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DÉBORA: pra entender melhor / / quando a gente cria expectativas antes, então, como o AN e vocês colocaram, de repente fica mais fácil

As representações de DÉBORA

7. DÉBORA: pra entender melhor / / quando a gente cria expectativas antes, então, como o AN e vocês colocaram, de repente fica mais fácil

de fluir melhor, na hora que a gente vai lendo vocês vão saber que é uma fábula, que, quais características da, da fábula, sabem o que pode/ vocês já têm mais ou menos uma idéia do que pode ter, sabem que a fábula tem o objetivo de ensinar, de passar uma moral, né, que as fábulas de Esopo têm esse objetivo também, né? de (tentar), eles usam os animais, né? que é uma das características da fábula, como personagens pra poderem ensinar aos homens, então, na hora que vocês forem ler o texto, vocês vão estar usando todas essas informações, ta? inconscientemente isto vai estar facilitando a leitura de vocês (+) então vamos ao primeiro texto

A etapa de antecipação à leitura propriamente dita, desenvolvida nesse exemplo (13), é apoiada em uma representação de texto ampliada, pois, nessa aula, DÉBORA parte da definição do gênero: “hoje nós vamos trabalhar dois textos, esses dois textos, na verdade, são duas histórias que nós chamamos de fábulas” (T1), destacando a sua estrutura textual: “são pequenas narrativas” (T1), assim como a sua forma de tratar o tema: “têm uma moral” (T1), “os animais que são os personagens” (T1).

Representações Sociais da Leitura Apesar de DÉBORA anunciar o trabalho com dois textos, os textos propriamente ditos não se constituem em objetos de seu discurso, nesse exemplo (13). Os objetos discursivos que se tornam tópico da aula são a fábula e a leitura.

O primeiro objeto tematizado, a fábula, é retomado várias vezes através da repetição e das substituições lexicais. Assim, DÉBORA toma ‘história’ tanto como hiperônimo de ‘fábula’: “são duas histórias que nós chamamos de fábulas” (T1), quanto como seu sinônimo, salientado seja pela substituição do léxico: “elas sempre têm uma moral da história” (T1), seja pela justaposição dos termos: “qual história, fábula /.../” (T3). O tópico continua sendo construído por meio da definição por sinonímia: “as fábulas, elas são pequenas narrativas” (T1); e por meio da definição analítica: “têm uma moral” (T1), “os animais que são os personagens” (T1), “a fábula tem o objetivo de ensinar” (T7). Toda essa tematização permanece em um nível de generalidade, no sentido em que as definições e descrições nos enunciados podem, em princípio, aplicar-se a qualquer texto do gênero1: “na hora que vocês forem ler o texto, vocês vão estar usando todas essas informações, ta? inconscientemente isto vai estar facilitando a leitura de vocês” (T7).

O segundo objeto discursivo, a leitura, é construído, nessa aula, em uma segunda etapa, quando DÉBORA propõe questões que propiciam aos alunos a compreensão do que são as estratégias de leitura, metaforizando-as como um caminho a ser percorrido pelo leitor: “porquê que vocês acham que a gente faz esse caminho aí? de pensar no título do texto, /.../ conhecermos o autor, /.../ sabermos /.../ qual é o gênero. /.../ levantamos algumas hipóteses do que pode ser essa leitura /.../ falamos do autor, pra quê que vocês acham que eu faço esse caminho com vocês?” (T5). Mais uma vez, pode-se dizer que DÉBORA transfere conhecimentos da formação continuada, para a prática pedagógica, pois não leva em conta que a situação discursiva agora é outra e seus interlocutores são, também, outros.

1 Se compararmos esse exemplo (13) com a aula, sobre a fábula “O corvo e o pavão”, ministrada por RAQUEL

(no exemplo 17), observar-se á que apesar de RAQUEL fazer uso de informações semelhantes às que DÉBORA utiliza, a primeira professora o faz de forma específica, preparando os alunos para a leitura do texto em questão.

Luciane Manera Magalhães

Essa transferência de conhecimentos realizada por DÉBORA, parece promover modificações em suas representações apenas a nível periférico, uma vez que, apesar de apresentar-se saliente em seu discurso, não redimensiona sua atuação em função de seus novos interlocutores e em função da nova situação discursiva, característica fundamental para que a transposição didática aconteça.

Se, no início do processo (exemplo 11), DÉBORA propunha aos alunos questões de “adivinhação” ligadas à metodologia a ser desenvolvida por ela: “o quê que vocês acham que eu vou fazer com essas partes?” (T21), agora (exemplo 13), sua questão metodológica é voltada para a compreensão, pelos alunos, do caminho percorrido pelo leitor, no ato de ler. DÉBORA, entretanto, parece não estar muito certa da questão a ser colocada, sua hesitação é salientada através do uso dos pronomes interrogativos: “porquê que vocês acham que a gente faz/ como é/ porquê que vocês acham que a gente faz esse caminho aí?” (T5). A hesitação de DÉBORA pode estar refletindo sua percepção de que está faltando algo, a saber, a adequação da atividade a uma nova situação de enunciação. A pergunta, colocada por DÉBORA, pode ser mais sofisticada teoricamente (e por isso mesmo menos interessante para as crianças), mas a prática continua semelhante: discorrer sobre aspectos relativos ao ato de ler porém sem se engajar nem engajar a criança nesse ato. Apesar da resposta imediata de um aluno: “pra entender melhor” (T6), DÉBORA parece não estar totalmente segura desse processo: “de repente fica mais fácil de fluir melhor” (T7).

Esta incerteza de DÉBORA salienta, mais uma vez, a dinamicidade do processo de constituição e modificação das representações. Um processo que ocorre em redes, em oposição à concepção de linearidade da constituição do conhecimento. Isto significa, primeiro, que um novo conhecimento não é apenas transferido de uma prática social para outra, como tenta fazer DÉBORA; segundo, que o aprendizado não se dá de uma forma automática, ou seja, o professor ensina e o aluno aprende e põe

Representações Sociais da Leitura em prática. Ao contrário, a modificação das representações sociais envolve a transformação do conhecimento enquanto objeto de estudo em objeto de ensino.