• Nenhum resultado encontrado

A educação passou a ser tratada como um investimento nas pessoas, sob duas perspectivas: primeiro porque o ato de se educar demanda tempo por parte dos indivíduos, e segundo porque a observação empírica tem mostrado que pessoas com mais escolaridade têm, em média, rendimentos maiores que pessoas com menos escolaridade. (CAMARGO, 2006)

É na primeira das perspectivas apresentadas que se aplica o conceito de custo de oportunidade aos candidatos ao vestibular, pois o tempo consumido na preparação para o vestibular poderia ser dedicado a obter renda no mercado de trabalho ou em outra atividade qualquer. Logo, o custo de oportunidade mínimo seria a remuneração que o candidato deixou de auferir trabalhando, enquanto investia seu tempo na preparação para as provas do vestibular.

Do ponto de vista puramente econômico, afirma Camargo (2006, p. 6),

a decisão de se educar pode ser tratada como um investimento no qual o indivíduo incorre em um custo [de oportunidade] no presente para obter um ganho futuro de renda. Se o ganho de rendimento devido a um ano adicional de educação for maior que seu custo, podemos dizer que a taxa de retorno privada deste ano adicional de educação é positiva.

Estudo desenvolvido por Mincer22, citado por Camargo (2006) sobre a

taxa de retorno privada de um ano adicional de educação, aponta que nos Estados Unidos essa taxa era de 10% em 1974. Ainda de acordo com Camargo (2006), 20 anos depois, em 1994, Psacharopoulos23 estudou essa taxa em diversos países do mundo e concluiu que a mesma oscilava entre 5 e 15%.

Bartalotti e Menezes-Filho (2007, p. 3) defendem que “A decisão de investir em educação é tomada comparando o fluxo de rendimentos esperados, excluídos os custos associados [custos de oportunidade] à sua aquisição, com o valor presente da renda esperada ao não fazer o investimento”. Segundo os autores, enquanto o fluxo de rendimentos esperados superar o custo de oportunidade,

22 MINCER, J. Schooling, earnings and experience. New York: Columbia University Press, 1974. 23

haverá incentivos para dar continuidade aos estudos. Analisando os custos de oportunidade, ou seja, os custos associados à aquisição da educação, a demanda por essa educação sofre uma redução sempre que esses custos aumentam; por outro lado, subsídios e ajudas de custo aos estudantes reduzem o custo de oportunidade e, consequentemente, aumentam a procura pelos cursos.

Pesquisa desenvolvida por Avena (2003), utilizando a base de dados referentes aos candidatos aprovados no Vestibular da Universidade Federal da Bahia no período compreendido entre os anos de 1993 e 2001 (exceto os anos de 1996, 1999 e 2000, cujos dados não estavam disponíveis), com uma amostra de 6.440 casos, procurou identificar as variáveis que influenciam os candidatos no momento de escolher o curso para o qual prestaria vestibular. Dentre as variáveis estudadas, estava o custo de oportunidade pela escolha de um curso superior, em detrimento de perceber um salário relativo à sua qualificação no ensino médio. Entre outras conclusões, destacam-se as seguintes que têm relação com o custo de oportunidade:

 em 3028 casos o custo de oportunidade era o máximo, pois os candidatos não trabalhavam;

 os indivíduos procuram um curso superior analisando a trajetória de renda que a profissão escolhida poderá proporcionar, mas sem se descuidar do sacrifício que terá que fazer (custo de oportunidade) por se ausentar do mercado de trabalho para estudar;

 cursos mais longos implicam em menor demanda, por apresentarem maior custo de oportunidade;

 a cada 1% de aumento no custo de oportunidade, verifica-se uma redução de 0,251% na demanda pelo curso;

 uma maior taxa de desemprego reduz o custo de oportunidade de forma direta (via desemprego) ou indireta (redução de salários pelo excesso de oferta de mão-de-obra); e

 quanto maior a renda de quem trabalha, menor a demanda por ensino superior, pois o custo de oportunidade cresce de acordo com a renda.

