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A proposta de formação do professor reflexivo via etnografia/letramento, que trato neste item, é o resultado de um trabalho caracterizado pela ação, formação e pesquisa realizado por Kleiman, Signorini e colaboradores (2000), na comunidade de Cosmópolis-SP. Kleiman (2000a, p.18) relata que, a fim de prestar assessoria acadêmica à Prefeitura da referida cidade na reorganização dos programas de alfabetização de jovens e adultos, implementou-se um projeto que apresentava dois componentes básicos: (i) "...de intervenção crítica na realidade escolar mediante formação e assessoramento das professoras no desenvolvimento de projetos de letramento" e (ii) "...de pesquisa interpretativa de caráter participativo". Mais especificamente,

"A pesquisa envolvia a participação e o exame sistemático das práticas de letramento na comunidade, tanto na escola como fora dela, pelas alfabetizadoras e pela equipe universitária. O objetivo dessa observação participativa era desenvolver projetos pedagógicos de letramento, orientados pela alfabetizadora, que propiciassem o ensino e a aprendizagem da escrita por meio de práticas alternativas às da escola tradicional, em situações sociais significativas" (op. cit.).

Visando ao letramento1 do professor, enquanto ferramenta para a aprendizagem, a proposta objetivava propiciar um melhor desempenho da professora alfabetizadora dentro do contexto de sala de aula, proporcionando-lhe a vivência não- escolar da leitura e da escrita.

1 O termo letramento, neste trabalho, é entendido como "... o conjunto de práticas sociais relacionadas ao uso, à

função e ao impacto da escrita na sociedade, diferenciando esse conceito do conceito de alfabetização, o qual é mais restrito, em geral interpretado como processo de aquisição do código da escrita e do domínio individual desse código" (Kleiman, 2000a:19).

Representações Sociais da Leitura "Esse melhor desempenho passava, aos olhos dos administradores, dos coordenadores e das alfabetizadoras, pelo desenvolvimento de uma metodologia que, por ser mais interessante, motivadora, ou fácil para o aluno, reduzisse a taxa de evasão, enquanto para nós, da equipe universitária, passava por um processo de formação da professora com vistas à aquisição de maior familiaridade no manejo da escrita, o que poderia originar transformações na sua prática tradicional de dar aulas." (op. cit.).

A preocupação central desta proposta de formação era de desenvolver projetos de letramento que propiciassem o aprendizado da escrita enquanto uma prática social e não um conjunto de signos a serem memorizados, copiados e utilizados apenas em ambiente escolar, ou seja, enquanto tarefa da escola e para a escola.

Os estudos do letramento que embasam essa proposta partem do pressuposto de que a leitura e a escrita são práticas sociais, em oposição a uma concepção utilitária dessas atividades (cf. Kleiman, 2000b). Assim, o professor tem a oportunidade de se familiarizar com um conjunto amplo de práticas de utilização de leitura e escrita que, ao mesmo tempo que lhe permitem criar ações colaborativas na aula, lhe permitem continuar independentemente seu desenvolvimento profissional. Foi o trabalho voltado para o letramento desses professores, com curso de magistério, que promoveu as mudanças na prática pedagógica de alfabetização, que inicialmente apresentava-se presa a unidades lingüísticas desprovidas de significado e depois passou a incorporar as funções sociais dos diversos textos. Os exercícios da tradição escolar foram perdendo espaço e o livro didático foi deixando de ser o único material utilizado nas aulas de leitura.

Neste trabalho de (auto)formação via letramento, o processo reflexivo acontece primeiro na instância pessoal, ou seja, o letramento do próprio professor, para depois e/ou concomitantemente mostrar sinais na vida profissional do alfabetizador, ou seja, na sua prática pedagógica.

Luciane Manera Magalhães A grande contribuição deste trabalho, a meu ver, é a valorização do letramento dos professores, tarefa que a universidade não tem dado conta de realizar nos cursos de formação inicial. O grande desafio, entretanto, é envolver professores que estejam realmente sensibilizados para a necessidade de uma formação continuada; pois no caso relatado, uma grande equipe foi envolvida e poucos professores, uma vez instrumentados para prosseguir no seu processo de aprendizagem, continuaram exercendo a docência.

Finalmente, cabe destacar que este tipo de trabalho só alcança êxito se se tem, por um lado, o comprometimento político por parte das instituições governamentais e, por outro, o professor como um voluntário.

Os dois modelos de formação continuada de professores reflexivos, que apresentei nesses dois últimos itens, têm como referencial metodológico a etnografia. O primeiro utiliza a pesquisa enquanto ferramenta de aprendizagem e, o segundo, o letramento situado para o local de trabalho. Todos os dois são projetos de formação continuada que se poderia dizer “feitos sob medida” para pequenas comunidades, o que privilegia a participação de professores que estejam perto de centros de pesquisa ou de pesquisadores, nem sempre envolvendo professores que realmente desejam ou identificam a necessidade de participação em um trabalho de formação continuada.

No item a seguir, trato de um curso de formação continuada que atende várias comunidades ao mesmo tempo. A participação dos professores, neste curso, é voluntária. Eles são professores motivados seja pela oportunidade de “subirem” em suas carreiras profissionais, através de um novo diploma, seja pela busca de respostas para os problemas enfrentados no cotidiano escolar onde atuam.

Quando o próprio professor identifica problemas em sua prática e por ele mesmo busca recursos, através de alguma instituição formadora, tem-se mais

Representações Sociais da Leitura possibilidades de êxito, como será demonstrado através da análise dos dados gerados no ambiente de formação continuada.