasta quantidade de informações que não necessariamente ressoariam na escola.

A opção pelo currículo deve-se ao fato do mesmo estar no cerne da atividade educacional, compartilhamos da definição de currículo trazida por Silva (1995) como o conjunto de experiências de conhecimento proporcionadas aos alunos. O autor completa afirmando que a escola foi socialmente construída para organizar as experiências de conhecimento com o intuito de produzir determinada identidade individual e social, e ela não somente organiza, mas funciona dessa forma.

Assim, aprendemos bem mais do que conhecimentos referentes a saberes disciplinares, aprendemos posturas, comportamentos e regras sociais, hierarquias, a própria infraestrutura da escola nos ensina, isso pode ser visto na dificuldade que temos, por exemplo, de pensar uma escola sem grades, combogós e muros. Aprende-se escola na própria escola.

Nesse sentido o currículo não abrange apenas o arcabouço cultural da sociedade na qual a escola está inserida, mas também engloba a própria cultura escolar, conceituada por Vinão Frago (2000 apud SILVA, 2006), como um conjunto de práticas, normas, ideias, procedimentos que se expressam em modos de fazer e pensar o cotidiano escolar pelos atores escolares (professores, alunos, gestores, funcionários de apoio).

É importante aqui fazer uma consideração acerca das pesquisas que enveredam sobre o currículo escolar nos dias atuais. Embora o currículo, como já explicitado, tenha um importante papel na educação, investigar o currículo escolar não tem despertado muito interesse. Santos (2007) aponta que depois da grande quantidade e diversidade de pesquisas acerca do currículo na década de 90, houve um esfriamento dessas investigações. A complexidade da sociedade atual advindas das transformações sociais indica a necessidade de uma nova escola e um novo currículo, o desafio é de como, diante de uma sociedade multicultural, selecionar o que pode compor o currículo.

Diante disso, autora argumenta que parece ser um grande desafio para os pesquisadores da área olharem para o currículo escolar, visto que:

As discussões sobre currículo escolar parecem, nestes últimos anos, e para algumas tendências no campo do currículo, alguma coisa fora de lugar e datada. De maneira bem direta e simples, parece que fica quase impossível, para alguns, aprofundar problemas presentes nos currículos escolares, sem ser prescritivo, e para outros, sem ser moralista, essencialista e metafísico. Em meio a esses extremos, há sempre a maioria silenciosa (SANTOS, 2007, p.294).

Todavia nos debruçamos sobre a escola e o currículo, por compreendermos que a escola cumpre um importante papel na construção e reprodução da sociedade, logo não há como pensar mudanças sociais que não tocam a escola e o currículo por ser fundamental para a compreensão das práticas escolares, tendo em vista que as práticas giram em torno dele. Em suma, pode-se dizer que o currículo é construído dentro da escola e fruto de demandas externas e internas a mesma. Todos os atores escolares estão de certa forma envolvidos com o currículo, mas um ator em especial, parece se destacar, é o professor, que tem um importante papel na modelação do currículo, visto a sua atuação mediadora entre os conhecimentos a serem ensinados e o aluno. Quanto a isso Sacristán (2000) afirma:

O professor é um agente ativo muito decisivo na concretização dos conteúdos e significados do currículo, moldando a partir de sua cultura profissional qualquer proposta que lhe é feita, seja através da prescrição administrativa, seja do currículo elaborado pelos materiais, guias, livros-textos, etc. (SACRISTÁN, 2000, p. 105).

Frente ao conjunto de conhecimentos a serem ensinados na escola o professor faz a seleção, dá ênfase a determinado conteúdo, e mesmo diante de exigências e pressões externas, ele externaliza suas concepções ideológicas ao fazê-lo, entretanto como bem coloca Sacristán (2000) a ação docente ocorre em uma instituição, portanto ela é condicionada. As escolhas do professor ao desenvolver sua prática docente se enquadram dentro das possibilidades que a escola onde ele trabalha permite, logo:

O professor não decide sua ação no vazio, mas no contexto da realidade de um local de trabalho, numa instituição que tem suas normas de funcionamento marcadas às vezes pela administração, pela política curricular, pelos órgãos de governo de uma escola ou pela simples tradição que se aceita sem discutir (SACRISTÁN, 2000).

As ações desenvolvidas pelo professor na modelagem do currículo negociam com essas questões e as práticas de EA desenvolvidas pelos docentes não fogem a essa, nem sempre fácil, negociação. Ao propormos investigar a ambientalização do currículo procuramos levar em consideração esses múltiplos fatores a fim de compreendermos de que forma a EA se torna possível nas escolas.

A ambientalização do currículo é aqui entendida como o processo de inserção e formação de práticas educativas voltadas para a EA no interior do currículo. E como principal agente dessas práticas, temos o professor. Esclarecidos os elementos que compõem a projeção do mapa, apresentaremos o último mecanismo de distorção, a saber, a simbolização.

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