O processo de escolha do curso superior é um tema bastante complexo e tem despertado interesse de pesquisadores de diversas áreas no mundo inteiro. No plano internacional, Nogueira (2005, p. 4) destaca os achados de Bourdieu24 que,

em 1964 já constatava

a existência de uma forte correlação entre a origem social dos estudantes (definida pela categoria sócio profissional dos pais) e o tipo de curso superior frequentado. O autor mostrava que essa correlação era influenciada ainda pelas variáveis sexo, idade e, secundariamente, pela origem geográfica (rural ou urbana) dos estudantes. De um modo geral, os indivíduos oriundos das camadas superiores da sociedade ingressavam nos cursos mais prestigiados do sistema universitário francês. Os membros das camadas inferiores, ao contrário, quando chegavam ao ensino superior, eram relegados aos cursos e faculdades de menor prestígio. Em relação às mulheres, da mesma forma que foi observado no caso brasileiro, Bourdieu já destacava que, embora suas probabilidades de ingresso no ensino superior fossem próximas às dos homens, elas tendiam, na época, a se restringir às humanidades e às carreiras voltadas para o magistério.

Ainda no plano internacional, Nogueira (2005, p. 4-5) destaca estudos mais recentes de, por exemplo, Duru e Mingat, 197925, 198826; Duru-Bellat, 199527;

Ball et al., 200128; Reay et al., 200129; Broady et al., 200230, que reiteram com maior

riqueza de detalhes, as constatações de Bourdieu, deixando claro que as pessoas “não escolhem seus cursos superiores de maneira aleatória, a partir de atributos de caráter idiossincrático, mas em função de suas características socioeconômicas e acadêmicas, do seu gênero, de sua idade e de seu pertencimento étnico”.

24 BOURDIEU, Pierre. Les Héritiers. Paris: Les Éditions de Minuit, 1964.

25 DURU, M.; MINGAT, Alain. Les disparités de carrières individuelles a l´université: une dialectique de la

sélection et de l´autosélection. L´Année sociologique, vol. 38, p. 309-340, 1988.

26 DURU, M.; MINGAT, Alain. Comportement des bacheliers: modèle de choix de disciplines. Consommation, n

3-4, 1979.

27 DURU-BELLAT, Marie. Les inégalités sociales à l´école. Genèse et mythe., Paris: PUF, 2OO2.

28 BALL, S. J. ; DAVIES, J. ; DAVID, M. ; REAY, D. Décisions, différenciations et distinctions: vers une sociologie du

choix des études supérieures. Revue Française de Pédagogie, n 136, juillet/août/septembre, p. 65-75, 2001.

29

REAY, D.; DAVIES, J.; DAVID, M.; BALL, S. J. Choi es of Deg ee o Deg ees of Choi e? Class, Ra e a d the Higher Education Choice Process. Sociology, vol. 35, n 4, p. 855-874, 2001.

30 BROADY, D.; BÖRJESSON, M.; PALME, M. GO WEST! - O sistema de ensino sueco e os mercados

No Brasil, os trabalhos pioneiros nessa área foram desenvolvidos por Gouveia em 196831 e 197032 e constataram a existência de uma forte correlação

entre a origem social dos estudantes e o ramo do ensino superior no qual eles se encontravam matriculados. (NOGUEIRA, 2005)

Nos seus estudos, Gouveia apresentou outras constatações, destacadas por Nogueira (2005, p. 4-5), tais como:

concentração dos alunos com perfil socioeconômico mais elevado na área de ciências e tecnologia, incluindo-se aí os cursos de Medicina, Odontologia e Arquitetura, mas também a importância da origem étnica e do gênero na definição dos estudos superiores. [...] os descendentes de japoneses apresentavam uma significativa predileção pela área de ciência e tecnologia, e, paralelamente, uma rejeição pela área de ciências humanas e ramos correlatos. [...] com exceção das japonesas, as mulheres apresentavam uma preferência pelas ciências humanas em detrimento das demais áreas de formação.

