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5.4 Formação intelectual e ética do magistrado

5.4.2 Cursos Preparatórios

Percebendo essa deficiência das universidades em preparar o estudante para os concursos públicos de magistratura, o mercado de cursos preparatórios se expandiu. De fato, enfatizam a técnica e se descuidam de temas fundamentais como valores sociais, filosóficos e políticos. As faculdades de direito no Brasil estão se mostrando insuficientes em desenvolver no estudante o pensamento crítico necessário à aprovação no certame para a magistratura.

Na sociedade moderna que vivenciamos há um grande número de faculdades. Considerando esse fato o modelo de seleção de juízes, mediante concurso público, ainda se apresenta como o mais adequado. Tal modelo é aberto e analisa, em condições de igualdade, todos os candidatos, excluindo privilégios e evitando discriminações.

A Constituição Federal de 1988 prevendo esse modelo de recrutamento e uma vez que os juízes, regularmente selecionados, atuem nos limites de sua competência legal, não há como pôr em dúvida sua legitimidade. Esta decorre da Constituição e não é menor do que a resultante do processo eleitoral, modelo adotado para a escolha dos membros dos demais poderes.320.

Conforme já ressaltado, com o aumento do número de faculdades, desacompanhada de um critério para a autorização de seu funcionamento, torna-se tendência natural a queda do nível do ensino. Nesse contexto, optar por um "curso preparatório", com professores

319 LEARDINI, Márcia. A importância da formação do magistrado para o exercício de sua função política. In:

Recrutamento e formação de magistrados no Brasil. José Maurício Pinto de Almeida, Márcia Leardini (Coords.). Curitiba: Juruá, 2007, p. 114.

renomados e, muitas vezes, aulas transmitidas por vídeo-conferência para os quatro cantos do país, surge como saída indispensável para lograr a aprovação no concurso321.

O primeiro grande problema que se apresenta é o custo desses referidos cursos preparatórios. Normalmente os valores cobrados são altíssimos e retiram da concorrência candidatos com baixo poder aquisitivo. Tal constatação nos remete irremediavelmente ao problema da discriminação. Ou seja, a falta de preparo dos alunos por parte das universidades faz gerar o fenômeno dos cursos preparatórios em massa e o alto custo destes provoca desigualdade entre os candidatos concorrentes.

Outra pesquisa realizada com magistrados de todo Brasil, datada de 1997, relatou que já naquela época crescia exponencialmente o número de cursos preparatórios. Outro dado é o de que a maioria dos juízes recém-aprovados no concurso havia frequentado os referidos cursos322.

A reprodução em massa desse modelo de cursos preparatórios, inclusive para aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil, traz um alerta para a preocupante situação que se coloca diante dos olhos. Os alunos passam cerca de cinco anos na universidade, obtêm o grau de bacharel, mas não têm o nível de aprendizado suficiente para aprová-los no próprio exame da OAB.

Mais uma vez, porém, se questiona sobre a formação ética do magistrado. Sem dúvida tais cursos preparatórios suprem carências de conteúdo que, em princípio, deveriam estar a cargo dos cursos de direito. No entanto, estão longe de preparar o ser humano para a carreira que irá exercer. Falham na missão de incutir-lhes valores sociais e de conferir uma formação voltada para a realização da dignidade humana.

321 COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. O processo de formação e seleção do magistrado brasileiro. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6113>. Acesso em: 26 dez. 2008.

322 VIANNA, Luiz Werneck. CARVALHO, Maria Alice Rezende de. MELO, Manuel Palacios Cunha. BURGOS, Marcelo Baumann. Corpo e alma da magistratura brasileira. 3.ed. Rio de Janeiro: Revan, 1997, p. 67-68.

Os cursos preparatórios podem dotar os candidatos de bons conhecimentos técnico- jurídicos e até mesmo conhecimentos filosóficos e políticos mais aprofundados, necessários que são para a aprovação em fases avançadas dos concursos públicos. Mas a própria dinâmica em que são dadas as aulas (através de videoconferências, salas lotadas, impessoalidade, alto grau de competitividade) não torna o ambiente profícuo para o exercício da crítica.

O ensino jurídico nesses cursos é qualificado pelo seu objetivo pragmático, silente de crítica e construção ética. Confere ao aluno uma visão literalmente estática do direito, notadamente com fins a reproduzir didaticamente o que da doutrina e da jurisprudência é cobrado nas provas323.

O último dado mais alarmante em relação aos cursinhos preparatórios consiste no desprestígio que gera na classe docente. Por se tratar de um negócio altamente rentável, os professores de cursos preparatórios não precisam ser qualificados e são os que têm melhor remuneração no mercado de trabalho. Além disso, não precisam e sequer dispõem de tempo para o diálogo, o debate, a pesquisa e a crítica.

Trata-se de um ensino mediano, em série, formatador de mentes, que veio acompanhar a tendência generalizada de desestruturação do ensino nos países subdesenvolvidos. Movimento previamente pensado e planejado pelos teóricos do mercado financeiro e colocado em prática com veemência pelos políticos do neoliberalismo.

Boaventura Santos afirma que o ataque à universidade por parte dos Estados rendidos ao neoliberalismo foi de tal maneira maciço que é hoje difícil definir os termos da crise que não em termos neoliberais Para o autor, a crise institucional atravessada pelas universidades nos últimos trinta anos “foi provacada ou induzida pela perda de prioridade do bem público

323 ARRUDA, Augusto Francisco Mota Ferraz de. Formação e recrutamento de juízes. In: Recrutamento e

formação de magistrados no Brasil. José Maurício Pinto de Almeida, Márcia Leardini (Coords.). Curitiba: Juruá, 2007, p. 46.

universitário nas políticas públicas e pela conseqüente secagem financeira e descapitalização das universidades públicas”324.

De fato, no Brasil, o governo militar percebendo que a origem do pensamento revolucionário estava nas escolas e nas universidades públicas promoveu a reforma do ensino no país. O novo modelo de ensino seria, então, baseado no sistema norte-americano de ensino, enfatizando as ciências exatas e desprestigiando abertamente o ensino humanístico325.

Nas últimas três décadas, nos países que vivenciaram a experiência da ditadura, houve franca indução à crise institucional das universidades sob dois fundamentos, segundo Boaventura Santos:

[...] a de reduzir a autonomia da universidade até ao patamar necessário à eliminação da produção e divulgação livre de conhecimento crítico; e a de pôr a universidade ao serviço de projetos modernizadores, autoritários, abrindo ao sector privado a produção do bem público da universidade e obrigando a universidade pública a competir em condições de concorrência desleal no emergente mercado de serviços universitários326.

Portanto, em contexto de redemocratização do país os cursos preparatórios aparecem como uma consequência natural da política de eliminação do conhecimento crítico de dentro das universidades brasileiras.

Apesar de prepararem os futuros ocupantes da magistratura, os cursos preparatórios não os formam ética e criticamente. Não o suficiente para o nobre exercício da magistratura. A atividade do juiz interfere diretamente na vida de pessoas comuns. Conhecer essa realidade deveria ser a principal preocupação dos cursos preparatórios e, muito antes destes, das próprias universidades.

324 SANTOS, Boaventura de Sousa. A universidade no séc. XXI: para uma reforma democrática e emancipatória

da universidade. 2.ed. São Paulo: Cortez Editora, 2004, p. 45.

325 ARRUDA, Augusto Francisco Mota Ferraz de. Formação e recrutamento de juízes. In: Recrutamento e

formação de magistrados no Brasil. José Maurício Pinto de Almeida, Márcia Leardini (Coords.). Curitiba: Juruá, 2007, p. 44.