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Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil iniciou sua virada política democrática. A referida Carta contempla direitos trabalhistas, entendidos como direitos fundamentais e de aplicabilidade imediata. Mas após vinte anos de sua edição tais direitos ainda continuam sendo descumpridos. As razões para esta falta de efetividade são de diversas ordens, dentre elas a morosidade e ineficiência do Poder Judiciário.

Não há dúvidas de que a reforma do Judiciário promovida pela Emenda Constitucional n. 45, que veio à tona em dezembro de 2004, é resultado também da insatisfação da sociedade com o sistema jurídico atual. Num contexto de redemocratização e de profundas mudanças, o indivíduo passa a se apropriar do conceito de cidadania e a demandar a reavaliação do papel do Poder Judiciário.

Alguns questionamentos e suas respectivas conclusões podem demonstrar a diversidade de ideias que permeiam a sociedade de hoje especialmente no que dizem respeito à reforma do Judiciário. A insatisfação dos jurisdicionados é em que sentido? Qual o projeto mais eficaz? Maior rapidez na solução dos conflitos ou maior efetividade dos direitos?

Analisando os dados da pesquisa coordenada por Maria Tereza Sadek e realizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Joaquim Falcão diz que o Poder Judiciário não parece mais estar tão isolado socialmente como antes. Para o autor, a concepção dogmática do direito foi extrapolada e as políticas judiciais dentro de uma reforma do Judiciário devem levar em conta esse novo padrão de permeabilidade do juiz para com a sociedade. Nesse sentido, a pauta nacional prioritária está em combater a lentidão, ampliar o acesso popular à Justiça e adotar práticas gerenciais eticamente mais rigorosas286.

Por outro lado, Júlia Ximenes apresenta o isolamento do Judiciário frente às lutas políticas e da sociedade como principal fator desencadeador de uma crise de legitimidade e autoridade do mesmo. A retração do Judiciário diante de questões altamente políticas e

286 FALCÃO, Joaquim. O múltiplo judiciário. In: SADEK, Maria Tereza. Magistrados: uma imagem em

públicas por vezes leva a uma “não-decisão”. Para a autora, o Judiciário brasileiro hoje ainda reflete o velho dogmatismo jurídico de “um modelo normativista formalista onde o direito apenas estabelece sanções como consequência do descumprimento das normas, e onde a força lógica da abstração e da impessoalidade imperam”287.

Não nos parece que tais medidas sejam excludentes. Porém, é visível que a mera redução do direito a um sistema de normas, que almejam a completude e unidade de tratamento jurídico aos fatos sociais, traz consigo o perigo da impermeabilização do Poder Judiciário.

Nesse sentido, os aspectos políticos, filosóficos, econômicos e sociais dos fatos não podem ser ignorados sob a primazia técnica de imprimir maior celeridade à máquina judiciária. Assim como a pretensão de neutralidade dos juízes do modelo de Estado liberal ocultava os conflitos socioeconômicos e políticos, os atuais escopos de celeridade e amplo acesso do jurisdicionado ao Judiciário podem acobertar verdadeiras disposições de direitos alheios, mediante decisões apartadas da vida real.

O Brasil adotou um “pacto de Estado a favor de um Judiciário mais rápido e republicano”. Tal pacto indica que a reforma do sistema judicial passou a fazer parte da agenda prioritária do país. Foi criada a Secretaria de Reforma do Judiciário no âmbito do Ministério da Justiça incumbida de colaborar na sistematização de propostas e em mudanças administrativas288.

No referido documento a morosidade da Justiça é apresentada como uma das premissas básicas a justificar a reforma do judiciário. Ela é colocada como causa da baixa eficácia das decisões judiciais, que levaria ao retardamento do desenvolvimento nacional e ao desestímulo a investimentos. Ademais, propiciaria, ainda, a inadimplência e impunidade, solapando a crença dos cidadãos no regime democrático.

287 XIMENES, Julia Maurmann Ximenes. Uma nova concepção de justiça no Brasil: análises sobre a teoria de

Rawls e de Höffe. Revista do direito, Pelotas, v.1, n.1, jan./dez. 2000, p. 115.

288 Para saber mais sobre o pacto pelo Judiciário, consultar site a seguir. Disponível em: <www.mf.gov.br>. Acesso em: 26 dez. 2008.

De fato, a lista de onze289 medidas a serem tomadas, para colocar o pacto em prática, é totalmente baseada nos escopos da celeridade e ampliação do acesso à justiça. Não há em qualquer das propostas a preocupação com a formação ou reformação daqueles que conduzem o Judiciário, os juízes. As reformas são técnicas, não são humanas.

Por tais razões, a proposta aqui é humana. Se houver alguma reforma a ser feita, que seja a da consciência e da maneira como o direito é visto, interpretado e aplicado. E, principalmente, a forma como o juiz enxerga o mundo para o qual trabalha e que modifica pelos efeitos concretos que suas decisões surtem.

O operador do direito precisa entender a sociedade, seus conflitos, perquirir sobre seus valores e investigar suas concepções filosóficas e políticas. Assim, poderá valer-se dos próprios mecanismos que o sistema processual lhe oferece para uma prática jurisdicional libertadora e a favor da efetividade dos direitos trabalhistas albergados na Constituição Federal de 1988.

O juiz passa a desempenhar o seu papel social na medida em que perquire acerca de seus valores e concepções filosóficos e políticos individuais e investiga os pressupostos do caso sob julgamento. Só assim que ele poderá assumir um compromisso com a justiça social, com a dignidade da pessoa humana e com a democracia. Tal operação torna possível um julgamento mais amarrado à realidade e com maior responsabilidade na efetivação da justiça.

Ressalte-se que a tomada de consciência do juiz da realidade para a qual trabalha significa admitir que dados, por vezes acobertados do mundo e da vida reais, venham à tona e propiciem um julgamento “justo”. Mas não significa abandonar a lei. A proposta consiste em adequar o conteúdo da prestação jurisdicional à realidade da sociedade de hoje. Esse objetivo

289 1. Implementação da Reforma Constitucional do Judiciário; 2. Reforma do sistema recursal e dos procedimentos; 3. Defensoria Pública e Acesso às Justiça; 4. Juizados Especiais e Justiça Itinerante; 5. Execução Fiscal; 6. Precatórios; 7. Graves violações contra os direitos humanos; 8. Informatização; 9. Produção de dados e indicadores estatísticos; 10. Coerência entre a atuação administrativa e as orientações jurisprudenciais já pacificadas; 11. Incentivo à aplicação das penas alternativas.

não pode ser colocado em segundo plano sob a alegação de maior celeridade que se demanda do Poder Judiciário.

O que se espera é que a crise vivenciada pelo Estado social não signifique tornar a celeridade o princípio base da atividade jurisdicional. Isso significaria a negação do suado comprometimento ético das decisões judiciais com a verdade e com a democracia, conquistado com o advento do Estado social.

Por tudo isso, falamos da necessidade e importância de os juízes serem dotados de conhecimentos culturais, sociológicos, filosóficos e econômicos que os esclareçam. Primeiramente de suas próprias opções pessoais e ato contínuo de seu papel social e político, a fim de que possam ter o distanciamento crítico necessário para o conhecimento da realidade para a qual dirigem sua atuação profissional.

Saliente-se que na presente tese o foco está na atuação do juiz, notadamente, da área trabalhista.