Estudos realizados por Paul e Silva (1998)33 e por Braga, Peixoto e

Bogutchi (2001)34 também são citados por Nogueira (2005, p.4), e indicam que

essas variações no perfil do alunado segundo os cursos são definidas anteriormente ao próprio vestibular. Via de regra, os indivíduos já se candidatam aos diversos vestibulares em função do seu perfil socioeconômico (renda, nível de formação e tipo de ocupação dos pais; situação de trabalho no momento da inscrição e pretensão ou não de trabalhar durante o curso), do seu perfil acadêmico (tipo de escola anteriormente frequentada: pública ou privada, profissionalizante ou geral; fato de ter ou não feito cursinho preparatório; nível de desempenho acadêmico) e de variáveis ditas pessoais (sexo e idade). Os alunos mais novos e com melhor perfil socioeconômico e acadêmico tendem a escolher os cursos de acesso mais difícil, de maior prestígio e que abrem maiores

31 GOUVEIA, Aparecida J. Democratização do ensino superior. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 50,

n. 112, 1968.

32 GOUVEIA, Aparecida J. Origem étnica e situação socioeconômica dos estudantes matriculados em diferentes

áreas de estudo nas universidades de São Paulo. América Latina, ano 13, n. 4, p. 33-48, 1970.

33

PAUL Jean-Jacques; SILVA, Nelson V. Conhecendo o seu lugar: a auto-seleção na escolha de carreira. Revista Brasileira de Política e Administraçào da Educação, Vol. 14, nº1, p. 115-130, 1998.

34 BRAGA, M. M.; PEIXOTO, M. C. L.; BOGUTCHI, T. F. Tendências da demanda pelo ensino superior: estudo de

perspectivas de ganhos financeiros. Os alunos com perfil e idade menos favoráveis tendem, ao contrário, a se candidatar aos cursos de acesso mais fácil, menos prestigiosos e que formam para as profissões menos rentáveis. Em relação à variável sexo, continua-se a observar uma concentração das mulheres em certos cursos, especialmente nas áreas de humanas e biológicas.

Soares e Milan (2008), em pesquisa realizada com uma amostra de 655 alunos matriculados no primeiro ano de 23 diferentes cursos de graduação, concluíram que os fatores determinantes das escolhas do curso superior são: a realização pessoal, aptidão ou vocação para o curso pretendido, as oportunidades no mercado de trabalho, a qualidade e o prestígio da IES e a possibilidade de ascensão financeira. Nesse mesmo estudo identificou-se que a maioria dos alunos escolheu o curso no final do último ano do ensino médio. O processo de escolha pode ser visto por meio de um esquema de conceitos básicos representado na Figura 30. (SOARES; MILAN, op. cit.)

Figura 30 – Conceitos básicos que formam o processo de escolha do curso superior

Fonte: Soares e Milan (2008, p. 11)

Numa outra linha de pensamento, Bartalotti e Menezes-Filho (2007, p. 4), defendem que “Fatores como renda, perspectiva de empregabilidade, taxa de retorno, status associado à carreira ou vocação fazem parte do processo de decisão individual”. Os autores afirmam, ainda, que é de esperar que uma pessoa escolha a carreira que lhe proporcione o maior fluxo esperado de utilidade dentre todas as opções.

Outro aspecto preponderante na escolha do curso superior no Brasil é a concorrência no vestibular. Em relação a esse aspecto, Bartalotti e Menezes-Filho (2007, p. 6) ressaltam que a concorrência no vestibular “pode influenciar a demanda por um curso específico, especialmente notável no caso brasileiro”. Os autores prosseguem afirmando que

Não é raro encontrar estudantes matriculados no ensino superior que afirmam ter escolhido um curso em detrimento a outro por ser mais “fácil” ingressar neste. É razoável imaginar que os alunos que adotam este tipo de postura provavelmente estavam próximos à indiferença entre os dois cursos, observando-se os critérios descritos anteriormente, de tal sorte que a concorrência e a probabilidade de sucesso no vestibular desempenharam o papel de pivô no “desempate” entre as carreiras.

Especificamente em relação aos custos envolvidos com a escolha, Nogueira (2005, p. 11) ressalta que a decisão dos candidatos está relacionada não apenas ao fato da faculdade ser paga ou não, mas também “ao tempo de duração do curso, se é de horário integral ou apenas de um turno (e, portanto, se impede ou não a conciliação com o trabalho), e aos gastos financeiros e de tempo com deslocamento”, características que determinam o custo de oportunidade da escolha.

No capítulo a seguir serão apresentados os resultados encontrados a partir dos dados coletados.

7 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS