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DÉBORA: / / então essa é a figura que a gente vai encontrar agora no texto que a gente vai ler, vamos ver então agora o quê que pode ser

Objetivação e ancoragem das representações

7. DÉBORA: / / então essa é a figura que a gente vai encontrar agora no texto que a gente vai ler, vamos ver então agora o quê que pode ser

isto daqui, ta? antes de passar o texto, o::, eu tirei esse, essa figura que vocês viram agora, da revista Veja, ta? /.../

A análise textual dos elementos coesivos, como a repetição: “a ilustração, a ilustração do texto” (T1) e a substituição lexical: “a ilustração /.../ essa/a figura” (T1),

1 O texto encontra-se no ANEXO 10 (p. 190).

2 DÉBORA ampliou a ilustração de 1,5 cm x 1,5 cm para mais ou menos 4 cm x 4 cm, que se apresentava ainda

Representações Sociais da Leitura apontam para uma precisão progressiva1 (cf. Mondada & Dubois, 1995), a qual é marcada por uma instabilidade na própria nomeação desse objeto. Esta instabilidade e/ou hesitação (cf. Blanche-Benveniste2, 1987 apud Mondada & Dubois, 1995), no uso do item “ilustração”, parece também ser um indicativo do processo de transformação da representação que DÉBORA está (re)construindo acerca de texto. A sua insegurança quanto à função do desenho do marciano é possivelmente gerada pela sua descontextualização: o desenho é ícone3 das crônicas do “Arc, o marciano” publicadas, semanalmente, na seção “Veja essa!”, da Revista Veja; é sua retirada do cotexto o que viabiliza sua transformação de ícone das crônicas em “ilustração” ou “figura“ do texto. Enquanto ícone das crônicas, a ilustração do marciano teria uma função limitada para inferências acerca do texto, pois sua função maior seria a de criar para o leitor, no espaço das crônicas protagonizadas por ele, uma identidade e/ou identificação do que há de permanente nessas crônicas, a saber, o marciano protagonista.

Com base nesses dados, pode-se dizer que a representação de texto por parte da professora está em processo de ampliação: DÉBORA seleciona (processo de objetivação), do grupo de elementos/conceitos trabalhados na formação continuada, o de ilustração e inicia sua integração (processo de ancoragem) em suas representações, à qual tem-se acesso via processos discursivos como, por exemplo, a repetição e a substituição lexical. Para que seja integrada uma nova informação nas

1 A precisão progressiva, segundo os autores, diz respeito às buscas lexicais feitas pelo sujeito : « ... hesitando

sobre um lexema, o locutor ativa e produz uma lista de lexemas, que podem estar ligados por uma relação de coordenação adicional ou podem constituir uma série de candidatos mutuamente exclusivos, um estando mais apropriado que o outro /.../ os efeitos de precisão progressiva /.../ se refinam na medida do desenvolvimento temporal da produção discursiva – como se o locutor enumerasse os candidatos lexicais possíveis na busca da melhor adequação para relacionar o que tenta dizer sobre o referente e a situação » (p. 284). « ... en hésitant sur un lexème, le locuteur active et produit une liste de lexèmes, qui peuvent être reliés dans une relation de coordination additionnelle ou peuvent constituer une série de candidats mutuellement exclusifs, l’un étant plus approprié que l’autre /…/des effets de précision progressive /…/ s’affine au fur et à mesure du déploiement temporel de la production discursive – comme si le locuteur énumérait les candidats lexicaux possibles à la recherche de la meilleure adéquation par rapport à ce qu’il essaie de dire sur le référent et la situation ».

2 BLANCHE-BENVENISTE, C. Syntaxe, choix de lexique et lieux de bafouillage. DRLAV 36-37, 1987 (123-

157).

3 Pode-se afirmar que o desenho do marciano Arc seria o ícone das crônicas dessa seção uma vez que ele aparece

Luciane Manera Magalhães representações já constituídas, é preciso que haja uma modificação nos elementos periféricos da representação do sujeito. Mas como uma das funções dos elementos periféricos é a de proteger o núcleo central de modificações, o que DÉBORA parece fazer é “colar” em suas informações anteriores, a nova informação, na tentativa de integrá-la em suas representações já constituídas.

Considerando-se os elementos do cotexto discutidos e apresentados na formação continuada, pode-se dizer que, apesar de o título e a ilustração serem elementos de ordem semiótica diferente (verbal e não verbal), do ponto de vista da elaboração do sentido, seja ele literal ou figurado, a ilustração e o título teriam um papel mais diretamente relacionado entre si, por serem ambos aspectos da textualidade, do que com os outros elementos do cotexto, como fonte, data, autor, que remetem para o contexto de produção do texto. É natural que o título de um texto seja a síntese1 de seu conteúdo e a ilustração, de igual forma, relacione-se diretamente a esse conteúdo. A proximidade desses dois elementos (título e ilustração) seria um fator explicativo da seleção operada por DÉBORA em relação aos outros elementos (fonte, data, autor) apresentados na formação continuada.

Se antes o título era um elemento suficiente para o levantamento de hipóteses acerca do texto a ser lido, a ilustração, agora, parece assumir essa função: “essa é a figura que a gente vai encontrar agora no texto que a gente vai ler, vamos ver então agora o quê que pode ser isto daqui, ta?” (T7).

A tentativa de integração (processo de ancoragem) de um novo elemento propiciador de estratégias de ensino da leitura, é salientada no discurso de DÉBORA, através da predição das ações esperadas dos seus alunos, muito semelhantes às esperadas a partir da análise do título, presente nas expressões verbais indicando futuro: “vocês vão tentar me dizer” (T1), ou possibilidade: “que pode ser isso daqui” (T1) e “o quê que pode ser isto” (T7). Comparando-se esse exemplo (9) com o

1 Isto não significa que o autor não possa subverter o que seria natural, com o objetivo de chamar a atenção de seu

Representações Sociais da Leitura exemplo (8), o que se observa é a utilização de um léxico extremamente similar, como ilustra o quadro a seguir:

Exemplo (8) – título Exemplo (9) – ilustração

(T1)“...a gente vai tentar ver o quê que, é:: ...” (T1) “vocês vão tentar me dizer o que vocês acham...”

(T1) “... o quê que pode ser, né?” (T7) “o quê que pode ser isso daqui...”

Os recortes dos exemplos (8) e (9), inseridos no quadro acima, mostram como DÉBORA integra (processo de ancoragem) o novo elemento (ilustração) da informação ao que ela já conhece (título) para poder interpretá-lo. Assim, identifica-o com o conhecimento já familiarizado, para posteriormente transformá-lo.

Os processos de seleção (objetivação) e integração (ancoragem) de um novo elemento, ao explorar um texto antes de sua leitura propriamente dita, explicitados nos enunciados de DÉBORA, no exemplo 9, apontam para a transformação de sua representação de texto para fins de ensino em ambiente didático, que conta com o título e, também, com a ilustração como elementos constitutivos.

Finalmente, como já foi dito, cabe ressaltar que a integração de uma nova informação ao conhecimento não é direta, nem imediata, como foi salientado a partir da análise do discurso de DÉBORA, no exemplo (9). Retornarei a essa questão, na análise dos dados, no próximo item.